Logo O POVO+
Nem dormindo as mulheres estão seguras
Foto de Sara Oliveira
clique para exibir bio do colunista

Sara Oliveira é repórter especial de Cidades do O POVO há 10 anos, com mais de 15 anos de experiência na editoria de Cotidiano/Cidades nos cargos de repórter e editora. Pós-graduada em assessoria de comunicação, estudante de Pedagogia e interessadíssima em temas relacionados a políticas públicas. Uma mulher de 40 anos que teve a experiência de viver em Londres por dois anos, se tornou mãe do Léo (8) e do Cadu (5), e segue apaixonada por praia e pelas descobertas da vida materna e feminina em meio à tanta desigualdade

Sara Oliveira comportamento

Nem dormindo as mulheres estão seguras

O Ceará registrou 1.283 crimes sexuais até agosto de 2025, sendo mais de 40% cometidos durante a noite ou madrugada. Ato libidinoso contra uma mulher que está dormindo é considerado estupro de vulnerável

"Homem é preso por estupro de vulnerável em Cascavel". Esse era o título de uma matéria que editei na semana passada. No abre da notícia, aquele resumo de duas linhas antes do texto, dizia que o indivíduo, de 36 anos, era vizinho e pai do filho da vítima, de 21 anos.

De acordo com a Polícia Civil do Ceará, ele entrou na casa da mulher e praticou o estupro enquanto ela dormia. O POVO apurou ainda que a vítima acordou despida e percebeu que estava sendo estuprada. Ela então gritou pedindo socorro. Uma familiar a ajudou e o homem foi preso.

Minutos depois que a matéria foi publicada, uma advogada entrou em contato e questionou: "não é estupro de vulnerável se a vítima tem 21 anos". A configuração criminal, conforme ela, seria apenas quando o crime fosse cometido contra uma pessoa até 14 anos.

Leia Mais | Uma mulher gargalhando incomoda muito mais

Não é, e todas as pessoas deveriam saber disso, já que a cena de mulheres dormindo e homens abusando sexualmente delas são mais comum do que se imagina.

Neste mês, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou que a prática de ato libidinoso com pessoa adormecida caracteriza estupro de vulnerável. A decisão é referente a um caso que ocorreu em São Paulo (SP), em que o acusado tocou a genitália da vítima enquanto os dois dormiam na mesma cama.

Segundo os autos, a vítima chegou a acordar e, sem entender o que havia acontecido, dormiu novamente. O estupro então se repetiu. O réu foi condenado em primeira instância por estupro de vulnerável, mas o Tribunal de Justiça de SP desclassificou o crime para importunação sexual, que tem pena menor. Considerou que não houve violência ou grave ameaça.

No STJ, porém, a decisão que restabeleceu a sentença de estupro de vulnerável se baseou no fato de que o estuprador cometeu o crime com o objetivo de satisfazer a própria "lascívia" (entre muitos significados, é a satisfação dos desejos sexuais) contra pessoa que não poderia oferecer resistência.

Leia Mais | Você se sente segura ao andar de moto ou carro por app em Fortaleza?

Ponderou ainda que a palavra da vítima tem especial relevância em crimes sexuais. "Assim, a materialidade do crime de estupro de vulnerável não se esvazia pela ausência de vestígios de prática sexual atestada em exame pericial, até porque a prática de atos libidinosos, comumente, não deixa vestígios materiais", concluiu o ministro do STJ.

O Ceará registrou 1.283 crimes sexuais até agosto de 2025, sendo mais de 40% cometidos durante a noite ou madrugada.

Lembrei dos relatos de algumas amigas que precisam deixar claro ao companheiro que, "quando ele beber, vai dormir na sala". Entre muitas quatro paredes, a ideia machista de que a mulher tem a obrigação de satisfazer o desejo sexual do homem é realidade e se mistura ao poder que a vulnerabilidade do sono traz. Nem dormindo a mulher está em paz e segura. n

 

Foto do Sara Oliveira

A mulher na sociedade, no mercado de trabalho, na política e nas lutas feministas. Isso e muito mais. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?