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Uma mulher gargalhando incomoda muito mais
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Sara Oliveira é repórter especial de Cidades do O POVO há 10 anos, com mais de 15 anos de experiência na editoria de Cotidiano/Cidades nos cargos de repórter e editora. Pós-graduada em assessoria de comunicação, estudante de Pedagogia e interessadíssima em temas relacionados a políticas públicas. Uma mulher de 40 anos que teve a experiência de viver em Londres por dois anos, se tornou mãe do Léo (8) e do Cadu (5), e segue apaixonada por praia e pelas descobertas da vida materna e feminina em meio à tanta desigualdade

Sara Oliveira comportamento

Uma mulher gargalhando incomoda muito mais

Quantas meninas são ensinadas a prender o riso, o choro, as vontades...e assim se perpetua a ideia machista de que a mulher precisa se conter, seja porque é risonha demais, bonita demais, boa demais
Decatur, Alabama, USA (Foto: Reprodução Unplash)
Foto: Reprodução Unplash Decatur, Alabama, USA

A gargalhada de uma mulher incomoda. Uma mulher gargalhando incomoda muito mais! Esses dias recebi um vídeo de uma amiga no Instagram em que a atriz, palhaça e pesquisadora Karla Concá falava que “uma mulher que gargalha, libera a garganta de muitas outras”.

Há tempos quero falar sobre rir alto e o quanto isso pesa na sociedade em que vivemos quando se é uma mulher. A primeira lembrança que tenho do incômodo que minha gargalhada causou foi na adolescência, quando a risada de um grupo de meninas num quarto de casa de praia incomodou o patriarca da família.

“Parem com essa ‘rinchadagem’”, ele falou. Lembro muito da expressão, que deveria querer se referir à relinchar, que significa gritar de modo semelhante aos cavalos. Lembro também que, na época, nem eu e nem ninguém que ouviu tamanho absurdo dimensionou o quanto era agressivo e violento.

 

De lá pra cá, foram muitos “shiiii”, apertos na perna embaixo da mesa, olhares e comentários julgadores. Muitos. Quantas vezes fingi rir de outra forma para não parecer inconveniente na roda de amigos, de pais da escola, de chefes do trabalho. Até achei que era necessário alertar ao crush: “eu rio alto, viu?”.

Me senti prestando contas desnecessárias, mas também senti a liberdade em deixar claro que ninguém tira minha gargalhada. E aí entendi melhor a palhaça.

Rir por si só já é grande feito nessa vida. Nos tempos atuais, de correria, rede social, WhatsApp 24 horas, mais e mais demandas, rir é um ato de resistência. É político! Karla lembra que as gargalhadas são historicamente relacionadas a bruxas e mulheres de cabaré. Ela faz uma comparação em como a sociedade julga, de formas diferentes, uma mulher e um homem em uma mesa de bar, rindo alto e contando uma piada.

Como julgaríamos? Enquanto o homem seria o cara simpático e bem humorado, quantos pensaríamos que a mulher “está se oferecendo”, “está feliz demais”, ou que “depois vai reclamar de darem em cima”. Quantas de nós!

Quantas meninas são ensinadas a prender o riso, o choro, as vontades… e assim se perpetua a ideia machista de que a mulher precisa se conter, seja porque é risonha demais, bonita demais, boa demais.
Eu continuarei gargalhando alto e os incomodados que se retirem! Ou que gargalhem comigo.

Quantas vezes precisei gritar para ser ouvida em uma coletiva

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