No rastro do "gabinete do ódio": bastidores de uma reportagem
Henrique Araújo é jornalista e mestre em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Articulista e cronista do O POVO, escreve às quartas e sextas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades e editor-adjunto de Política.
Contatei uma colega que conhece os quatro rapazes apontados como o núcleo cearense dessa guerrilha especializada na disseminação de fake news: José Matheus Sales Gomes, Hemrique Rocha, Guilherme Julian Victor Freire e Mateus Matos Diniz. Também obtive os telefones de cada um e os endereços de e-mail, além dos domicílios – nenhum reside mais no Ceará. Não houve resposta.
Um deputado federal me contou que eles jamais conversariam comigo, primeiro porque “estão no olho do furacão”, alvo de investigação no Supremo; segundo porque seu trabalho se notabiliza exatamente por apagarem qualquer vestígio de sua atuação.
Empresas, escolas, familiares – nada nem ninguém ajudava a remontar as razões pelas quais os garotos bolsonaristas haviam aderido a essa espécie de “jihad” virtual, classificada pelo ministro Alexandre de Moraes como potencial “associação criminosa” com tentáculos espalhados por vários estados, conforme havia narrado o deputado Heitor Freire (PSL-CE) em oitiva na Corte.
De todos os relatos que colhi e das pistas deixadas na estrada, o que ficou evidente é que o tal “gabinete” já existia bem antes das eleições de dois anos atrás. Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) apenas lhe deu feitio de projeto, aperfeiçoando a máquina que o ex-ministro Gustavo Bebianno chamou de “Abin paralela” e ajustando o seu calibre para que continuasse a operar mesmo com a chegada ao poder.
Logo ficou claro por que o “03” tinha se mesmerizado com aquele “pessoal do Ceará”, que se referia ao seu pai como um cara da “zoeira” ou “mito”, predicados que ajudaram a suavizar a imagem do político do baixo clero cuja trajetória parlamentar era uma sucessão de gavetas sem projeto.
Às piadas machistas e declarações abertamente preconceituosas do ex-militar, somava-se agora uma expressão particular, que conjugava a gaiatice cearense com o “vaporwave”, um conjunto de elementos híbridos que combina referências clássicas e oitentistas.
Era como se misturassem o humor escrachado de um Tom Cavalcante, a música eletrônica dos anos de 1980 e um pouco de cultura greco-latina, em seguida liquidificassem tudo, processassem e sampleassem.
Foi isso o que o grupo fez: empacotou Bolsonaro e o converteu em produto, em “meme”, numa das estratégias de comunicação mais bem-sucedidas da política brasileira recente.
Mas isso foi antes de passarem a despachar no terceiro andar do Planalto, de onde comandariam o gabinete, agora sob supervisão direta de emissários do vereador responsável pelas contas do presidente nas redes sociais.
Reservadamente, uma outra fonte assegura que “a casa caiu” para o gabinete e que, mais dia, menos dia, o Governo talvez até encontre uma função para os radicais de plantão. Mesmo ele admite que os garotos merecem.
Afinal, sem o quarteto, como fez questão de demonstrar publicamente o hoje assessor especial Filipe G. Martins um dia antes das eleições de 2018, a vitória de Bolsonaro não teria sido possível.
Política como cenário. Políticos como personagens. Jornalismo como palco. Na minha coluna tudo isso está em movimento. Acesse minha página
e clique no sino para receber notificações.
Esse conteúdo é de acesso exclusivo aos assinantes do OP+
Filmes, documentários, clube de descontos, reportagens, colunistas, jornal e muito mais
Conteúdo exclusivo para assinantes do OPOVO+. Já é assinante?
Entrar.
Estamos disponibilizando gratuitamente um conteúdo de acesso exclusivo de assinantes. Para mais colunas, vídeos e reportagens especiais como essas assine OPOVO +.