Logo O POVO+
A ordem das virgens
Foto de Demitri Túlio
clique para exibir bio do colunista

Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.

A ordem das virgens

As religiosas não poderiam ser acolhidas numa nova Ordem contra o Feminicídio? Uma nova Ordem pela vida sem machismo? Inclusive na igreja?
Tipo Crônica
A ordem das virgens (Foto: Carlus Campos)
Foto: Carlus Campos A ordem das virgens

O corpo da gente é ventania...

E, talvez, por isso, jamais será o aprisionamento "sagrado" das igrejas, das seitas ou das religiões. Católicas, evangélicas, pagãs, espíritas ou qualquer outra ideia de transcendência da ilusão prometida para não sei quando ou em qual lugar sublime dos nossos furores.

Inclusive não nos prendam os corpos, também, as de matrizes afro, orientais, indígenas ou ritual qualquer alienígena em voga. Um banho de floresta é mais divinal.

 

Sonhei com a festa de Benigna, personagem do filme "Ela não queria ser santa", do O POVO +

 

Nem sei exatamente por que este texto quer ser uma crônica. Talvez ainda mexido com o regalório para uma menina beatificada depois do feminicídio sofrido por ela. Na época, 1941, o nome era assassinato, não deixou de ser. Porém atualizo para feminicídio.

E ontem sonhei com a festa de Benigna, personagem da minha existência e do filme "Ela não queria ser santa", do O POVO +. Uma borga encantada em vermelho e bolinhas brancas. Vestidos em meninas de braço, mulheres de todos os tempos, homens efeminados e machões devotados à garota martirizada por Raul - o bichão tomado pela alogia do machismo.

É um aperreio em mim testemunhar a "benevolente" igreja católica "fazer o favor" de legitimar Benigna, de dar à mocinha esfaqueada a permissão de estar no mesmo altar de Santa Ana, em Santana do Cariri. Ou em qualquer templo desde outubro de 2022, quando virou beata. Será santa de certificada.

 

O Vaticano poderia ter sido uma igreja realmente em saída, sem a performance

 

Antes do Vaticano, Benigna-falecida já era adorada pela compaixão de uma multidão de não-importantes, por anônimos da fé, gente que a amou sem julgamento ou necessidade de testar se a menina "guardou ou não a virgindade" e, por isso, foi abençoada "heroína da castidade".

O Vaticano poderia ter sido uma igreja realmente em saída, sem a performance. Benigna, em vez de adorno de um machismo perene seria a "santa-garota contra o feminicídio". É uma perspectiva ativa.

A violação do corpo de Benigna não é a bandeira ou o pregão do abstêmio e, portanto, o cravo da santificação. A moça pré-adolescente, de 13 anos e dias, brigou agoniada porque sua carne não pertencia a Raul nem a Deus, era dela.

 

Não estou a provocar, por dislate, a igreja que nos invadiu com o rei fujão e destroçou as crenças de "índios"

 

Compadecer-se, condoer-se é sentimento diretamente transitivo e pronome em cada um pela crueldade da arrancadura do existir da menina. Nada de perpétua honra.

Não estou a provocar, por dislate, a igreja que nos invadiu com o rei fujão e destroçou (com os ingleses) as crenças de quem foi apelidado de "índio". E, por estratégia, trouxeram até o "diabo" nas mesmas caravelas que transportaram a tecnologia de escravizar pretos.

Só uma pausa! Quem desejar, sugiro ver Pina Bausch em Café Müller. Está no YouTube. Recomendo, principalmente, quando a bailarina é obrigada por um homem a se jogar nos braços de outro homem. Ele a coloca com bruteza e ela repetidamente despenca. Despenca e se abisma violentamente.

 

Fiquei suspicaz quando li sobre a criação da Ordem das Virgens pela Arquidiocese de Fortaleza

 

Até que a bailarina passa a pular sozinha nos braços dele. E, num desespero quase sem fim, se despedaça ao chão e volta a se arremessar nos braços do homem. E volta e repete e torna... até cair no choro, rendida. Ou talvez não seja isso, mas tem a ver com este texto sobre Benigna, Francisca de Aurora, Maria de Várzea Alegre e outros feminicídios.

Outra pausa e, agora, o fim da crônica. Estou estudando, na verdade lendo, sobre a "igreja em saída" e o papa Francisco. Vem de mais longe, desde João XXIII. Deixei de crer em Deus, mas respeito Francisco.

Fiquei suspicaz quando li sobre a criação da Ordem das Virgens pela Arquidiocese de Fortaleza. Logo dom Gregório da Paixão, que tive a impressão de enxergar as portas e as janelas abertas de Francisco nele!

Essas religiosas não poderiam ser acolhidas numa nova Ordem contra o Feminicídio? Uma nova Ordem pela vida sem machismo? Inclusive na igreja?

Não é uma crítica e, também, é. É um sentimento controverso particular com o perpétuo no corpo de Benignas finadas e vivas. E pode sim alguém ter o fetiche pelo indelével, é da liberdade. Ou da pule da igreja primitiva fedegosa a mofo.

 

MAIS CRÔNICAS

E o Parque das Dunas da Sabiaguaba?

Voar as árvores

Zona de conforto e zona de extinção

 

Foto do Demitri Túlio

Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?