Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.
Tem dor que não existe dicionário. Às vezes uma música. Tipo Lulu Santos, nem desejo muito ele. Eu gosto tanto de você... pode até parecer fraqueza! Pois que seja fraqueza, então. A alegria que me dá e isso vai sem eu dizer...
A história dolorida é a montanha não querer sobreviver.
E parece, estou aprendendo a ter respeito por algumas dores. Sarah Monteiro, minha psicóloga predileta e de umbigo para sempre, me escaneia e conta que costumo pular lutos. Talvez, mas tenho profundos ocos quando paro diante de troncos que já foram sombras.
"A alegria que se perdeu porque não haverá mais beija-flores"
Respeito por uma dor é feito alguém que ainda leva bolo ao túmulo da melhor avó do mundo dela. Canta parabéns e distribui lembrancinhas para os coitados dos gatos de cemitério.
Da avó que idealizou ser perto da perfeição e nem era uma floresta assim, mas é inegociável.
Você vai duvidar do que ressente Nely pelo Rosa. Tantos anos e ainda carpe o fotógrafo que se foi. Deve ser sentimento subentendido. É bonito ser abstrato e ninguém tem nada a ver com isso.
"é Antônio Cícero e a carta testamento de amor aos outros e ao corpo dele"
É a Edna do Curió a arrumar, todos os dias, o quarto do filho Álef que deixou de vir para o jantar porque a PM o interrompeu. Mas o prato está posto e ela na cadeira ao lado paparicando. Saudosa de ele reclamar que, de novo, tem cebola branca na macarronada de mãe.
É uma amiga que resolveu pôr um fim nela, é Antônio Cícero e a carta testamento de amor aos outros e ao corpo dele. A dignidade do corpo e da dor sem se sovinar.
"Não sei com quantas saudades se faz uma pessoa de 100 anos"
Tem dor que não há bula. De amores e lutos banais, mas tão quantiosas! Feito o risco da extinção dos vagalumes e das lembranças de uma infância se apagando também. Quem vai acreditar que eles estiveram no Porangabuçu, na Tavares Iracema com Major Pedro Sampaio?
Não sei com quantas saudades se faz uma pessoa de 100 anos. Parece que estou vendo, ouvindo e sentido o cheiro das cadeiras viradas e alguém, por ordem de meu pai, pastoreando o namoro.
Dona Anália fez 100 anos e eu só matutava os desejos de dona Anália. Feito de coisas lembradas e esquecidas, de seus cabelos pretos, dos maiôs que foram às praias, das vontades que teve de viver outras vidas.
"Trouxe dona Anália, leitora infinita do O POVO, para o fim da crônica para não falar em dor"
Sou eu a expectativa de vê-la aos 18 anos, aos 25 e aos 47 anos. O primeiro beijo de tremê-la a carne e da vida que foi se contando. Se eu não esperava fazer 57, daqui a pouco 58, não consigo imaginar dona Anália.
Trouxe dona Anália, leitora infinita do O POVO, para o fim da crônica para não falar em dor de começo nem de travessias. Feito como iniciei o texto sem saber onde daria e quando subverter a prosa.
Parabéns à coragem de viver 100 anos e aos seus amores, dona Anália. Tenha meu abraço desimportante, mas cheio de goiabeiras, cajaranas e mares.
E se eu fosse um País, faria uma festa colorida pelo dia de hoje em vez de chorá-lo. Feito o México. Sem dolores e por todos que merecem não ser deslembrados. Em vida, principalmente.
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