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Fala do vice-prefeito de São Paulo expõe necropolítica
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É doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Pesquisa agendas internacionais voltadas para as mulheres de países periféricos, representatividade feminina na política e história das mulheres. É autora do livro de contos

Kalina Gondim política

Fala do vice-prefeito de São Paulo expõe necropolítica

A fala do vice prefeito é uma demonstração de como o preconceito e a discriminação sofrida por mulheres cotidianamente acaba por naturalizar a hierarquização de vidas humanas
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Vice-prefeito de São Paulo, Coronel Mello Araujo (PL) (Foto: Paulo Guereta/Secom/PMSP)
Foto: Paulo Guereta/Secom/PMSP Vice-prefeito de São Paulo, Coronel Mello Araujo (PL)

No último domingo, 7, ocorreram manifestações em diferentes capitais brasileiras com o mote "Mulheres Vivas". Os protestos tinham o intuito de visibilizar e politizar a epidemia de feminicídios que assola nosso país. A mobilização nacional reuniu políticos, famosos e anônimos.

Em São Paulo, estima-se que 9,2 mil pessoas estiveram reunidas na Avenida Paulista para protestar. É cada vez mais recorrente a presença de mulheres nas ruas protestando contra ataques e retrocessos aos seus direitos.

Em 2018, as mulheres foram às ruas reunidas em unívoco pelo #EleNão. O movimento era uma declaração aberta de rechaça à candidatura do ex-presidente Jair Bolsonaro. Mais recentemente, em 2023, mulheres protestaram contra a violência política de gênero empunhando a insígnia “Elas ficam”, em alusão ao risco de cassação por suposta quebra de decoro de 06 deputadas federais.

A mobilização da sociedade civil contrasta, de forma veemente, com a letargia e omissão programada do Congresso Nacional em discutir e levar a votação pautas como o fim da jornada 6x1 que beneficiaria, principalmente, as mulheres, dado que é sobre os ombros femininos que pesam os trabalhos domésticos e de cuidado, o que acarreta duplas e até triplas jornadas.

No que concerne estritamente aos direitos das mulheres é flagrante os conchavos políticos arquitetados com o objetivo de viabilizar o voto de medidas que prejudicam as mulheres, a exemplo do chamado PL do estupro, que equipara o aborto realizado após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio.

É nessa mesma concepção que emergiu a proposta de reduzir a cota de gênero na política ocorrida ano passado.

Os ataques avançam por dois motivos. Primeiro, pela baixa representatividade das mulheres no parlamento, atualmente temos 18% de presença feminina na Câmara dos Deputados e 19% no Senado Federal.

Paralelamente, à pífia presença feminina, temos que lidar com barreiras culturais erguidas por deputadas e senadoras que embaraçam os avanços na agenda feminina.

Já se tornou um clichê afirmar que o congresso atual é o pior da história do Brasil. Essa afirmação torna-se mais vívida quando analisamos a política sob um recorte de gênero, dada à misoginia quase institucionalizada que paira sob o Congresso Nacional. Um fato ocorrido muito recentemente demonstra de forma cristalina o descaso aos direitos das mulheres, incluindo o direito à vida.

Em entrevista, o vice-prefeito de São Paulo, Coronel Mello Araujo (PL), ao ser questionado acerca do aumento do número de feminicídios respondeu afirmando que “a pauta de hoje é a anistia”.

A fala do vice prefeito é uma demonstração de como o preconceito e a discriminação sofrida por mulheres cotidianamente acaba por naturalizar a hierarquização de vidas humanas, segundo critérios de classe social, gênero e cor. A hierarquia aponta quais vidas podem ser descartadas.

Podemos analisar o descaso público com a morte de mulheres como expressão da necropolítica. O pronunciamento do Coronel Mello (PL) é prova inconteste do desvalor da vida humana e também revela que no jogo político as preocupações estão voltadas para a sobrevivência política de algumas lideranças partidárias e interesses eleitoreiros de grupos que querem se perpetuar no poder.

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