Logo O POVO+
IA e a solidão da liderança: o risco que ninguém está vendo
Foto de Vladimir Nunan
clique para exibir bio do colunista

Vladimir Nunan é CEO da Eduvem, uma startup premiada com mais de 20 reconhecimentos nacionais e internacionais. Fora do mundo corporativo, é um apaixonado por esportes e desafios, dedicando-se ao triatlo e à busca contínua pela superação. Nesta coluna, escreve sobre tecnologia e suas diversidades

Vladimir Nunan tecnologia

IA e a solidão da liderança: o risco que ninguém está vendo

Quando um líder começa a depender apenas da máquina para tomar decisões ou buscar apoio, ele perde algo essencial
Impacto do ChatGPT na liderança de empresas (Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Impacto do ChatGPT na liderança de empresas

Ser líder é, muitas vezes, um privilégio. Mas também pode ser uma das experiências mais solitárias da vida profissional. O que poucas pessoas percebem é que essa solidão não é apenas um detalhe emocional: ela representa um risco invisível que pode custar caro, tanto para o líder quanto para a empresa.

Na saúde, carregar tudo sozinho não é prova de força. É o caminho mais rápido para o colapso. Essa é uma realidade confirmada por pesquisas científicas, que mostram como o isolamento pode afetar a saúde mental e física de qualquer pessoa. Quando esse isolamento acontece justamente com quem deveria estar inspirando e guiando equipes, os impactos se espalham para toda a organização.

E há um agravante novo nesse cenário: a inteligência artificial (IA). Muitos líderes estão trocando conversas com colegas e parceiros por interações com máquinas.

Nesta semana, perguntei a alguns executivos com quem eles mais haviam interagido nos últimos dias. A resposta foi unânime: “Com a IA”. Essa resposta, aparentemente inofensiva, mostra como a tecnologia está mudando a forma de liderar e, sem que percebamos, aumentando os riscos da solidão da liderança.

A solidão no topo com a IA

Quando pensamos em líderes, geralmente imaginamos pessoas cercadas de gente, sempre em reuniões, conversando com times, resolvendo problemas. Mas a realidade é diferente.

Muitos executivos e gestores de alto nível se sentem sozinhos justamente porque carregam responsabilidades que não podem ser compartilhadas com facilidade.

Um artigo publicado na Harvard Business Review mostrou que liderar é, muitas vezes, um ato solitário. Quanto mais alto o cargo, menor é o número de pessoas com quem o líder pode conversar abertamente sobre dúvidas, medos e fragilidades. Essa barreira cria uma sensação de isolamento que, se não for cuidada, pode levar a problemas de saúde mental.

A solidão não é apenas desconforto emocional. Pesquisas da psicóloga Julianne Holt-Lunstad, revelaram que o isolamento social aumenta em 26% o risco de mortalidade.

Para se ter uma ideia, esse efeito é comparável ao tabagismo. Em outras palavras, sentir-se sozinho constantemente pode ser tão prejudicial à saúde quanto fumar.

No ambiente corporativo, o impacto não se limita ao indivíduo. Um estudo da Academy of Management Journal mostrou que líderes isolados tendem a tomar decisões mais arriscadas e menos colaborativas, o que afeta diretamente os resultados das empresas.

Inteligência artificial: solução ou armadilha?

A chegada da inteligência artificial trouxe muitos benefícios. Hoje, é possível resolver dúvidas complexas em segundos, simular cenários, receber relatórios completos e até encontrar soluções criativas para dilemas de gestão. Não é à toa que executivos estão cada vez mais usando ferramentas como o ChatGPT em suas rotinas.

Mas existe um lado perigoso nesse uso. A IA não substitui as interações humanas. Quando um líder começa a depender apenas da máquina para tomar decisões ou buscar apoio, ele perde algo essencial: a troca emocional e a diversidade de perspectivas que só surgem em conversas com outras pessoas.

Um estudo publicado no Journal of Business Ethics em 2023 alertou que líderes que confiam excessivamente em tecnologias digitais acabam reduzindo suas interações humanas. Esse isolamento digital gera sensação de solidão e pode até afetar a ética nas decisões, já que a máquina não traz a sensibilidade humana.

Ao responder “interagi mais com a IA do que com pessoas”, líderes estão sinalizando uma mudança de comportamento perigosa. Isso mostra que a solidão da liderança, que já era um problema, pode estar se agravando em silêncio com a ajuda da tecnologia.

Exemplos reais do risco do isolamento

Esse problema não é apenas teórico. Existem exemplos concretos de como o isolamento e o excesso de confiança em tecnologias podem causar prejuízos.

No setor jurídico, um advogado nos Estados Unidos usou o ChatGPT para escrever uma petição. O documento citava jurisprudências que pareciam reais, mas eram inventadas pela IA. O caso foi parar no tribunal, gerando constrangimento e um alerta global: não se pode confiar cegamente em máquinas.

Na saúde, um estudo publicado na revista JAMA mostrou que respostas do ChatGPT a perguntas médicas eram, em muitos casos, imprecisas ou incompletas. Se pacientes ou médicos confiassem apenas na IA, poderiam tomar decisões perigosas.

Na educação, uma pesquisa da revista Computers & Education revelou que alunos estavam usando o ChatGPT para produzir trabalhos sem checar as informações. Isso reduz a capacidade crítica e pode levar à reprodução de erros.

No mundo corporativo, a MIT Sloan Management Review mostrou que empresas com líderes isolados apresentaram 30% menos engajamento em suas equipes. A falta de interação do líder impacta diretamente a motivação do time.

Esses exemplos reforçam a necessidade de equilíbrio. A tecnologia pode ajudar, mas não substitui a presença humana.

O preço do isolamento para a saúde

Os efeitos da solidão da liderança vão muito além do emocional. Estudos mostram que o isolamento está ligado a maior risco de depressão, ansiedade e burnout. A Organização Mundial da Saúde (OMS) já destacou que a solidão no ambiente de trabalho pode aumentar os casos de transtornos mentais e prejudicar a produtividade.

No caso de líderes, esse impacto é ainda mais grave. Um executivo esgotado ou em colapso não sofre sozinho. Ele afeta toda a organização. Decisões mal tomadas, desmotivação da equipe e alta rotatividade são alguns dos reflexos diretos.

Vale lembrar que muitos líderes evitam falar sobre seus sentimentos por medo de parecerem fracos. Essa cultura de “aguentar tudo” só aumenta o risco de crises silenciosas que, quando aparecem, já estão em estágio avançado.

O preço do isolamento para a empresa

Não é só o líder que paga a conta da solidão. A empresa inteira sofre com os efeitos. Quando um líder se isola, as decisões tendem a ser mais frágeis, já que não passam pelo confronto saudável de ideias.

Isso aumenta o risco de estratégias equivocadas. Além disso, a cultura organizacional enfraquece. Se o líder não se conecta com o time, a equipe também se desengaja.

Pesquisas mostram que empresas com líderes isolados apresentam maior turnover, ou seja, mais funcionários pedem demissão. O clima organizacional também piora. Sem diálogo, surgem medo, indiferença e falta de confiança.

Ou seja, a solidão da liderança não é apenas um problema pessoal, mas também um risco para a saúde financeira da organização.

Como combater a solidão da liderança

Felizmente, existem caminhos para enfrentar esse problema. A solidão da liderança não precisa ser inevitável.

  1. Construir redes de apoio. Líderes podem participar de fóruns, grupos de mentoria ou conselhos que funcionem como espaços de troca.
  2. Valorizar pares dentro da empresa. Compartilhar desafios com outros executivos ajuda a reduzir o isolamento.
  3. Estabelecer limites no uso da IA. A inteligência artificial deve ser vista como ferramenta de apoio, não como substituta da interação humana.
  4. Investir em saúde mental. Terapia, coaching e programas de bem-estar podem ser grandes aliados.
  5. Promover a cultura da vulnerabilidade. Criar um ambiente onde líderes possam admitir limites sem medo fortalece toda a equipe.

Essas medidas exigem esforço, mas trazem resultados para o indivíduo e para a empresa.

Conclusão

A solidão da liderança é um risco invisível, mas real. Ela corrói a saúde do líder, afeta a tomada de decisões e enfraquece a cultura da empresa.

A chegada da inteligência artificial, apesar de trazer ganhos, pode estar intensificando esse isolamento, já que muitos executivos estão substituindo interações humanas por diálogos com máquinas.

O recado é claro: liderar não significa carregar tudo sozinho. Ao contrário, os melhores líderes são aqueles que sabem compartilhar, ouvir e se conectar.

A tecnologia pode ajudar, mas jamais substituirá o valor de uma conversa verdadeira, de um conselho de um colega ou da troca de experiências entre pessoas.

Se quisermos líderes saudáveis e empresas fortes, precisamos enfrentar de frente a solidão da liderança. E isso só será possível quando reconhecermos que força não é resistir sozinho, mas ter coragem de caminhar junto.

Foto do Vladimir Nunan

Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?