Demitri Túlio é editor-adjunto do Núcleo de Audiovisual do O POVO, além de ser cronista da Casa. É vencedor de mais de 40 prêmios de jornalsimo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. Também é autor de teatro e de literatura infantil, com mais de 10 publicações
Por baixo, um inventário de aves apontaria a existência de mais de 100 espécies da avifauna interagindo com a área devastada do aeroporto e as matas vizinhas da Base Aérea e do quartel do 10º Depósito de Suprimento, do Exército
Pesquei a expressão "ecossistema de inovação" da nota de esclarecimento da pernambucana Aerotrópolis Empreendimentos e de sua parceira, a alemã Fraport. As duas juntas e com o aval da Semace, órgão ambiental do Governo do Ceará, passaram a serra elétrica e tratoraram árvores e bichos no aprazível bairro do aeroporto e entorno.
"A Semace até agora não consegue mensurar quantos milhões de reais valia a Floresta do Aeroporto em pé"
Por R$ 200 mil extinguiram milhares de existências daquele locus vivente. Tão cheio de vida, suponho, quanto a casa, o apartamento e o condomínio onde moram os empresários que detêm a concessão e os negócios do Aeroporto Pinto Martins.
Interpretando o texto, a nota de esclarecimento sobre a devastação da floresta em Fortaleza diz mais ou menos assim.
A matança de árvores, de outras espécies vegetais e de bichos - os possíveis de avistamento e os "invisíveis" - estaria justificado porque o "empreendimento logístico" de alemães e de pernambucanos irá fortalecer o "ecossistema de inovação" que brotará com o Instituto de Tecnologia da Aeronáutica (ITA).
"A Fraport e a Aerotrópolis arrotam cifras de quanto a floresta vale extinta"
Sim, a Semace até agora não consegue mensurar quantos milhões de reais valia a Floresta viva do Aeroporto. Talvez por isso nem tenha se preocupado em autorizar a "supressão vegetal" sem um inventário de fauna e flora.
A Fraport e a Aerotrópolis arrotam cifras de quanto vale a morte floresta. Em cima dos mais de 46 ha devastados e da área total concedida serão investidos R$ 1 bilhão, dividido em 8 fases. Até aqui, já teriam desembolsado R$ 200 milhões.
Em vez de árvores, bichos e um olho d'água numa área de Mata Atlântica sobrevivente, o fortalezense será beneficiado com sete galpões logísticos, truck center (complexo de serviço para caminhões), posto de combustível e ponto de abastecimento, em área de mais de 630 mil m².
"Quanto vale um pica-pau-ocráceo (Celeus ochraceus)? Bicho que existia ali"
Floresta dá dinheiro? Nem a Semace nem a Secretaria do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas trabalham com essa métrica. Os alemães e os pernambucanos, sim. Com a mata no chão, o projeto chuta que 7.500 empregos diretos serão gerados nas duas primeiras etapas e um total de 12 mil ao final.
Quanto vale um pica-pau-ocráceo (Celeus ochraceus)? Bicho que existia ali. Poderia dizer que custaria R$ 1 bilhão a importância de ele existir. Com todos os "serviços ambientais" que ele "presta" ou "troca" com o meio biótico em Fortaleza.
Poderia chutar que ele "gera" milhões de empregos porque sua existência ajuda na mitigação dos efeitos do prejuízo climático em curso? É apenas uma ave, dirão...
"Nunca empresários e burocratas acreditarão que uma raposa é tão importante quanto um aeroporto"
Lá, existiam quatro espécies de pica-pau além do ocráceo. Ouvi o anão-da-caatinga (Picumnus limae), o verde-barrado (Colaptes melanochloros) e o pica-pau-pequeno (Veniliornis passerinus). São engenheiros também, sabem de aviação, de aeronáutica e ainda cantam e combatem pragas.
Difícil, mas nunca os empresários e as empresárias da Fraport/Aerotrópolis nem os burocratas da Semace/Sema acreditarão, racionalmente, que uma raposa é tão importante quanto um aeroporto.
"Ninguém aprende! Em 2020 um vírus fechou todos os aeroportos do mundo e os shoppings"
Que guaxinins e jiboias, seres vivos habitantes dos mais de 46 hectares extintos, não são menos que engenheiros do ITA. Nem inferiores a alemães, brasileiros pernambucanos, cearenses nem menos importantes que uma "cidade aeroportuária".
Ninguém aprende! Em 2020 um vírus fechou todos os aeroportos do mundo e os shoppings. Em Fortaleza, também por causa da devastação de 84% da mata original, o aedes aegypt enterrou milhares de ricos e pobres...
O corona vírus e o aedes são quase invisíveis, mas também podem devastar.
Política, cotidiano, questões sociais e boemia. Estes e mais temas narrados em crônicas. Acesse minha página
e clique no sino para receber notificações.
Esse conteúdo é de acesso exclusivo aos assinantes do OP+
Filmes, documentários, clube de descontos, reportagens, colunistas, jornal e muito mais
Conteúdo exclusivo para assinantes do OPOVO+. Já é assinante?
Entrar.
Estamos disponibilizando gratuitamente um conteúdo de acesso exclusivo de assinantes. Para mais colunas, vídeos e reportagens especiais como essas assine OPOVO +.