Professor de História na rede pública Estadual de Ensino do Ceará. Doutor em História pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa Patrimônio e Memória (GEPPM-UFC) e vice-líder e pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisa História, Gênero e América Latina (GEHGAL-UVA)
Mito de origem inventado a posteriori, a Semana de Arte Moderna em São Paulo teorizou a identidade nacional e praticou a renovação dos movimentos artísticos
Tudo parece começar sempre do zero neste país. Há cem anos anunciaram transformações identificadas como símbolos das mudanças de um período, definindo por tradicional ou velho aquilo que veio antes, como nos casos do Partido Comunista do Brasil e da Semana de Arte Moderna, ambos de 1922. Ainda que pareça estranho colocar numa mesma frase um partido político operário e um movimento elitista de vanguardas artísticas, ambos possuíam em comum a tendência de ressaltar sua absoluta originalidade, muito bem integrados às lógicas políticas em voga naquela época.
Mito de origem inventado a posteriori, a Semana de Arte Moderna em São Paulo teorizou a identidade nacional e praticou a renovação dos movimentos artísticos. O suporte material foi dado pela já decadente oligarquia cafeeira quatrocentona, em confronto direto com uma burguesia que de tão medíocre tinha apenas dinheiro.
Era uma programação de elite restrita aos contornos paulistas, embora as ideias consideradas específicas daqueles modernistas tenham ido muito além do círculo paulistano e estiveram presentes em diversas iniciativas artísticas e intelectuais nos mais diferentes recantos do país. Basta mencionar o caso da fundação do Jornal O POVO, “a casa dos modernistas” no Ceará, cujos intelectuais não apenas estavam antenados com os movimentos da Semana como também em contato com os modernistas de São Paulo.
No âmbito da política partidária, os debates do século passado pareciam caminhar para o pragmatismo com a eleição de Rodrigues Alves, uma vez mais, para a presidência da República. Porém, a gripe espanhola de 1918 ocasionou sua morte antes mesmo de assumir o mandato. O novo presidente, Epitácio Pessoa, começou o governo em 1919 desejoso de prosperidade e com grande otimismo no futuro.
Paraibano, o presidente tinha um grande programa de obras contra as secas no Nordeste, com a construção de açudes, que demandou investimentos ainda maiores em serviços e tecnologias importadas, por exemplo, gerando custos bastante elevados para o país.
A emergência das insurreições tenentistas consistia em uma das principais novidades do período, e a partir de 1922 os militares nunca mais estiveram longe da política. Mas havia também uma atmosfera de celebrações que causava o sentimento de compromisso entre passado e futuro, entre o velho e o novo. Por isso, o Rio de Janeiro canalizava parte significativa dos recursos públicos na preparação da cidade para a Exposição do Centenário da Independência do Brasil.
A realidade brasileira
Especialistas em economia tendem a avaliar a situação do país de cem anos atrás como bastante delicada, pois aquele era também um ano de inflação alta, descontrole fiscal e profunda crise do café (as importações caíram, o nível de atividades reduziu, a receita do governo despencou). Os desafios herdados pelo presidente Arthur Bernardes, que assumiu em fins de 1922, pareciam novos, mas eram habituais: estabelecer uma taxa cambial competitiva e estável no mercado, equilíbrio fiscal e reorganização bancária.
Entre 1922 e 1925 a economia passou por uma severa recessão. A média do aumento de preços foi da ordem de 17,2% com um pico de 30,1% em 1923. Avaliando o conjunto de políticas do setor adotadas nos anos 1920, a historiografia da economia observa o papel do governo como limitado ou inconsistente.
Outro desafio importante que se colocava ao Brasil do século passado era pensar a cultura num país de população majoritariamente analfabeta, vivendo distante dos centros de irradiação cultural, muito diversa em termos de expectativas e realidades culturais. Aliás, as condições de sobrevivência de intelectuais e artistas pouco ou nada se se alteraram na Primeira República, acentuando as dificuldades de construírem suas carreiras. Sorte é que havia algum emprego no magistério, nas profissões liberais ou no serviço público.
O descaso do Estado em relação à área educacional era tamanho que não existia um órgão ministerial que tratasse da educação e da cultura de forma autônoma. Cabia ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores gerir a área, sempre articulado aos interesses políticos partidários de ocasião. Uma imagem que ao redesenhar a face do país parece jamais atingida, nem nunca superada.
Estas são as questões de fundo, subjacentes a busca de um país moderno e modernizado que incluísse e integrasse elementos históricos, populares, eruditos, nacionais, desdobrando-se em movimentos estéticos e filosóficos que ensejaram mudança de rumos para a nação. Cem anos depois, o Brasil segue espremido entre o passado e o futuro.
Nada há de trivial ou esquemático na sentença proferida pelo escritor Menotti Del Picchia, em 1923: “Se o passado nos condena, o futuro é sempre promissor”.
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