Do cafona ao hype: manualidades deixaram de ser "coisa de vó" e entraram na passarela
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jornalista, com pós-graduação em Propaganda e Marketing (Uni7) e em Moda e Comunicação (Universidade de Fortaleza). Já atuou como assessora de comunicação, repórter do Núcleo de Revistas do O POVO, jornalista na área de branding e design, e produtora de conteúdo no Penteadeira Amarela, um dos primeiros blogs de comportamento do Ceará. A ligação com a moda surgiu ainda na faculdade, quando teve contato com os bastidores da moda, passando a vê-la como forma de expressão individual, de manifestação cultural e de reflexão social. Atualmente, é editora-adjunta de projetos do O POVO.
Foto: Marcelo Soubhia/@agfotosite/Divulgação
Catarina Mina na SPFW N60
Relutei para batizar esse texto. Para mim, até a palavra cafona é cafona. É algo que não se encaixa, que não orna, que não pertence.
Por muito tempo, técnicas, manualidades, texturas e caimentos que hoje estão em vitrines, redes sociais e passarelas do mundo inteiro, como as vistas na 60ª edição da São Paulo Fashion Week (SPFW), recebiam rótulos como "coisa de feira", "casa de vó" e outros deploráveis e até preconceituosos adjetivos.
Foto: Ze Takahashi/@agfotosite/Divulgação
O crochê de David Lee na SPFW
Para Daniele Caldas, consultora de produtos educacionais do segmento de Moda do Senac Ceará, houve algumas "mudanças de chave", a começar pela conscientização das pessoas sobre a sustentabilidade e o consumo consciente.
"E o produto artesanal está extremamente alinhado com a produção manual, com as matérias-primas que são, muitas vezes, de origem natural, de baixo impacto ambiental, então é uma oportunidade de geração de renda, de sustentabilidade econômica para o artesão", explica a especialista.
Outro ponto que merece destaque, segundo a consultora, é a associação do design ao artesanato. O trabalho artesanal, individual ou coletivo, é uma reprodução de um saber ancestral, geracional, que, quando associado ao trabalho do designer, pode ter características como qualidade, sofisticação, sustentabilidade e exclusividade ainda mais potencializadas, proporcionando maior valorização também dos profissionais envolvidos.
Daniele ainda cita a ressignificação do luxo: "Não o que é caro, mas o que é raro. A gente pode encaixar, assim, o artesanato. A questão da peça ser única, de ser uma artesania, de ter uma ancestralidade ligada a ela, uma questão cultural".
Na SPFW, as marcas cearenses foram algumas que mostraram que é possível unir técnicas ancestrais com informação de moda e modelagens inovadoras. A Sau, de moda praia e resort, usou tramas e trançados tanto no elastano quanto na própria palha, unindo, criatividade, elegância e referências às origens.
E tudo começa muito antes de chegar à passarela. A coleção foi desenvolvida em colaboração com estudantes de Moda do Senac, com direito a oficinas de palha e macramê para aprenderem a criar texturas e peças.
Foto: Ze Takahashi/@agfotosite/Divulgação
Marca cearense Sau em desfile na SPFW
Já Marina Bitu segue com o seu dom de criar obras de arte para vestir. Um exemplo que já se tornou uma marca em suas peças é o plissado, que há tempos era visto em roupas "de vovó" e, com sua criatividade e modelagem, é transformado em vestidos, calças e blusas esculturais.
Nessa coleção, inspirada na pintora modernista Djanira da Motta e Silva, os paetês de plástico são substituídos por escamas de camurupim. As franjas de palha dão aquele toque nordestino às peças universais e os babados garantem leveza e fluidez. Marina também contou com o fazer manual de um grupo de artesãs no seu processo de criação.
David Lee é tão onipresente que teve participação dobrada na edição da semana de moda paulista. O cearense foi um dos seis estilistas convidados pela Sou de Algodão, projeto da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), para desenvolver um conjunto de looks com tecidos 100% rastreáveis.
Já em seu próprio desfile, David uniu artes marciais e manualidades nordestinas, resultando em peças com amarrações, franjas e crochê - às vezes tudo junto e misturado. O crochê, por sinal, é sempre bem trabalhado por David, que consegue fugir do convencional, conferindo ar urbano às suas roupas e acessórios a partir da técnica.
Mas a estrela desta coleção foi a forma como ele trabalhou com alfaiataria e renda richelieu e compôs os looks. As peças "gritam": "sou feita à mão!", mas ao mesmo tempo esbanjam ousadia e autenticidade - tal qual o estilo de David (que é Lee por causa da admiração do seu pai por Bruce Lee).
Outra cearense que a cada temporada mostra que não existem limites para o combo design e artesanato é a Catarina Mina. Hoje, as bolsas dividem o protagonismo da marca com o vestuário, que ao mesmo tempo que é atemporal, não esconde as origens - pelo contrário, faz questão de estampar, tramar, costurar, estampar e colorir o Nordeste.
Foto: Ze Takahashi e Andre Conti/Agfotosite/Divulgação
Marina Bitu traz paetês feitos com escamas de peixes e seu plissado clássico
O crochê, onde tudo começou, aparece ora como protagonista, ora nos detalhes das roupas. Linho e seda estão nas peças que vão da praia à rua, do dia à noite.
Além de peças bordadas pelas mulheres artesãs do projeto Vai Maria, do Instituto da Primeira Infância (Iprede), a marca apresenta sua nova parceria com a francesa Veja. O resultado é uma papete com aplicações manuais dos crochês produzidos pelas artesãs da Catarina Mina.
Mais valorização, mais evolução
Para o trabalho ancestral seguir em crescimento e oferecer um diferencial competitivo o mercado, é preciso:
Investir em políticas públicas voltadas para o artesão, vendo-o como empreendedor e gerador de renda familiar;
Qualificar constantemente a mão de obra, para desenvolvimento de produtos de maior qualidade;
Capacitar os empreendedores para funções como precificação e técnicas de vendas, marketing e uso de redes sociais.
Fonte: Daniele Caldas, consultora de produtos educacionais do segmento de Moda do Senac Ceará.
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