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Valeu extinguir a Floresta do Aeroporto?
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Demitri Túlio é editor-adjunto do Núcleo de Audiovisual do O POVO, além de ser cronista da Casa. É vencedor de mais de 40 prêmios de jornalsimo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. Também é autor de teatro e de literatura infantil, com mais de 10 publicações

Valeu extinguir a Floresta do Aeroporto?

Por baixo, um inventário de aves apontaria a existência de mais de 100 espécies da avifauna interagindo com a área devastada do aeroporto e as matas vizinhas da Base Aérea e do quartel do 10º Depósito de Suprimento, do Exército
Tipo Crônica
0510demitri.jpg (Foto: carlus campos)
Foto: carlus campos 0510demitri.jpg

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Por R$ 200 mil, multa aplicada pela Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) à Fraport por ter devastado mais de 46 hectares da Floresta do Aeroporto, se fosse um "empreendedor" desmataria mais ainda ao redor do Pinto Martins.

A "recompensa onerosa", uma parenta próxima da outorga onerosa, acena sedutora para quem enxerga floresta em pé como empecilho para o "desenvolvimento" de "ecossistemas de inovação".

Pesquei a expressão "ecossistema de inovação" da nota de esclarecimento da pernambucana Aerotrópolis Empreendimentos e de sua parceira, a alemã Fraport. As duas juntas e com o aval da Semace, órgão ambiental do Governo do Ceará, passaram a serra elétrica e tratoraram árvores e bichos no aprazível bairro do aeroporto e entorno.

 

"A Semace até agora não consegue mensurar quantos milhões de reais valia a Floresta do Aeroporto em pé"

 

Por R$ 200 mil extinguiram milhares de existências daquele locus vivente. Tão cheio de vida, suponho, quanto a casa, o apartamento e o condomínio onde moram os empresários que detêm a concessão e os negócios do Aeroporto Pinto Martins.

Interpretando o texto, a nota de esclarecimento sobre a devastação da floresta em Fortaleza diz mais ou menos assim.

A matança de árvores, de outras espécies vegetais e de bichos - os possíveis de avistamento e os "invisíveis" - estaria justificado porque o "empreendimento logístico" de alemães e de pernambucanos irá fortalecer o "ecossistema de inovação" que brotará com o Instituto de Tecnologia da Aeronáutica (ITA).

 

"A Fraport e a Aerotrópolis arrotam cifras de quanto a floresta vale extinta"

 

Sim, a Semace até agora não consegue mensurar quantos milhões de reais valia a Floresta viva do Aeroporto. Talvez por isso nem tenha se preocupado em autorizar a "supressão vegetal" sem um inventário de fauna e flora.

A Fraport e a Aerotrópolis arrotam cifras de quanto vale a morte floresta. Em cima dos mais de 46 ha devastados e da área total concedida serão investidos R$ 1 bilhão, dividido em 8 fases. Até aqui, já teriam desembolsado R$ 200 milhões.

Em vez de árvores, bichos e um olho d'água numa área de Mata Atlântica sobrevivente, o fortalezense será beneficiado com sete galpões logísticos, truck center (complexo de serviço para caminhões), posto de combustível e ponto de abastecimento, em área de mais de 630 mil m².

 

"Quanto vale um pica-pau-ocráceo (Celeus ochraceus)? Bicho que existia ali"

 

Floresta dá dinheiro? Nem a Semace nem a Secretaria do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas trabalham com essa métrica. Os alemães e os pernambucanos, sim. Com a mata no chão, o projeto chuta que 7.500 empregos diretos serão gerados nas duas primeiras etapas e um total de 12 mil ao final.

Quanto vale um pica-pau-ocráceo (Celeus ochraceus)? Bicho que existia ali. Poderia dizer que custaria R$ 1 bilhão a importância de ele existir. Com todos os "serviços ambientais" que ele "presta" ou "troca" com o meio biótico em Fortaleza.

Poderia chutar que ele "gera" milhões de empregos porque sua existência ajuda na mitigação dos efeitos do prejuízo climático em curso? É apenas uma ave, dirão...

 

"Nunca empresários e burocratas acreditarão que uma raposa é tão importante quanto um aeroporto"

 

Lá, existiam quatro espécies de pica-pau além do ocráceo. Ouvi o anão-da-caatinga (Picumnus limae), o verde-barrado (Colaptes melanochloros) e o pica-pau-pequeno (Veniliornis passerinus). São engenheiros também, sabem de aviação, de aeronáutica e ainda cantam e combatem pragas.

Por baixo, um inventário de aves apontaria a existência de não menos de 100 espécies da avifauna interagindo com a Cidade na área devastada do aeroporto e as matas vizinhas da Base Aérea e do quartel do 10º Depósito de Suprimento, do Exército.

Difícil, mas nunca os empresários e as empresárias da Fraport/Aerotrópolis nem os burocratas da Semace/Sema acreditarão, racionalmente, que uma raposa é tão importante quanto um aeroporto.

 

"Ninguém aprende! Em 2020 um vírus fechou todos os aeroportos do mundo e os shoppings"

 

Que guaxinins e jiboias, seres vivos habitantes dos mais de 46 hectares extintos, não são menos que engenheiros do ITA. Nem inferiores a alemães, brasileiros pernambucanos, cearenses nem menos importantes que uma "cidade aeroportuária".

Ninguém aprende! Em 2020 um vírus fechou todos os aeroportos do mundo e os shoppings. Em Fortaleza, também por causa da devastação de 84% da mata original, o aedes aegypt enterrou milhares de ricos e pobres...

O corona vírus e o aedes são quase invisíveis, mas também podem devastar.

 

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