Logo O POVO+
Uma COP30 com cobertura difusa
Comentar
Foto de Ombudsman
clique para exibir bio do colunista

É o(a) profissional cuja função é exclusivamente ouvir o leitor, ouvinte, internauta e o seguidor do Grupo de Comunicação O POVO, nas suas críticas, sugestões e comentários. Atualmente está no cargo o jornalista João Marcelo Sena, especialista em Política Internacional. Foi repórter de Esportes, de Cidades e editor de Capa do O POVO e de Política

Ombudsman ombudsman

Uma COP30 com cobertura difusa

Estaria de bom tamanho se a cobertura da imprensa brasileira navegasse no díptico negociações/problemas de organização. Mas há ainda um exotismo depreciativo que revela um desconhecimento de Brasil que não é tão diferente do de um alemão que nunca esteve na Amazônia
Tipo Opinião
Comentar
Caso da avenida Liberdade é usado por perfis dedicados a descredibilizar a COP30, minimizar a necessidade de ação contra o aquecimento global e negar a crise climática (Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil)
Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil Caso da avenida Liberdade é usado por perfis dedicados a descredibilizar a COP30, minimizar a necessidade de ação contra o aquecimento global e negar a crise climática

A semana de reta final da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30) realizada em Belém começou com um quiproquó diplomático daqueles. De volta a Berlim após participar do evento, o chanceler alemão Friedrich Merz afirmou que os membros de sua comitiva e jornalistas que o acompanhavam ficaram contentes em voltar para a casa, “especialmente daquele lugar onde estávamos”, disse se referindo à capital paraense.

A fala do primeiro-ministro obviamente causou mal-estar no governo brasileiro e foi rebatida pelo presidente Lula. “Berlim não oferece 10% da qualidade do Pará e de Belém”, retrucou o presidente brasileiro, emendando que Merz “deveria ter ido em um boteco no Pará, deveria ter dançado no Pará”.

A imprudência diplomática de Merz também foi assunto de editorial do O POVO publicado na última terça-feira, 18, que definiu a postura do premiê como “eivada de preconceito”. O caso foi visto com mais cautela por alguns dos principais jornais do País. "Folha de S.Paulo" e "O Globo", por exemplo, deram mais ênfase aos problemas de organização da Conferência organizada pelo Brasil.

Antecipadamente pedindo desculpas pelo trocadilho, o incêndio registrado na última quinta-feira, 20, em um pavilhão da Blue Zone (área de negociações oficiais nacionais) aumentou a temperatura dos debates sobre os problemas de organização da COP30. As reações a todos esses episódios foram indicativos dos humores acirrados no evento e deram o tom da cobertura jornalística como um todo.

Três eixos de abordagem

Desde que foi anunciada como sede da COP30, Belém entrou na mira das desconfianças globais e da imprensa do eixo Rio-São Paulo-Brasília quanto à capacidade da capital paraense em receber um evento desse porte. Os questionamentos em relação aos preços das hospedagens tomaram boa parte das atenções nos meses que antecederam a Conferência.

Iniciado o evento, os olhares em geral se tornaram difusos. A cobertura da imprensa brasileira na COP30 seguiu por três eixos. O primeiro focou em mostrar as repercussões das intercorrências no evento, sobretudo as políticas. De um lado, governistas se dividiam nas respostas públicas ao chanceler alemão, nos cuidados para que declarações fora do tom não melassem as negociações e na defesa de Belém como sede da COP30.

Por outro, durante alguns dias, a polêmica envolvendo as declarações de Friedrich Merz ofuscaram as críticas da própria ONU, que solicitou medidas urgentes de segurança após a invasão de manifestantes à mesma Blue Zone e registrou falhas na infraestrutura e falta de água e banheiros do evento. O incêndio na quinta-feira voltou o foco para os problemas de organização.

Um segundo eixo de cobertura foi aquele mais ligado ao propósito da COP30 e que, em tese, deveria ter recebido mais atenção: os bastidores das negociações pelo acordo em torno de um texto que demonstrasse algum avanço em relação à diminuição das emissões por combustíveis fósseis. A sequência de impasses e a indefinição quanto a um concerto entre os países foram empecilhos para um maior protagonismo desse aspecto.

O preço da coxinha e o exotismo depreciativo

Estaria de bom tamanho se a cobertura na COP30 navegasse no díptico negociações/problemas de organização ou variasse entre as escorregadas diplomáticas dos líderes globais. Há uma tentação no jornalismo de grandes eventos na busca por publicar tudo que acontece a todo momento.

Aos preços da coxinha e do espetinho em Belém é conferida relevância similar a quantos graus Celsius o planeta vai ficar mais quente nos próximos 50 anos. Até a chuva numa cidade onde sabidamente chove todos os dias e posicionada numa floresta tropical foi assunto visto como problema.

Antes fosse só isso. Há ainda um exotismo depreciativo em parte da imprensa brasileira que revela um desconhecimento de Brasil que não é tão diferente do de um alemão que nunca esteve na Amazônia. Como no caso da nota publicada em coluna no Portal Metropoles, destacando uma ação de “atores vestidos de animais rastejando pela Green Zone” e o “desfile de pessoas fantasiadas” que chamou a atenção dos frequentadores do evento.

A jornalista e escritora Fabiana Moraes, em coluna publicada no portal Intercept Brasil, explicou do que se tratava no texto “Quando o jornalismo rasteja: Metrópoles ridiculariza grupo paraense em plena COP30".

A apresentação era do “Cordão da Bicharada”, grupo artístico tradicional do Carnaval paraense criado em 1974 na cidade de Cametá (PA). A publicação inicial sem o devido contexto explicando do que se tratava serviu de munição para o compartilhamento de desinformação por parlamentares da extrema-direita com o intuito de atacar o governo.

“... o portal não apenas errou factual e culturalmente (não são atores, tampouco ‘rastejam’) como expôs um vício cada vez mais comum na imprensa que se diz profissional: um jornalismo autocentrado, incapaz de olhar para fora do próprio umbigo e que transforma tudo o que não entende em exotismo, estranheza ou, nesse caso específico, constrangimento”, afirmou Fabiana, que seguiu.

“A forma como o Metrópoles tratou os artistas e moradores de Cametá reforça um padrão antigo: Norte e Nordeste são sempre comentados – quase nunca ouvidos. A Amazônia segue sendo cenário: floresta de fundo, personagens folclóricos, exotismo pronto para ser embalado e consumido pelos algoritmos da ‘metrópole’. Quando a cultura amazônica surge fora da caricatura esperada, com agência própria, o jornalismo autocentrado não sabe lidar. Então, ri”, complementa.

Ao não saber lidar com os vários brasis de códigos e costumes diferentes dos praticados nos principais centros econômicos desse mesmo Brasil, a imprensa esbarra em limitações e preconceitos, agindo como alienígena recém-chegada a um lugar que deveria conhecer melhor. Mas que via de regra não se esforça muito para fazê-lo.

O POVO na COP30

A cobertura do O POVO na COP30 dispôs desde o dia 6/11 de uma página especial no jornal impresso dedicada ao evento. Os conteúdos são majoritariamente produzidos pela jornalista Carol Kossling, enviada a Belém, que também tem feito participações no programa O POVO News com as informações mais factuais.

Antes da Conferência, foram publicadas boas reportagens na plataforma O POVO+, mas que não tiveram continuidade após o início da COP30, pelo menos até a noite da última sexta-feira, 21. Uma delas ("Petróleo na Foz do Amazonas: contrariando a ciência e os povos") ficou dois degraus abaixo do equilíbrio, devendo ter sido configurada mais como "Análise" ou "Opinião", e não como "Notícia". Nos meios digitais, prevaleceram os conteúdos produzidos por agências de notícias, com destaque à cobertura feita pela BBC Brasil.

Foto do Ombudsman

Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?