Professor de História na rede pública Estadual de Ensino do Ceará. Doutor em História pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa Patrimônio e Memória (GEPPM-UFC) e vice-líder e pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisa História, Gênero e América Latina (GEHGAL-UVA)
Ao longo da história, a eletricidade não era só fonte de energia, mas indicativo de "civilidade" e desenvolvimento. Mas, hoje, também sinônimo é de carestia. Desde 2015 a conta de luz no Brasil subiu mais do que o dobro da inflação
A ideia de prolongar os dias em Fortaleza por meio de uma iluminação artificial data de 1834. Ventilou-se a hipótese que cem lampiões dariam fim à penumbra das principais ruas e travessas da cidade. Como ideia, pairou no ar por mais de uma década. Quando se materializou, em 1848, foram instalados vinte e cinco dos quarenta e quatro lampiões previstos para fazer recuar o domínio da sombra, com iluminação de azeite de peixe. Depois, o gás assegurou a iluminação de casas e ruas da cidade entre 1867 e as primeiras décadas do século XX.
Faltava pouco para acabar o ano de 1913 quando os bondes movidos por tração animal foram substituídos pelos bondes elétricos na capital cearense. No imaginário moderno da Fortaleza antiga, a eletricidade não era só fonte de energia, mas também celebração e regozijo, registro da “civilidade”.
A companhia inglesa “Ceará Tramway, Light and Power”, a Light, monopolizava os serviços de produção de energia elétrica e do transporte público numa cidade que estava ciente de ter entrado na era da modernidade. Em 10 anos, porém, o clima festivo e amistoso azedou. A imprensa local repercutia as denúncias e reclamações dos usuários: os bondes eram sujos e em número insuficiente para atender a demanda; diversos bondes ficavam parados em várias linhas, por falta de energia elétrica.
Nos anos que se seguiram, a eletricidade foi tomada como indicador do nível de desenvolvimento econômico e social de Fortaleza, e o trabalho do acendedor de lampiões fomentou em alguns habitantes entusiastas do “progresso” a impressão de atraso urbano, tornando tal ocupação obsoleta já em meados dos anos 1930. Somente na segunda metade do século XX a geração térmica foi sucedida pela hidráulica e a capital cearense passou a receber a energia produzida pela usina de Paulo Afonso.
Atualmente, o Ceará possui empreendimentos de geração de energia de fontes eólica, solar, termelétrica e hidrelétrica, além de outros projetos de fontes renováveis concebidos na busca de autossuficiência e consolidação da matriz energética. Apesar disso, dados da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), divulgados no início deste ano, apontam o Ceará como estado de maior aumento no consumo de energia elétrica em 2021, com índice de 8,2%. O resultado teria sido o dobro da média nacional.
Ao fazer essa retrospectiva, meu interesse não é apenas documentar as vicissitudes de uma sociedade de consumo. O que estou buscando é enfatizar os sentidos históricos das práticas econômicas e culturais oriundas da inserção da energia elétrica na trama do cotidiano cearense. Afinal, as decisões dos órgãos públicos e privados de gestão e planejamento do setor energético repercutem fortemente no ambiente privado, e nos nossos dias a soma dessa conta tem sido bem mais cara para o bolso dos consumidores residenciais.
Aliás, desde 2015 a conta de luz no Brasil subiu mais do que o dobro da inflação, além das correções anuais nas tarifas, marcadas pelos encargos, subsídios e custos diretamente repassados aos consumidores; fora a necessidade do uso de termelétricas em meio à crise que afetou o nível dos reservatórios das usinas hidrelétricas do país em 2021 e resultou na cobrança da bandeira vermelha, de escassez hídrica, mais cara, vigente desde setembro do ano passado.
Faltou o governo explicar que a cobrança extra pode voltar a partir de 2023, dependendo do custo de geração de energia que, diga-se de passagem, dobrou em decorrência da alta dos combustíveis. Também precisa ficar bem entendido que tal redução se refere ao fim do custo adicional para a cobrança da bandeira de escassez hídrica, mas as projeções do reajuste anual das bandeiras tarifárias indicam que serão aplicados os seguintes valores: bandeira verde (sem cobrança adicional), amarela (+56%), vermelha patamar 1 (+ 57%) e vermelha patamar 2 (-1,7%).
Em resumo, nesse jogo de estica e puxa o impacto tarifário médio para os consumidores residenciais no próximo ano poderá ser aproximadamente 5% em caso de acionamento da bandeira amarela, 10% para a ocasião de ser acionada a bandeira vermelha patamar 1 e uma elevação próxima a 15% se for a bandeira vermelha patamar 2 acionada. Para discutir o assunto, a Aneel abriu consulta pública até o dia 04 de maio e espera-se que com as contribuições da sociedade os valores possam mudar.
Complexos e confusos, os cálculos que envolvem a conta de luz podem provocar um curto-circuito na campanha eleitoral de 2022, fazendo com que parlamentares, governadores e o chefe do executivo se apressem em virar a chave do quadro de forças que alimenta relações simbióticas, muitas vezes promíscuas, entre políticos e empresários do setor elétrico.
Que será que une as pontas desencapadas deste emaranhado de fios?...Dicant Paduani!
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