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No rastro do "gabinete do ódio": bastidores de uma reportagem
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Henrique Araújo é jornalista e mestre em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Articulista e cronista do O POVO, escreve às quartas e sextas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades e editor-adjunto de Política.

No rastro do "gabinete do ódio": bastidores de uma reportagem

Tipo Análise
Reprodução de estética vaporwave, publicada nas redes sociais (Foto: Reprodução de estética
Foto: Reprodução de estética "vaporwave" publicada nas redes sociais Reprodução de estética vaporwave, publicada nas redes sociais

Foram dias de procura pelos rastros deixados por integrantes do chamado “gabinete do ódio” no Ceará, a máquina de guerra digital montada pelo então deputado federal Jair Bolsonaro quatro anos antes das eleições de 2018 e denunciada ao Supremo por ex-aliados do partido pelo qual se elegera.

Contatei uma colega que conhece os quatro rapazes apontados como o núcleo cearense dessa guerrilha especializada na disseminação de fake news: José Matheus Sales Gomes, Hemrique Rocha, Guilherme Julian Victor Freire e Mateus Matos Diniz. Também obtive os telefones de cada um e os endereços de e-mail, além dos domicílios – nenhum reside mais no Ceará. Não houve resposta.

Um deputado federal me contou que eles jamais conversariam comigo, primeiro porque “estão no olho do furacão”, alvo de investigação no Supremo; segundo porque seu trabalho se notabiliza exatamente por apagarem qualquer vestígio de sua atuação.

Empresas, escolas, familiares – nada nem ninguém ajudava a remontar as razões pelas quais os garotos bolsonaristas haviam aderido a essa espécie de “jihad” virtual, classificada pelo ministro Alexandre de Moraes como potencial “associação criminosa” com tentáculos espalhados por vários estados, conforme havia narrado o deputado Heitor Freire (PSL-CE) em oitiva na Corte.

De todos os relatos que colhi e das pistas deixadas na estrada, o que ficou evidente é que o tal “gabinete” já existia bem antes das eleições de dois anos atrás. Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) apenas lhe deu feitio de projeto, aperfeiçoando a máquina que o ex-ministro Gustavo Bebianno chamou de “Abin paralela” e ajustando o seu calibre para que continuasse a operar mesmo com a chegada ao poder.

Logo ficou claro por que o “03” tinha se mesmerizado com aquele “pessoal do Ceará”, que se referia ao seu pai como um cara da “zoeira” ou “mito”, predicados que ajudaram a suavizar a imagem do político do baixo clero cuja trajetória parlamentar era uma sucessão de gavetas sem projeto.

Às piadas machistas e declarações abertamente preconceituosas do ex-militar, somava-se agora uma expressão particular, que conjugava a gaiatice cearense com o “vaporwave”, um conjunto de elementos híbridos que combina referências clássicas e oitentistas.

Era como se misturassem o humor escrachado de um Tom Cavalcante, a música eletrônica dos anos de 1980 e um pouco de cultura greco-latina, em seguida liquidificassem tudo, processassem e sampleassem.

Foi isso o que o grupo fez: empacotou Bolsonaro e o converteu em produto, em “meme”, numa das estratégias de comunicação mais bem-sucedidas da política brasileira recente.

Mas isso foi antes de passarem a despachar no terceiro andar do Planalto, de onde comandariam o gabinete, agora sob supervisão direta de emissários do vereador responsável pelas contas do presidente nas redes sociais.

É possível que o inquérito aberto pelo STF tenha finalmente desmantelado esse mecanismo? Cedo para dizer.

Reservadamente, uma outra fonte assegura que “a casa caiu” para o gabinete e que, mais dia, menos dia, o Governo talvez até encontre uma função para os radicais de plantão. Mesmo ele admite que os garotos merecem.

Afinal, sem o quarteto, como fez questão de demonstrar publicamente o hoje assessor especial Filipe G. Martins um dia antes das eleições de 2018, a vitória de Bolsonaro não teria sido possível.

Foto do Henrique Araújo

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