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Sarto, Élcio e o palanque desmontado
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Colunista de política, Gualter George é editor-executivo do O POVO desde 2007 e comentarista da rádio O POVO/CBN. No O POVO, já foi editor-executivo de Economia e ombudsman. Também foi diretor de Redação do jornal O Dia (Teresina).

Sarto, Élcio e o palanque desmontado

Fortaleza tem histórico de relações tensas entre prefeito e vice, numa situação que reflete na própria rotina administrativa e inevitavelmente cobra algum preço do cidadão
Sarto, Élcio e o palanque desmontado (Foto: carlus campos)
Foto: carlus campos Sarto, Élcio e o palanque desmontado

É impressionante que os atores da nossa política continuem apresentando pouca capacidade, ou disposição, de aprender com a bagunça que muitas vezes impera no ambiente que se cria em volta deles. Percebe-se, exemplificando, que não há interesse qualquer em tirar as lições possíveis da confusão geral de momento relacionada aos rompimentos entre prefeitos e os vices com os quais foram eleitos quatro anos atrás na montagem dos novos palanques para a campanha eleitoral que se aproxima no Ceará, ainda em 2024.

Outro dia O POVO fez um mergulho no quadro, através da repórter Júlia Duarte, e encontrou 16 situações nas quais prefeito e vice deixaram de se falar politicamente. O número é maior, porém, sendo que em muitas das situações dá-se mais do que apenas um desentendimento de visão política, há, entre os antigos parceiros, uma animosidade que chega ao plano pessoal e carrega até troca de acusações no nível mais agressivo possível. Ao ponto de o eleitor, muitas vezes, perguntar como aquelas duas lideranças dividiam o mesmo projeto há tão pouco tempo?!

Para não dispersar a análise concentremo-nos no caso de Fortaleza, onde um dos exemplos oferecidos é no sentido oposto. Como se movimenta o prefeito José Sarto (PDT), por exemplo, após um mandato quase completo de convivência harmoniosa e pacífica com seu vice, Élcio Batista (PSDB)? Poderia ser na linha de reafirmação de uma parceria que no plano político demonstrou-se perfeita, percorreu todo o período de quase três anos e meio, até agora, sem qualquer arranhão público conhecido, mas, ao contrário, o que se sabe é que a prioridade deve ser pela busca de uma nova companhia para o pedetista em seu projeto de reeleição. De preferência uma mulher.

O elo possível entre o que se dá em Fortaleza, neste caso do prefeito Sarto, por exemplo, e o que acontece nos vários exemplos de briga Ceará adentro, está na falta geral de atenção com a busca de convergências políticas reais. Não há preocupação perceptível de priorizar um engajamento resoluto de toda a chapa com os compromissos de campanha como passo inicial importante, até necessário, para projetar um mandato com menos riscos de desentendimentos e crises internas.

Uma panorâmica no geral das conversas sobre composição de chapa para disputa na capital revela um descaso predominante com a ideia de dar prioridade às parcerias sustentáveis, construídas a partir de alguma coerência político-ideológica. Por exemplo, o PT definiu Evandro Leitão como candidato e parece acertado que sua companhia na chapa deve ser uma mulher, estabelecendo-se como primeiro critério a condição de gênero. Claro que haverá esforços para encaixar outros fundamentos de aproximação da escolhida (parece que já podemos flexionar nesse sentido) com quem deve liderar a aliança, mas o risco parece claro. Qualquer que seja o nome anunciado.

O mundo concreto mostra que em praticamente todas as situações sob análise as aproximações e acordos se dão em torno das metas eleitorais, pura e simplesmente, significando que o critério básico para somar forças é o potencial de votos de cada um, especialmente daquele que se agrega à chapa numa posição secundária. Melhor, mas não imprescindível, quando isso se dá em torno de personagens com algum nível de convergência de ideias nas respectivas trajetórias políticas.

O caso Sarto-Élcio vale muito como referência porque, insistirei, uma análise justa indicaria a repetição da fórmula como melhor caminho a adotar na luta pela reeleição. Fortaleza tem histórico de relações tensas entre prefeito e vice, numa situação que reflete na própria rotina administrativa e inevitavelmente cobra algum preço do cidadão. O processo sucessório natural é interrompido e não há como evitar os efeitos sobre o ritmo da gestão. Os partidos, seus líderes e os candidatos deveriam olhar para isso com um pouco mais de atenção.

 

 

"Aguarde e verá"

José Sarto (PDT), prefeito de Fortaleza, questionado por jornalistas se já pode confirmar o nome de Élcio Batista (PSDB) como candidato à vice an sua capa de 2024

 

 

Depois das urnas, uma DR

O PT exigirá uma discussão interna bem animada depois de passado o período eleitoral de outubro no Ceará. É inevitável que ficarão muitas pendências a resolver, sem contar com o estrago já contabilizável pela perda de algumas lideranças municipais, históricas algumas delas, que deixaram o partido insatisfeitas com o desfecho de muitas conversas sobre candidaturas ou alianças. O caso mais recente de um encaminhamento que deve render histórias para o futuro é a decisão de apoiar, em Aracati, a candidatura de Caetano Neto (Republicanos) à prefeitura. Petistas que roeram o osso nos tempos ruins se queixam da opção agora por um bolsonarista para atender outras estratégias (do Abolição), mesmo considerando-se a deterioração completa da relação local com Bismarck Maia, atual gestor, um aliado até outro dia.

Mais um turno, novas estratégias

Juazeiro do Norte segue contando o número de eleitores aptos a votar em 6 de outubro próximo e uma atualização recente indica que se está a menos de 200 inscritos para vermos confirmada a possibilidade de um segundo turno no importante município caririense. É uma informação importante, para além da mudança de status político, porque balizará algumas decisões que estão por serem tomadas dentro de algumas tendências políticas. Confirmando a nova situação, por exemplo, crescem as chances de uma candidatura do MDB à prefeitura, que, no caso, seria do deputado Davi do Raimundão. O deputado Fernando Santana, já anunciado como opção do PT para a disputa, trabalha intensamente nos bastidores para demover os aliados, intensificou agenda nos últimos dias com emedebistas da região, mas sabe que a confirmação de perspectiva de duas datas eleitorais já em 2024 muda a configuração das coisas. Dia 5 de junho próximo o TRE anuncia o desfecho final.

As agendas de Leitão

Quem se debruçou sobre a agenda dos últimos dias do deputado estadual Evandro Leitão (PT), presidente da Assembleia e pré-candidato à prefeitura de Fortaleza, notou que ele está sendo bastante seletivo na escolha dos eventos e encontros aos quais deve comparecer. A assessoria jurídica dele, do parlamento e da pré-campanha, passa uma lupa nos convites que chegam e define onde não há risco de contestação pelos adversários, transferindo aos objetivos políticos a decisão final sobre a conveniência de se fazer presente. A coisa está sendo cuidadosa no nível de, como aconteceu em recente evento na Câmara de Fortaleza em homenagem a Valdemir Catanho, buscar-se um timing ideal para evitar encontros com potencial de gerar constrangimentos. Traduzindo: ele saiu exatamente na hora em que chegava ao local a deputada federal Luizianne Lins, a quem derrotou na disputa interna.

Entre fatos e ironias

Sob pressão da justiça, que proibiu a veiculação de vídeo no qual tem sua pré-candidatura à prefeitura de Fortaleza lançada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, o deputado federal André Fernandes (PL) parece não concordar muito com a ideia de que Evandro Leitão está sendo cuidadoso na sua agenda para evitar questionamentos legais. Por exemplo, questiona o Ministério Público eleitoral se não merece o mesmo rigor aplicado contra ele o fato de o presidente da Assembleia ter recebido representantes do Levante Popular da Juventude, segundo ele, alguns dias antes de representantes do movimento atacarem seu escritório político. O fato é que situações que caracterizem campanha antecipada, está determinado pela legislação, têm que ser combatidas.

O que quero, não o que fiz

Soa irônico, em certa perspectiva, ver o ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Floriano Marques, explicar em seu voto pela absolvição do senador Sergio Moro (Novo), no processo de cassação de mandato que corria contra ele, que a ninguém é dado o direito de condenar outro "com base apenas em convicções". Não era indireta, pelo menos não soou assim, mas há uma memória coletiva ainda muito viva de quando Moro era juiz e aplicou uma sentença rigorosíssima contra Luiz Inácio Lula da Silva (que depois seria anulada e tudo mais do conhecimento público que atualiza a história do Brasil) apesar da inconsistência das provas apresentadas, muito fundamentado nas convicções, suas e dos acusadores do Ministério Público Federal. O parlamentar Moro comemorou muito o voto e o placar de 7x0 em seu favor na Corte, mas não sei se o magistrado Moro assinaria embaixo as argumentações do relator.

Um novo queridinho à direita

Quem pensava que Jair Bolsonaro, seguiria sendo uma das grandes figuras mundiais da extrema direita mesmo fora de qualquer mandato popular, com base no forte apoio popular que mantém no Brasil, possivelmente precisará rever suas ideias ao passar em revista a semana passada. O conservadorismo mundial fez recentemente um grande evento em Madri, organizado pelo Vox, e quem brilhou de verdade foi o argentino Javier Milei. Cá entre nós, um orador muito mais articulado do que o brasileiro, abraçado à mesma pauta eivada de problemas e equívocos, características às quais soma uma disposição incomum e real de transformar-se em símbolo global a partir do comando de um governo que leva as ideias libertárias ao extremo. Por enquanto, e apesar da piora objetiva nas condições de vida da população, mantendo nível bastante aceitável de aprovação popular.

 

Foto do Guálter George

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