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O comercial das Havaianas desnudou por completo a superficialidade dos políticos atuais
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É doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Pesquisa agendas internacionais voltadas para as mulheres de países periféricos, representatividade feminina na política e história das mulheres. É autora do livro de contos

Kalina Gondim política

O comercial das Havaianas desnudou por completo a superficialidade dos políticos atuais

Meu intuito aqui não é emitir uma opinião e me posicionar em um dos lados da trincheira, pois, o que me motivou a escrever, foram as respostas que políticos, tanto à direita como à esquerda, trouxeram a público após a contenda
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Em um vídeo publicado nas contas da Havaianas nas redes sociais, a atriz Fernanda Torres diz não querer que quem está assistindo comece 2026 com o pé direito, mas com os dois pés (Foto: Havaianas)
Foto: Havaianas Em um vídeo publicado nas contas da Havaianas nas redes sociais, a atriz Fernanda Torres diz não querer que quem está assistindo comece 2026 com o pé direito, mas com os dois pés

O fim de ano no Brasil está marcado por inúmeras polêmicas. A última está relacionada à peça publicitária da marca Havaianas, protagonizada por Fernanda Torres. No comercial, a atriz explicita seu desejo de final de ano, materializado na frase “Desculpa, mas eu não quero que você comece 2026 com o pé direito”.

Após a veiculação do comercial, uma nova contenda foi inaugurada. Isso porque políticos e ativistas de direita enxergaram, na fala de Fernanda Torres um viés político-partidário no qual a direita fora atacada.

Essa opinião dividiu analistas, alguns afirmaram que, de fato, a publicidade tinha o intuito de provocar os espectros partidários à direita, outros analisaram que, em outras conjunturas, a fala da atriz atravessaria as pessoas sem muito alarde. Para estes analistas, o cerne da questão situa-se no contexto inflamado que a intensa polarização carrega e não na fala em si.

Confesso que fiquei muito espantada com a repercussão do caso. Aliás, nas minhas últimas escolhas literárias, tive como parâmetro obras que discutissem a polarização política e traçassem minimamente um diagnóstico acerca das raízes que explicam a formação de subjetividades tão superficiais e obtusas.

Meu intuito aqui não é emitir uma opinião e me posicionar em um dos lados da trincheira, pois, o que me motivou a escrever, foram as respostas que políticos, tanto à direita como à esquerda, trouxeram a público após a contenda.

 

Primeiramente salta aos olhos o papel preponderante que as emoções ocupam nos “debates” (ou seriam meras contendas?) políticos, sobrepujando a razão. Na obra O Animal Social, o psicólogo Elliot Aronson demonstra como os apelos emocionais são mais eficazes que os apelos lógicos, notadamente quando se manipulam a raiva e o medo. Nesse raciocínio, temos o vídeo do vereador Inspetor Alberto no qual ele parece queimando os pares de Havaianas de seus familiares.

Quando analisamos por um olhar retrospectivo podemos enxergar como o ato de jogar fogo em objetos e, até em pessoas, está profundamente ancorado em momentos tenebrosos da história mundial. Podemos citar a queima de mulheres qualificadas como bruxas na Baixa Idade Média e a queima de livros na Alemanha Nazista. O vídeo é um verdadeiro circo de horrores que acabou jogando mais gasolina no fogo da polarização política.

Essa questão é ainda mais problemática quando ela vem à tona pelas mãos de uma figura pública que deveria zelar pela qualidade do debate político. Ao divulgar o vídeo, o Inspetor Alberto incitou o ódio, o medo e aquilo que o filósofo Byung-Chul Han chama de “negatividade do outro”, pois o vídeo fortalece a trincheira do “nós contra eles”. Usar Havaianas, a partir de agora, inscreve-se no “terror do outro”, expressão também de Byung-Chul Han.

A consequência é o fortalecimento da positividade do “igual”, da “câmara de eco” - conceito popularizado por Eli Pariser e de uma política ensimesmada e fechada para o debate de questões que não dizem respeito a nenhum espectro político. São questões inerentes à condição humana, aos fatores mínimos relacionados a uma existência digna.

Como explicitei no início do artigo, meu intuito é discutir a reação de alguns políticos à direita e à esquerda no chamado caso Havaianas.

Se a direita lançou mão da raiva explícita no vídeo do Inspetor Alberto, a esquerda lançou mão da tríade riso – deboche – escárnio. Apesar do riso supostamente trazer leveza à atmosfera política, esse ato também é uma forma de anestesia e perda da capacidade de mobilizar um debate qualificado, erguido em torno de consensos mínimos sobre os quais repousam direitos.

Alguém precisa barrar esses pseudo-debates que apenas desgastam e alimentam desacordos e ódios. O grande desafio, com vistas à disputa eleitoral de 2026, é recolocar a razão no centro do debate público, pautando-o por temas estruturantes como a erradicação da pobreza e a garantia de direitos fundamentais, como moradia, educação, saúde e cultura.

É inadmissível que políticos escondam suas fragilidades retóricas e propositivas na cortina de fumaça do ódio, do riso ou de qualquer subterfúgio que não vise o bem comum. A contenda das Havaianas desnudou a superficialidade e despreparo de muitos políticos.

 

Foto do Kalina Gondim

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