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Paris é onde o amor se acaba
Foto de Demitri Túlio
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Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.

Paris é onde o amor se acaba

Carece viver o amor, fiquei com isso na cabeça depois de ouvir uma amiga sobre o estado de ausência dela
Tipo Crônica
1407_DEMITRI (Foto: Carlus Campos)
Foto: Carlus Campos 1407_DEMITRI

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Talvez isso! Tinha conversado com o Carlus Campos pelo whatsapp. Perdão, camarada, estou atrasado na escrita da crônica e por isso engarrafo o vosso tempo de criação. Pensando aqui, em escrever alguma sentimentalidade sobre o "amor", mas não sei por onde nem para que.

Talvez influenciado por uma leitora querida que me disse gostar quando a coluna vinha com algum besteira amorosa, um encontro, um desassossego, um desejo revelado quando menos se espera.

Para não empancar você, por favor, aceite a sugestão de desenhar uma onça pintada, pantaneira, aquelas de patas grossas, unhas bem-feitas, tornozelos avolumados... uma fêmea. Em vez das pintas negras no laranja, desenhe exageradamente flores.

 

A tarde terminando o dia e uma invasão voadora de vagalumes

 

Algo psicodélico do inconsciente coletivo ou pessoal. Das kombis pintadas dos anos 70 e, talvez, os "Secos e Molhados" cantando um grito de estrelas vem do infinito e um bando de luz repete o grito.

Também os acordes no piano ou órgão, não sei bem! Todas as cores e outras mais procriam flores astrais. Essa música me pega pela mão e faz-me voltar ao Porangabuçu em 1973, 1974...

A tarde terminando o dia e uma invasão voadora de vagalumes. Muitos, centenas por cima do junco que beirava um beco lateral que havia em minha casa da infância. A hora deles, já escurecendo, o breu e eles num papoco de luz.

 

Trancava-se em um quartinho e se ajoelhava a repetir coisas suplicantes

 

Antes um pouquinho, era a hora dos morcegos. Batia com a mesma hora que minha bisavó Mariana, que nunca tirou a roupa na frente de um médico e morreu com câncer no intestino, dizia ser a hora em que o cão estava à solta.

Ordenava fechar as portas, os basculantes, as venezianas. Trancava-se em um quartinho e se ajoelhava a repetir coisas suplicantes. Pedia perdão, se arrependia mil vezes, chorava, dizia que se alguém a permitisse continuar vivendo, não pecaria mais.

Ela morria de medo da transição do ocaso, nós não. Trancávamos as portas por causa da multidão de muriçocas até as 18 horas. Fêmeas famintas que vinham nos chupar desesperadamente. Sinal de que no bairro ainda havia alguma lagoa, uma floresta que fosse.

 

O Instagram mente, meu amigo! Disfarça muito

 

Por isso os vagalumes aos tantos, os morcegos em trajetórias alucinadas, aparentemente às cegas. E nós meninos e meninas em cima dos muros com cabos de vassouras em pé, testando os radares deles e impossível barroar.

Carece viver o amor, fiquei com isso na cabeça depois de ouvir uma amiga sobre o estado de ausência dela. Da paz que imagina ela estar gozando. O Instagram mente, meu amigo! Disfarça muito. Postamos que estamos morando em Jericoacoara e estou um trapo na cabeça e resto do corpo.

Encheu os olhos d'água e se engasgou. Bodejei algumas bobagens para concordar, meio idiota. Lembrei de outra amiga que terminou o casamento numa viagem à Paris. Era para ser uma lua de mel, mas surpreendetemente não.

 

Queria que o avião tivesse embiocado na volta e somente ele morresse no Atlântico 

 

E eu ainda perguntei sobre as alianças, as taças de champanhe e a Torre Eiffel ao fundo nas fotos no Instagram... Foi uma merda, Demitri! Queria que o avião tivesse embiocado na volta e somente ele morresse no Atlântico.

Por falta do que dizer, vaguei novamente nos "Secos e Molhados". O Matogrosso rebolando a bunda bonita no corpo serpenteando os olhos dos seduzidos, as costelas nuas, a cara pintada de canibal...

Jurei mentiras e sigo sozinho, assumo os pecados e o que me importa é não estar vencido... Tive vontade de abraçar minhas amigas, Jericoacoara é um refúgio, talvez. Paris é uma fantasia, talvez besta.

 

Fiquei sem a onça psicodélica tomada por flores astrais em sua pelagem pantaneira e o amor no cio

 

Pensei numa transa daquelas absurdas, de dizer poemas e sacanagens amorosas. Pensei nos peitos de Gal Costa e de Maria Bethânia. Diga que já não me quer, negue que me pertenceu, que eu mostro a boca molhada ainda marcada pelo beijo seu...

Pelo Whatsapp, Carlus Campos me disse que estava em Canoa Quebrada! Putz. Desejei que amasse em Canoa. Fiquei sem a onça psicodélica tomada por flores astrais em sua pelagem pantaneira e o amor no cio.

Um grito de estrelas vem do infinito e um bando de luz repete o grito. Todas as cores e outras mais procriam flores astrais e os vagalumes passeiam na lua cheia...


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