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Léo Suricate e a favela na Assembleia
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Demitri Túlio é editor-adjunto do Núcleo de Audiovisual do O POVO, além de ser cronista da Casa. É vencedor de mais de 40 prêmios de jornalsimo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. Também é autor de teatro e de literatura infantil, com mais de 10 publicações

Léo Suricate e a favela na Assembleia

Imagine se a periferia votasse "valendo" na periferia?
Tipo Crônica
1910demitrii.jpg (Foto: carlus campos)
Foto: carlus campos 1910demitrii.jpg

A chegada preciosa de Léo Suricate (Psol) na Assembleia Legislativa do Ceará (Alece) é um furo na redoma predominante privilegiada da perene mentalidade colonial cearense.

E é uma arrogância ser tratada como exótica por causa do personagem criado pelo rapaz nascido e criado nas periferias da Sapiranga, Jangurussu, Bom Jardim, do Zé Euclides e do vasto território maior que o umbigo da Aldeota-Meireles-Cocó-Guararapes-Varjota e afins.

Leonardo de Souza Xavier parido em zonas de ocupações precárias, em Fortaleza, tem 33 anos de periferia e é filho do pintor de construção civil Cícero Xavier Marinho e da artesã Ana Lúcia Farias Gonçalves.

 

"Ao percorrer as biografias de cada um dos 57 parlamentares (em exercício ou licenciados) vai e volta nas caravelas"

 

Se você olhar no site da Alece, os resumos de biografias da maioria dos deputados e deputadas - o grosso dos "eleitos e eleitas" são esmagadoramente de famílias que nunca experimentaram sobreviver numa favela, numa comunidade ou num assentamento precário.

Léo, que foi usuário do Prouni para conseguir estudar numa universidade particular, não teve garantia de pai e mãe ricos nem uma escola particular.

A história do menino que virou trabalhador da internet destoa das jornadas confortáveis da maioria dos colegas e dos colegas de parlamento.

Quem gosta de história dos cotidianos - das invasões portuguesas/europeias até hoje, um domingo de outubro de 2025 - ao percorrer as biografias de cada um dos 57 parlamentares (em exercício ou licenciados) vae e volta nas caravelas.

 

"Filhos da eleite não podem ocupar uma cadeira na Alece? Claro que também tem direito"

 

O povo do andar de cima faz questão de atestar: "produtor rural, vem de família tradicional da política cearense... seu tio ocupou o governo do Ceará" e, por mérito natural, foi deputado federal por três mandatos.

Cunha ainda que o pai foi duas vezes prefeito de Capistrano de Abreu e outros tios "comandaram Mulungu" e um terceiro "ocupou" Ibaretama. Não por acaso ou milagre ele virou deputado.

Filhos da elite não podem ocupar uma cadeira na Alece? Claro que também tem direito, mas os da periferia, os sem-tradição-de-política-familiar dificilmente topam na pedra do "mérito" na favela dominada por facções, tiros, morte e medo.

Dos 57 parlamentares em exercício ou licenciados, 47 têm origens semelhantes de privilégios e possuem "méritos" parecidos nas trajetórias que os levaram à Assembleia.

Léo Suricate e mais nove dali - extrema-direita ou esquerda - destoam. Léo mais ainda porque vem do Jangurussu, vem de áreas onde as chances de virar deputado, senador, governador e presidente da República são quase zero.

 

"São de famílias "tradicionais de escolas públicas de qualidade"

 

Imagine se a periferia votasse "valendo" na periferia? Seria uma derrota acachapante para as linhagens ainda coloniais. As minisbios seriam assim: "filho de pai e mãe recicladores do luxo da aldeia".

São de famílias "tradicionais de escolas públicas de qualidade", "antropóloga ou sociólogo formado pela Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab)"...

Léo Suricate é um contraponto à mentalidade perene e imperiosa que se repete elegendo deputados médicos, advogados e empresários que se perpetuam na Alece. A elite brasileira não costuma ceder seu lugar para a favela.

 

"A Alece precisa de mais Léos Suricates"

 

Zezinho Albuquerque, Felipe Mota, Cláudio Pinho, Marta Gonçalves, Luana Régia, Agenor Neto, Alysson Aguiar, Antônio Henrique, Apóstolo Luiz Henrique, Fernando Hugo, Juliana Lucena e quase todos... a periferia "sem berço" é minoria no parlamento desde as invasões do Velho Mundo.

Quando um rapaz de vivência na periferia, que experimentou quase tudo de ausência do Estado, da Prefeitura e da União, chega à Assembleia Legislativa há um alento no juízo desesperançado.

O risco da história ser recontada e a Cidade virada de cabeça para baixo nas prioridades.

Não dá para discutir vida sustentável nas ocupações precárias do Estado se pelo menos 50 deputados estão lá porque são filhos de ex-prefeitos, esposas de alcaides perpétuos e apadrinhados da velha política.

 

"Léo mais ainda porque vem do Jangurussu, vem de áreas onde as chances de virar deputado são quase zero"

 

A Alece precisa de mais Léos Suricates. Carece ser a casa de mais deputados e deputadas vindos das favelas, oriundos das comunidades, hoje, dominadas pelas facções ilegítimas.

Por enquanto, continua sendo a casa de parlamentares predominantemente gerados nas capitanias políticas hereditárias...

 

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