Renato Aragão 90 anos: conheça a discografia do Trapalhão
Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM
Na última segunda-feira, 13, Renato Aragão completou 90 anos. Reconhecido em todo o território nacional pelo seu personagem Didi, o malandro cearense dos Trapalhões, é de estranhar que o humorista venha ocupar uma página dedicada à música. Mas a verdade é que Renato tornou-se um empresário rico quando investiu em diferentes formas de arte. A música não de fora. De longe, por exemplo, é impossível ouvir “Teresinha” (“O primeiro me chegou como quem vem do florista...”) e não lembrar do sobralense de vestido vermelho, pernas peludas, vasta peruca preta agarrado a um pôster do Wanderley Cardoso. Ou ainda sem blusa, chapéu preto, se rebolando ao som de “Bandido”, na voz de Ney Matogrosso.
Fato é que os “trapaclipes”, nome dado aos quadros musicais do programa “Os Trapalhões”, eram garantia de sucesso e custava uns bons cruzeiros às gravadoras emplacar uma música ali. Mas ainda antes do programa, Didi já gravou alguns LPs, aproveitando a época em isso era lucrativo. O primeiro deles é de 1975 e chama-se “Os Trapalhões Volume 2”, apenas com ele e Dedé. O segundo é de 1977 e chama-se “Vol.1”, assim mesmo em contagem regressiva, sem o menor sentido. Inclusive, neste segundo, que é o “1”, as piadas dividem as faixas com músicas de Alypyo Martins, Trio Nordestino e Trio Mossoró.
E foi também assinando com o nome do grupo que saiu, em 1981, “O Forró dos Trapalhões”, dessa vez com a participação de Zacarias. E como a turma era atrevida, o disco tem direção musical de Marco Mazzola (o mesmo que produziu “Alucinação”, de Belchior) e composições de Vital Farias (“Belorizonten”), Ednardo (“Terral”), Caetano Veloso (“Cajuína”), Sivuca (a lidíssima “Seca e Chuva”), Vinicius de Moraes e Carlos Lyra (“Pau-de-arara”, uma das trilhas que Lyra fez para o teatro político, em afronta à ditadura). Mussum não pode participar do disco de forró por que tinha contrato com outra gravadora para a própria carreira de sambista. Mas esse encontro do quarteto foi registrado na faixa “História do Brasil”, que abre o disco que Mussum lançou em 1980.
Bom, daí em diante, como um autêntico quarteto, Os Trapalhões gravaram muitos discos, com destaque para as trilhas sonoras. Logo na abertura dessa discografia, um clássico atemporal para crianças de todas as idades: “Os saltimbancos Trapalhões” (1981). As composições são do argentino Luiz Enriquez Bacalov, adaptadas para o português por Chico Buarque. Nas vozes, além de Didi, Dedé, Mussum e Zacarias, o reforço de Elba Ramalho, Bebel Gilberto, Lucinha Lins e do próprio Chico. Sem envelhecer um dia sequer, a trilha fala dos sonhos da opressão do poder (“Meu caro Barão”), do artista marginal (“A cidade dos artistas”) e da força da união popular (“Todos juntos”).
As próximas trilhas não fizeram tanto sucesso, mas guardam suas curiosidades. “Os Vagabundos Trapalhões” (1982) tem parceria de Renato Aragão com Wando, Paulinho Tapajós e Glória Gadelha nas vozes de Jessé, Zizi Possi e Fafá de Belém – embora eu duvide muito que o cearense tenha mesmo alguma participação nessas composições além de liberar que elas estivessem em um filme com garantia de sucesso. Duvidando ou não, Renato volta a assinar uma série de composições na trilha de “Os Trapalhões na Serra Pelada” (1982), incluindo uma parceria com outro cearense: Sérgio Sá. Nesse mesmo disco, cheio de teclado bem datados, tem uma muito politicamente incorreta “Rapaz Alegre” e uma versão bilíngue de “Trem das Onze”, de Adoniran Barbosa.
E o atrevimento de Renato Aragão não parou aí. Em “O Cangaceiro Trapalhão” (1983), ele dá voz a uma música de Rita Lee e Roberto de Carvalho (“Lagartixa”) numa antológica cena em que sobe pelas paredes junto com Bruna Lombardi. No mesmo filme, ele canta – ao seu modo – nada menos que “Estrela do Mar”, um dos marcos da carreira de Dalva de Oliveira. Daqui em diante, Renato já havia interrompido a carreira de compositor, mas era certamente quem tinha mais espaço nas trilhas dos filmes. É ele, por exemplo, quem está creditado ao lado de Eduardo Dusek em “Saudades do A La Carte”, mas é preciso esforço para ouvir sua voz.
Esta última faixa é da trilha do filme “O trapalhão na Arca de Noé” (1984), que conta com participações bacanas de Cazuza, Wando e Roupa Nova. Ainda surfando na onda do rock nacional, em 1986, veio “Os Trapalhões no Rabo no Cometa” com participações improváveis de Ultraje a Rigor, Ira!, Grupo Rumo e Xarada, banda que seria reconhecida anos depois por revelar o nome do compositor Lenine. Depois, os Trapalhões lançariam mais dois discos seguindo a fórmula de sucesso chiclete de Michael Sullivan e Paulo Massadas. As músicas ficaram menos interessantes, o humor do quarteto também. Mas o passado está ali pra quem quiser visitar.
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