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Adolescência em tempos de conexões digitais
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Marília Barreira atua como psicóloga e psicopedagoga clínica de crianças, adolescentes, adultos e idosos, assim como consultora em Psicologia. Professora do Curso de Psicologia na Universidade de Fortaleza (Unifor). Experiência na área de Psicologia, com ênfase em Educação, Psicologia Clínica, Psicologia Social e Identidade de Gênero e Diversidade Sexual

Marília Barreira comportamento

Adolescência em tempos de conexões digitais

É uma geração que cresceu diante das telas e aprendeu a performar para algoritmos
Imagem ilustrativa de apoio. Os reflexos de uma geração que cresceu rodeada por telas (Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo)
Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo Imagem ilustrativa de apoio. Os reflexos de uma geração que cresceu rodeada por telas

A adolescência sempre foi um território de passagem, um limiar entre a infância e a vida adulta. É um tempo de descobertas, de incertezas e de experimentação.

Mas, na contemporaneidade, essa travessia se tornou ainda mais complexa: ser adolescente hoje significa habitar um mundo hiperconectado, onde identidade, corpo e pertencimento são constantemente expostos, avaliados e comparados.

A vida, que antes se restringia à escola, ao bairro e aos encontros presenciais, agora se expande para as redes sociais, arenas públicas em que cada gesto pode ser transformado em espetáculo.

Ali, adolescentes não apenas se comunicam, mas também se constroem, sob o olhar de milhares de outros. É uma geração que cresceu diante das telas e aprendeu a performar para algoritmos.

Nesse contexto, a pergunta “Quem sou eu?” ganha uma nova camada: “Quem sou eu diante dos outros, e quantos me reconhecem?”. O excesso de estímulos cria um paradoxo. Nunca houve tanta possibilidade de informação, de expressão e de contato; ao mesmo tempo, nunca houve tanta solidão. Curtidas não substituem abraços. Seguidores não equivalem a vínculos. Conexão não é sinônimo de pertencimento.

Além disso, a adolescência contemporânea é atravessada por uma lógica de urgência: tudo precisa ser imediato, intenso, visível. Não há espaço para o silêncio, para a dúvida ou para o tempo lento da elaboração.

Muitos adolescentes vivem sob o peso de padrões inalcançáveis de beleza, produtividade e sucesso, que circulam incessantemente em imagens “perfeitas” nas redes. O resultado é uma sensação difusa de inadequação: não ser bonito o bastante, não ser inteligente o bastante, não ser suficiente.

É nesse cenário que o sofrimento psíquico se intensifica. Ansiedade, depressão e sentimentos de vazio se tornam cada vez mais frequentes, não como exceção, mas como parte de uma condição geracional.

A saúde mental dos jovens não pode ser lida como um problema individual: ela é um espelho das formas como nossa sociedade organiza suas expectativas, suas pressões e suas ausências.

Se quisermos compreender e acolher os adolescentes de hoje, precisamos ir além do discurso moralista que os reduz a “dramáticos” ou “superficiais”. O que se revela, na verdade, é a vulnerabilidade de um tempo histórico em que tudo se tornou mercadoria: até mesmo a imagem de si.

Frases como “crescer nunca foi simples” ganham novos contornos. Crescer hoje é enfrentar um bombardeio de olhares, notificações e exigências. É buscar uma identidade própria em meio a milhões de identidades projetadas. É lutar para ser sujeito em uma sociedade que insiste em transformá-los em produto.

A resposta não pode ser individual. É tarefa da família, da escola, das políticas públicas e das práticas em saúde criar redes de proteção que permitam que os adolescentes possam experimentar, errar, aprender e reinventar-se sem medo de exclusão ou ridicularização.

O futuro não pode ser pensado sem a juventude; e a juventude não pode ser compreendida sem um olhar atento ao presente. No fundo, a adolescência continua sendo o que sempre foi: uma travessia.

Mas, em nossa época, essa travessia acontece em uma estrada iluminada por telas, marcada por comparações incessantes e por uma solidão que se esconde atrás de sorrisos digitais.

É urgente devolver a esses jovens algo que as redes não oferecem: tempo, escuta e reconhecimento. Porque, no fim das contas, não é de seguidores que precisamos para existir. É de vínculos.

Foto do Marília Barreira

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