Affonso Romano de Sant’Anna: na escrita, no amor e na eternidade
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Marília Lovatel cursou Letras na Universidade Estadual do Ceará e é mestre em Literatura pela Universidade Federal do Ceará. É escritora, redatora publicitária e professora. É cronista em O Povo Mais (OP+), mantendo uma coluna publicada aos domingos. Membro da Academia Fortalezense de Letras, integrou duas vezes o Catálogo de Bolonha e o PNLD Literário. Foi finalista do Prêmio Jabuti 2017 e do Prêmio da Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil – AEILIJ 2024. Venceu a 20ª Edição do Prêmio Nacional Barco a Vapor de Literatura Infantil e Juvenil - 2024.
Affonso Romano de Sant’Anna: na escrita, no amor e na eternidade
Em sua jornada, Affonso Romano de Sant’Anna tornou indissociáveis Literatura e Educação, ocupou também as redações de jornais e da TV, com o vigor de quem abraça missão sem ter minuto a desperdiçar
Foto: TATIANA FORTES em 16/4/2017
Affonso Romano e Mariana Colasani quando participaram da XII Bienal Internacional do Livro do Ceará em 2017
Em meio à indignação com os paredões aparentemente liberados no litoral cearense para importunar o meu Carnaval e o de tantas outras pessoas, enquanto eu buscava abstrair, fingir não escutar o desrespeito criminoso invadindo o alpendre, a sala, os quartos, os banheiros, a cozinha, soube da morte de Affonso Romano de Sant’Anna.
E ganhou novo sentido a resistência que me impus pelo direito de estar na casa de veraneio com a família, de não me retirar, expulsa pelos estrondos emitidos de várias direções e competindo entre si para provar a maior potência de volume. De repente, deixei de ouvir as agressões sonoras, porque a partida do grande escritor me inseriu em uma cúpula de silêncio pesaroso.
Dediquei a primeira crônica de fevereiro em no O POVO+ a Marina Colasanti, sua companheira por mais de cinco décadas, uma vida inteira, a minha, por exemplo — nasci em 1971, quando eles se casaram —, e agora homenageio, no início de março, quem reagiu à opressão dos anos de chumbo com poesia para o povo, elegendo como a sua causa visceral essa democratização.
Affonso presidiu o Conselho do Centro Regional para o Fomento do Livro na América Latina e no Caribe, bem como a Fundação Biblioteca Nacional, sendo um dos responsáveis pela modernização da Instituição.
Criou o Programa de Promoção da Leitura (Proler), e foi cronista e ensaísta ombreado com ícones do nosso país. A produção — tão impactante quanto um nome com duplo “f”, duplo “n” e direito a um apóstrofo — transitou das páginas para as salas de aula de reconhecidas universidades nacionais e internacionais.
Em sua jornada, Affonso Romano de Sant’Anna tornou indissociáveis Literatura e Educação, ocupou também as redações de jornais e da TV, com o vigor de quem abraça missão sem ter minuto a desperdiçar. E não tinha. Os últimos quatro anos passou acamado por causa do Alzheimer. Ouvi da própria Marina, na visita dela a Fortaleza em 2018, relatos sobre os desafios que vivem os parentes de alguém nessa condição, sobre a necessidade de, com frequência, ajustar a agenda.
Quando perdemos a nossa ideia mais azul e os olhos verdes de Marina fecharam, vítima do Parkinson, Affonso, isolado pelo apagamento da memória imposto por sua doença, provavelmente não soube. Contudo, o seu falecimento, logo depois do dela, sinaliza que ele deve ter sentido muita falta da presença amada.
Uma longa união não atesta por si só o amor entre duas pessoas. No entanto, personalidades marcantes, seres singulares e capazes de uma admirável expressão artística e política não se acompanham por tanto tempo sem uma forte razão. E talvez os dois tenham protagonizado fora das páginas e das telas uma das histórias de amor mais intensas vividas por dois escritores. Um, inspiração para o outro. Separados foram imensos; juntos, ainda maiores. Affonso e Marina são eternos. Que ela o receba e o acolha naquele lugar de sonho onde os sofrimentos cessem, onde a música vibre no coral das vozes angelicais e onde não haja paredões nem mesmo de nuvens.
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