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Eu decido: a vida é um dever ou um direito?
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Neila Fontenele é editora-chefe e colunista do caderno Ciência & Saúde do O POVO. A jornalista também comanda um programa na rádio O POVO CBN, que vai ao ar durante os sábados e também leva o nome do caderno

Neila Fontenele ciência e saúde

Eu decido: a vida é um dever ou um direito?

A legislação brasileira diferencia o cuidado paliativo da morte assistida (eutanásia e suicídio assistido)
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DR. Drauzio Varella apresenta apoio ao movimento Eu Decido  (Foto: TIAGO QUEIROZ/AE)
Foto: TIAGO QUEIROZ/AE DR. Drauzio Varella apresenta apoio ao movimento Eu Decido

Depois da morte do poeta Antônio Cícero, que decidiu terminar seus dias em uma clínica na Suíça, após o diagnóstico de Alzheimer, uma grande questão ganhou força: podemos escolher a nossa morte? E no caso de uma doença progressiva incurável, com a geração de muita dor, o que seria ético fazer?

No Brasil, o suicídio assistido é um grande tabu. Pela visão médica, a defesa da vida está acima de qualquer circunstância. Pelo olhar das religiões cristãs, o suicídio é tido como um grande pecado. Mas até onde podemos prolongar a vida?

Uma entrevista do médico Drauzio Varella à Folha de S.Paulo, nesta semana, chamou a atenção: aos 82 anos, e reconhecido por posicionamentos equilibrados, ele passou a apoiar o movimento "Eu Decido", uma associação que acredita na liberdade de cada indivíduo para decidir sobre a própria vida, inclusive na autonomia sobre como ela deve terminar.

O objetivo da entidade é avançar no debate sobre o direito à morte assistida, com responsabilidade, empatia e coragem, e por uma legislação clara sobre o assunto. O Brasil está atrasado nessa discussão.

O mapa global do direito de morrer

Pelos dados da entidade, que fez um mapa de como os países estão tratando o tema, apenas em outubro deste ano, 16 países permitiam a morte assistida, em diferentes condições: Alemanha, Austrália (sete províncias), Áustria, Bélgica, Canadá, Colômbia, Espanha, Equador, Estados Unidos (treze estados), Holanda, Itália, Luxemburgo, Nova Zelândia, Portugal, Suíça e Uruguai.

Enquanto isso, em seis países há um processo de legalização da morte assistida: Cuba, Escócia, França, Inglaterra, País de Gales e Peru. Particularmente, concordo com os argumentos da associação, que coloca a vida como um direito e não um dever, mas é necessário seguir alguns preceitos.

Quem tem competência para decidir?

O principal preceito seria: a pessoa está realmente em condição de decidir? Ou seja, é preciso uma avaliação cuidadosa e uma regulação, através da qual fossem estabelecidas em quais circunstâncias a pessoa teria a competência necessária para tomar tal decisão.

Sempre que penso nesse assunto, lembro do livro "A Insustentável Leveza do Ser", de Milan Kundera, onde uma das personagens, sentindo-se infeliz, tem um sonho surrealista, uma espécie de devaneio, onde lhe é oferecida a opção de morrer.

Nesse momento, a personagem chega a ir para uma montanha onde pessoas praticam uma espécie de eutanásia; porém, no último minuto, ela escolhe não morrer. A cena ilustra as contradições nos momentos de sofrimento em relação ao desejo de morte: por mais doente que a pessoa esteja, sempre há também uma esperança de superação. A questão é o sofrimento que isso também provoca e até onde suportar.

Onde cuidados paliativos e morte assistida se separam

O movimento "Eu Decido" deixa claro que não encoraja o suicídio e que apoia os cuidados paliativos; a questão é a garantia de direitos para uma morte minimamente digna. No momento, a legislação brasileira diferencia o cuidado paliativo da morte assistida (eutanásia e suicídio assistido). Houve um avanço em relação aos cuidados paliativos, entendidos como um direito e uma prática ética na medicina, com a assistência integral prestada a pacientes com doenças graves e incuráveis. Nesses casos, o foco é o alívio dos sofrimentos físico, psicológico, social e espiritual.

É permitida a ortotanásia, ou seja, a morte natural em casos de doença incurável, sem a adoção de medidas desproporcionais ou invasivas para prolongar artificialmente a vida (a chamada distanásia). Isso representa, portanto, um respeito ao ciclo natural da vida; no entanto, a eutanásia e o suicídio assistido são considerados crimes.

Concordo com o saudoso psicanalista Contardo Calligaris, que defendia que a vida deveria ser aproveitada com as suas dores e prazeres, tangos e tragédias. Entendo, que o real da vida se impõe, mas bem que poderíamos ser consultados sobre isso, dependendo das circunstâncias.

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