Um pouco inseguro porque o cavalete vez por outra falseia, procuro um livro numa estante. Na terceira prateleira, a preciosidade: “O Canto dos Meus Amores”, do falecido jornalista Armando Nogueira (1926–2010). Abro o livro e novamente me encanto com o prefácio.

Nele, Carlos Heitor Cony (1926–2018) escreve sobre a Santíssima Trindade que tomou conta da nossa literatura esportiva durante o tempo em que éramos os reis do futebol: Mário Filho era o pai; Nelson Rodrigues, o filho; e Armando Nogueira seria o próprio Espírito Santo.

Cem crônicas. A primeira delas é sobre a bola. O escritor argentino Jorge Luis Borges (1899–1966) dizia que a esfera é a forma mais perfeita do universo. Opa! Página 63: “Os Irmãos de Pelé”. Armando Nogueira transformou em crônica uma história que lhe tinha sido contada por Jô Soares num jantar de amigos.
Tem gente que não acredita, mas ela está no livro e trata da época em que o Santos viajava com seus negros e mulatos bailarinos escrevendo com seus pés nas gramas de todo o mundo as mais belas jogadas. O time argentino do San Lorenzo D’ Almagro se apaixonou pelo Santos.

Por conta dessa adoração mundial, eles passaram a chamar sua equipe de "Os irmãos de Pelé". O uniforme todo branco vestia dentro de campo o esforço dos jogadores em apresentar um futebol que convencesse. O clube distribuía por toda a cidade as camisas “Irmãos de Pelé”.

A admiração virou obsessão. O rádio tocava um jingle exaltando o honroso parentesco. A torcida cantava durante o jogo... "Ya los ve / son los hermanos de Pelé". O San Lorenzo convidou o Santos para um amistoso em Buenos Aires. Seria um jogo entre irmãos.

Claro que não deve ter sido fácil conseguir uma data vaga no calendário de uma equipe que vivia se apresentando em todos os cantos do mundo, mas marcaram o jogo. O Estádio do San Lorenzo lotou. As equipes entraram juntas, lado a lado, e os argentinos ficaram orgulhosos.

Afinal, os irmãos de Pelé estavam ali, ombro a ombro. O resultado final foi ruim. O Santos se esqueceu que era um encontro fraternal e sapecou 7 a 1 no San Lorenzo. No dia seguinte, um jornal de Buenos Aires noticiava a goleada com o seguinte título: "Pelé é filho único!"