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Nana Caymmi: Uma estilista da voz
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Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM

Marcos Sampaio arte e cultura

Nana Caymmi: Uma estilista da voz

Nana Caymmi, uma das vozes de mais alto quilate da MPB, morreu na quinta, 1º de maio, aos 84 anos. Ela estava internada há meses. O texto a seguir foi publicado no Vida&Arte, no sábado, 3
Tipo Opinião
Nana Caymmi (Foto: Lívio Campos/ Divulgação)
Foto: Lívio Campos/ Divulgação Nana Caymmi

Quem vai a um show de Paulinho da Viola tem duas certezas: a primeira é que vai ver um show de samba, a segunda é que esse samba não se parece com os sambas de gente como Ferrugem, Mumuzinho ou Só Pra Contrariar. O mesmo com quem vai a um show de Renato Teixeira ou Almir Sater. Eles fazem música sertaneja, mas o sertão deles em nada se compara com as dezenas de duplas que lotam estádios falando – aos gritos – sobre amores desfeitos, bebedeiras e baladas.

Embora pareça (e seja, de certa forma) um comparativo de qualidade, o que separa paulinhos, renatos e almirs dos demais é o apego ao estilo. Eles não querem reinventar, recriar, mudar ou modernizar. Eles só querem ser instrumentos do estilo que aprenderam a ouvir e reverenciar desde que nasceram. Ou seja, eles cantam o que cantam por que não saberiam fazer outra coisa. Nana Caymmi é exatamente assim.

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Dona de uma voz etérea, de timbre meio rouco, quente, delicado e agudo, ela cantava de olhos fechados, como quem reza. Tudo tinha profundidade e horizonte, como o mar que seu pai, Dorival, tanto cantou. Nana não era baiana como ele, mas herdou essa alma praieira e até tinha como meta gravar tudo que foi escrito pelo pai. Não sei se ela alcançou o objetivo, mas foram vários discos dedicados ao repertório do patriarca da família Caymmi.

Entre um e outro, Nana, que nasceu Dinahir Tostes Caymmi, gravou Tom Jobim, Tito Madi, Dolores Duran, Fátima Guedes, Guinga, Cassiano e vários outros compositores e compositoras. Para todos, ela deu o mesmo tratamento cuidadoso, o mesmo refino, a mesma interpretação que trata cada sílaba de cada palavra com carinho. Sua técnica foi aprendida na vida, no palco, no convívio com tantos que frequentavam a casa de uma das famílias mais importantes da MPB. Há quem diga que ela desafinava e é bem provável que isso acontecesse. Afinal, só um trabalho demasiado humano é capaz de provocar falhas.

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Mas, voltando ao estilo, era dessa humanidade que ela arrancava sentimentos profundos em interpretações que foram imortalizadas. No impecável disco “Voz e Suor”, ela e o pianista César Camargo Mariano guiam o ouvinte por uma trilha sonora de sensações que nem ganharam nome ainda. Parte da trilha sonora do filme “Pequeno dicionário amoroso”, difícil imaginar outra voz cantando “Céu de Jade” ao lado do compositor João Nabuco. O mesmo em “Solidão”, dueto dela com Flávio Venturini.

O apego ao próprio estilo fez de Nana Caymmi um nome famoso que vendia poucos discos, teve raros sucessos populares e fazia shows para pequenos públicos. Mas eram públicos que estavam dispostos a ouvir – com atenção! – o que sua voz sabia fazer de melhor. Essa mesma voz era capaz também de disparar palavrões, render entrevistas polêmicas, criticar colegas de profissão e provocar risadas nos shows. Mas isso também faz parte da sua alma demasiada humana.

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