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As bandeiras de Israel fincadas pelo TCP no bairro da Palestina, em Canindé
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Jornalista formado pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Atua em redações desde 2014, quando participou do programa Novos Talentos, no O POVO. É repórter do caderno de Cidades, onde tem ênfase na cobertura de segurança pública. Escreve ainda para Esportes O POVO. Mestrando em Avaliação de Políticas Públicas, na UFC.

As bandeiras de Israel fincadas pelo TCP no bairro da Palestina, em Canindé

O bairro localizado em pleno Sertão do Ceará pode até parecer replicar de maneira macabra o bárbaro conflito do Oriente Médio, mas é preciso entender as nuances próprias ao conflito entre facções no Estado
Tipo Opinião
Muros do bairro da Palestina, em Canindé, receberam grafites contendo a bandeira do Estado de Israel feitos por integrantes da facção Terceiro Comando Puro (TCP) (Foto: Reprodução/Redes Sociais)
Foto: Reprodução/Redes Sociais Muros do bairro da Palestina, em Canindé, receberam grafites contendo a bandeira do Estado de Israel feitos por integrantes da facção Terceiro Comando Puro (TCP)

O despautério salta aos olhos: nos muros do bairro da Palestina — em Canindé, no interior do Ceará — integrantes da facção criminosa Terceiro Comando Puro (TCP) pintaram bandeiras do Estado de Israel, um dos símbolos utilizados pela facção carioca para demarcar presença.

É impossível não pensar estar diante de uma sátira macabra. A analogia com a questão palestina, evidentemente, é limitada.

Tratam-se de duas situações muito diferentes, mas, a partir do registro que circula nas redes sociais, também é possível refletir sobre como os símbolos se tornam instrumentos de dominação, assim como o quão perverso é o domínio de uma população sob uma perspectiva territorial.

Antes de tudo, vem à mente o escárnio que é a utilização de símbolos como a bandeira de Israel e a Estrela de Davi por integrantes de uma facção criminosa. 

Esse ideário pseudo-israelense ganhou corpo no TCP após a efetivação do chamado Complexo de Israel, que reúne as comunidades de Parada de Lucas, Vigário Geral, Cidade Alta, Cinco Bocas e Pica-Pau, no Rio de Janeiro (RJ).

O traficante Álvaro Malaquias Santa Rosa, o Peixão, é o “dono” do complexo, sendo, não à toa, um dos homens mais poderosos entre os vários todo-poderosos chefes de facção do Rio.

Álvaro se diz evangélico. Como O POVO já mostrou, ele já foi pastor, tendo chegado a deixar o crime, mas retornado após uma suposta visão revelar-lhe que sua missão na Terra seria expandir a fé cristã por meio do controle territorial imposto pela facção (SIC).

Dessa forma, Álvaro utiliza a bandeira de Israel, a exemplo de vários de seus correligionários, como um símbolo cristão. Não bastasse a afronta que é a usurpação a cidadãos israelenses e judeus em geral, Álvaro ainda a emprega como parte de uma perseguição sistemática a praticantes de religiões de matriz africana que vivem nos territórios sob seu domínio.

O sucesso de Peixão tornou-o um dos mais celebrados chefes do TCP, “institucionalizando”, portanto, a intolerância religiosa nas demais regiões em que a facção atua.

Tanto é que, mal a facção chegou ao Ceará — os “salves” afirmando que a Guardiões do Estado (GDE) havia se transformado em TCP começaram a circular em 16 de setembro —, já surgiram relatos de ameaças contra povos de terreiro na Região Metropolitana de Fortaleza.

Não que muitos dos faccionados que promovem essa perseguição não acreditem estar, de fato, fazendo o bem. Mas a intolerância contra a umbanda e o candomblé ganha contornos de “graça” populista diante de moradores que já têm predisposição a ver as religiões de matriz africana como algo negativo.

Basta observar muitos dos comentários feitos nas redes sociais após as notícias de fechamento e vandalismo em terreiros. Tais atitudes fazem parte do “projeto social” das facções, que incluem distribuição de brinquedos no Dia das Crianças e assistencialismos diversos que visam maquiar o sangue diariamente derramado por esses grupos.

Não há indícios de que a perseguição do TCP se estenda, no Ceará, a pessoas com ascendência palestina ou mesmo a muçulmanos ou simpatizantes da causa palestina. É possível, até, dizer que o domínio do TCP na Palestina de Canindé é meramente anedótico.

Como já dito, o TCP — que antes tinha atuação restrita, no Ceará, a regiões como o Vale do Jaguaribe e a Serra da Ibiapaba, presença iniciada apenas em 2024 — só se tornou uma potência no submundo faccional cearense após a debandada em massa de integrantes da GDE.

A Palestina canindeense tinha até setembro deste ano hegemonia da GDE, portanto, só depois, passou a ser TCP. Não há nenhum indicativo de interesse especial por parte da facção fluminense de atuar naquele bairro de Canindé.

Mas o assombro diante das cenas que acompanhamos nos últimos anos em Gaza não nos permite deixar passar batido uma cena como a registrada no Sertão do Ceará. Temos uma tragédia própria de luta por controle territorial em andamento e muitas das facetas desse sangrento embate ficam eclipsadas diante dos inúmeros cadáveres produzidos cotidianamente.

Pessoas já morreram por tirarem fotos fazendo o outrora símbolo da vitória — hoje ressignificado como menção ao “dois” alusivo ao Comando Vermelho. Também já houve mortes por conta de três cortes na sobrancelha, que podem ser interpretados como referência à GDE.

O símbolo taoísta do Yin-Yang foi sequestrado pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), assim como o gesto de “L” com as mãos ( o "L" de liberdade) e a bandeira branca — da paz, da neutralidade — passaram a ser associados à Massa Carcerária.

Ou seja, o simbolismo não é meramente simbólico no Ceará e atentar-se às transformações de significados nesse submundo criminal torna-se vital para compreender uma dinâmica que tanto mata quanto cerceia a liberdade do povo cearense.

Foto do Lucas Barbosa

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