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Reflexo
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Marília Lovatel é escritora, cursou letras na Uece e é mestre em literatura pela UFC. É professora de pós-graduação em escrita literária e redatora publicitária. Tem livros publicados por diversas editoras, entre elas, Scipione, Moderna, EDR, Armazém da Cultura e Aliás. Vários dos seus 12 títulos são adotados em escolas de todo o país, tendo integrado 2 vezes o Catálogo de Bolonha, 2 vezes o PNLD Literário e sido finalista do Prêmio Jabuti 2017.

Reflexo

A necessidade premente de estar atenta à essência, ao pensamento e às percepções sensoriais finais
Quadro Rachel de Queiroz (Foto: Arquivo pessoal/Marília Lovatel)
Foto: Arquivo pessoal/Marília Lovatel Quadro Rachel de Queiroz

Na quarta, tive a sensação de que deveria redobrar a vigilância interna. Explico: verifiquei a necessidade premente de estar atenta à essência, ao pensamento, às percepções sensoriais finas, para preservar o que não pode ser perdido e nos define como seres humanos.

Refiro-me ao permanente, ao constante, mesmo com o passar dos anos, àquilo que resiste às metamorfoses de nós todos.

Essa atenção que eu me exigi decorreu da observação de mim em relação ao mundo, nas menores circunstâncias, pequenas ações, ao longo de 24h. Por exemplo, quando concluí precipitadamente ser um aborrecimento o assunto do áudio recebido logo cedo.

Tratava-se de uma delicada gentileza; quando, depois, fiz a predição de uma notícia ruim e, em seguida, vieram duas boas; quando mais tarde calculei de modo equivocado os gestos e as intenções de outrem.

Notei algo errado comigo naquele dia útil, cuja utilidade maior foi o freio que me dei, ao parar diante do quadro, junto à estante de livros, e ver a carta de Rachel de Queiroz assistindo da parede ao desconcerto.

Era o meu rosto refletido no vidro sobre as palavras dela, escritas em novembro de 1992, após a leitura de minhas primeiras histórias.

A carta termina assim: “Vale a pena lê-las: a mensagem de otimismo e a coragem que nos trazem são como uma lufada de esperança, amenizando estes duros tempos que são os nossos.”

A quarta-feira anulou todo o otimismo, após a votação eleger a prepotência, a misoginia, a lógica xenofóbica; o resultado das urnas exilou minha coragem.

Precisei resgatar bons sentimentos, reaver a crença na leveza, abrir a janela interior e liberar a lufada de esperança nesse início de novembro de 2024.

Restaurar a fé na humanidade ameniza os duros tempos que são os nossos.

Foto do Marília Lovatel

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