Marília Lovatel cursou Letras na Universidade Estadual do Ceará e é mestre em Literatura pela Universidade Federal do Ceará. É escritora, redatora publicitária e professora. É cronista em O Povo Mais (OP+), mantendo uma coluna publicada aos domingos. Membro da Academia Fortalezense de Letras, integrou duas vezes o Catálogo de Bolonha e o PNLD Literário. Foi finalista do Prêmio Jabuti 2017 e do Prêmio da Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil – AEILIJ 2024. Venceu a 20ª Edição do Prêmio Nacional Barco a Vapor de Literatura Infantil e Juvenil - 2024.
Não posso me calar diante do ataque que a crônica sofreu nos últimos dias. Não uma em particular
Foto: JÚLIO CAESAR
Imagem ilustrativa de apoio. Escrita criativa
Da janela da casa de minha irmã, em Petrópolis, vejo montanhas, roliços paredões de pedra, que, no lado de fora e a poucos passos do lado de dentro, repousam seus corpos de megafauna pré-histórica entre as árvores de uma Mata Atlântica ainda preservada.
Olhá-las rouba o fôlego, semelhante ao que ocorre quando lemos um período longo — como o que iniciou este parágrafo.
Se a natureza acolhe a residência, uma estrutura com igual proporção de alvenaria, madeira e vidro, em que me hospedo, eu abraço quem me lê, nesse compromisso pelo qual espero toda a semana.
Os bichos, os domésticos e os não, se achegam, uns mais e outros menos à vontade, transitam pelo lugar, circulam entre as pessoas. Assim me sinto ao redigir. Às vezes sou um cão, um gato, acostumado ao convívio e ao afago.
Outras, animal selvagem, de passos cautelosos e de interação prudente. Passarinho solto, que pousa num galho próximo. Felino arisco, de olhos atentos, observando do meio da vegetação o que se move ao redor.
Seja qual for o tema, saio do íntimo do meu espírito para ir ao encontro de alguém, desconhecido ou não, de rosto amigo ou ignoto, que, pelo computador, celular ou no papel impresso, se dispõe a me receber.
Pode ser que eu fale de mim como se dele falasse ou o que me diz respeito nada lhe diga. Não importa, sou feliz porque a escrita me leva para além de onde estou. Por isso, não posso me calar diante do ataque que a crônica sofreu nos últimos dias. Não uma em particular.
O gênero recebeu atestado de óbito, foi declarado morto — pasmem — por um jornal. Talvez o objetivo tenha sido o de gerar indignação e repercussão, pois muitos saíram em defesa da vítima, considerando-a vivíssima, mais atual do que nunca, afinal, de atualidade se alimenta.
Aqui reproduzo o que ela significa para mim. Da arte de empinar pipas, nasceu a crônica, texto leve, curto, capaz de voos altos e de rasantes que trazem o leitor pertinho do chão. A crônica não sossega depois que desce, sobe, risca o vento, dá piruetas no ar. Leve, sim, nunca frágil: tem a resistência da seda do papel que a sustenta, com a sua coreografia onde há espaço aberto.
Verdade, é curta, mas leva rabiolas compridas, se for o caso. Essas pequenas prosas voadoras também podem ser poemas ou o que mais elas quiserem, assumindo outras maneiras de conversar com quem as lê.
Ficam presas por um fio à realidade, uma linha firme, para que não se parta, e longa, para garantir uma bonita elevação. Quando uma crônica atinge o seu ápice, ela nos ergue a cabeça pelo queixo. Lemos as cores, as formas, os movimentos, tendo os pés na terra e o céu como página.
Esse é mais que um modo de escrever, é uma expressão literária libérrima, inquieta e sempre nova. É casa de alvenaria, madeira e vidro, a combinar com equilíbrio as matérias com que nos comunicamos, mimetizando, versátil e harmônica, uma integração singular aos outros gêneros.
É o instrumento por meio do qual chego até você. E de que outro jeito eu conseguiria mostrar os mastodontes à janela?
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