Logo O POVO+
Confiar cegamente na IA já tirou mais de 100 vidas na Itália
Comentar
Foto de Vladimir Nunan
clique para exibir bio do colunista

Vladimir Nunan é CEO da Eduvem, uma startup premiada com mais de 20 reconhecimentos nacionais e internacionais. Fora do mundo corporativo, é um apaixonado por esportes e desafios, dedicando-se ao triatlo e à busca contínua pela superação. Nesta coluna, escreve sobre tecnologia e suas diversidades

Vladimir Nunan tecnologia

Confiar cegamente na IA já tirou mais de 100 vidas na Itália

Nos últimos meses, o número de mortes nas montanhas da Itália chamou a atenção do mundo
Comentar
Script usado: Mountains, close, mountaineering, Mountaineering, Danger, Cell phone use, AI, Photography, Shot on 70mm, Depth of Field, --ar 16:9 --v 6.0 (Foto: Imagem gerada por Inteligência Artificial (script próprio): Midjourney)
Foto: Imagem gerada por Inteligência Artificial (script próprio): Midjourney Script usado: Mountains, close, mountaineering, Mountaineering, Danger, Cell phone use, AI, Photography, Shot on 70mm, Depth of Field, --ar 16:9 --v 6.0

Mais de cem pessoas já morreram nas montanhas italianas em 2025. Em muitos casos, o motivo não foi o frio, nem a altitude e nem o azar. Foi a desinformação.

Muita gente decidiu subir trilhas técnicas sem o preparo necessário, confiando apenas em aplicativos, rotas encontradas na internet e até em respostas de inteligência artificial para escolher o caminho. A montanha, que sempre foi um símbolo de respeito e superação, virou cenário de rede social. E o perigo passou a fazer parte do roteiro.

O que está acontecendo

Nos últimos meses, o número de mortes nas montanhas da Itália chamou a atenção do mundo. Só entre junho e julho, mais de 80 pessoas perderam a vida em acidentes de trilha, escalada e alpinismo.

Os socorristas italianos afirmam que o volume de resgates cresceu muito em relação ao ano passado, e muitos dos acidentes envolvem turistas inexperientes que subestimaram os riscos.

O problema não é novo, mas se agravou. Verões cada vez mais quentes estão levando multidões para as montanhas em busca de temperaturas mais amenas. O que essas pessoas não percebem é que o calor também muda o ambiente.

O derretimento do gelo e a instabilidade das rochas transformam caminhos seguros em armadilhas fatais. Um pequeno erro de avaliação pode custar a vida.

Subir sem preparo

Boa parte das vítimas não tinha experiência nem o equipamento certo. Há casos de pessoas tentando subir a mais de três mil metros usando apenas tênis e camiseta, sem saber que à noite a temperatura pode cair abaixo de zero.

As principais causas das mortes e resgates são quedas, doenças súbitas, desorientação e exaustão. Em muitos casos, bastaria um guia, um bom planejamento e roupas adequadas para evitar a tragédia.

Mas a pressa de "chegar lá" e o desejo de postar a foto perfeita acabam falando mais alto. O que antes era uma jornada de preparo e respeito virou uma corrida por curtidas. A aventura se transformou em produto, e a noção de risco desapareceu.

O papel da tecnologia

A tecnologia pode ser uma grande aliada. Mapas digitais, aplicativos de trilha e ferramentas de previsão do tempo são recursos valiosos quando usados com consciência. O problema é quando se confia apenas neles.

Houve casos de pessoas que seguiram rotas sugeridas por aplicativos sem verificar se eram seguras. Outras perguntaram a assistentes virtuais, como o ChatGPT, qual era o melhor caminho para chegar ao topo e receberam respostas baseadas em dados genéricos, sem considerar clima, relevo ou preparo físico.

A inteligência artificial não é má. Ela apenas não entende o que está em jogo quando o contexto é vida ou morte. A decisão final ainda precisa ser humana.

Desinformação também mata

Desinformação não é apenas espalhar mentiras. É também agir sem contexto, sem checar fontes e sem entender o que está fazendo.

Quando um vídeo no Instagram mostra alguém subindo uma montanha de tênis e sorrindo, o que se transmite não é a realidade do esforço e do risco. É um recorte bonito e editado, que cria uma falsa sensação de facilidade.

E quanto mais pessoas veem, mais se sentem encorajadas a repetir. O problema é que nem todos têm a mesma experiência nem enfrentam as mesmas condições. A montanha pode estar diferente, o clima pode mudar e o corpo pode reagir de outra forma. Mas nas redes, isso não aparece.

A desinformação é perigosa porque disfarça o risco de normalidade. E quando o perigo parece normal, a prudência desaparece.

A IA generativa

A inteligência artificial generativa é uma excelente leitora. Ela consegue analisar milhares de textos, artigos e livros em poucos segundos, encontrando padrões e sintetizando informações como nenhum ser humano seria capaz. Mas isso não faz dela uma especialista. Ler sobre algo não é o mesmo que viver ou praticar aquilo.

Se você entregasse para uma IA todos os livros de medicina do mundo, ela se tornaria um cardiologista? E mesmo que ela soubesse citar cada detalhe de um manual cirúrgico, você deixaria que ela te operasse?

A diferença entre conhecimento e sabedoria está justamente aí: a IA lê o mundo, mas não o sente. Ela entende os dados, mas não entende o contexto. E é nesse abismo entre leitura e compreensão que mora o risco de confiar demais nela.

A cultura do “dá pra ir”

Existe uma frase que define bem o espírito dos tempos: "se está no mapa, é porque dá pra ir". Essa mentalidade, comum em quem confia demais em aplicativos, é uma armadilha.

Mapas online mostram caminhos, mas não informam se estão bloqueados, perigosos ou se exigem habilidades técnicas. Um clique no celular não substitui conhecimento de terreno, leitura de clima ou experiência prática.

A tecnologia ajuda, mas não decide por nós. Ela é uma ferramenta, não um guia. Quando alguém pergunta a um robô se pode subir uma montanha, ele responde com base em dados, não em instinto de sobrevivência. E é exatamente aí que mora o risco.

As consequências

Cada número representa uma vida que se perdeu tentando viver uma experiência que deveria ser inesquecível, mas terminou em tragédia. Socorristas contam que muitas das vítimas não sabiam onde estavam.

Algumas se perdiam porque o GPS perdia sinal. Outras seguiam trilhas populares sem saber que o caminho era indicado apenas para profissionais. Há ainda os que ignoram alertas climáticos por acreditar que “vai dar tudo certo”.

O resultado é um aumento preocupante nas mortes, nas operações de resgate e nos custos para os governos locais. E, por trás dos números, há famílias em luto e profissionais exaustos tentando salvar quem não respeitou os limites da montanha.

A lição que fica

O caso das montanhas italianas não é apenas uma tragédia isolada. É um retrato do nosso tempo.
Vivemos a era da informação infinita e, ao mesmo tempo, da falta de discernimento. Sabemos acessar qualquer dado, mas nem sempre sabemos o que ele significa.

A tecnologia, quando mal usada, cria uma sensação enganosa de controle. Achamos que podemos tudo, que basta um aplicativo para resolver. Mas a montanha lembra que a natureza ainda dita as regras e que o corpo humano continua limitado.

O problema não está na inteligência artificial. Está na nossa falta de inteligência emocional diante dela. Usar tecnologia sem senso crítico é como escalar sem corda: uma hora, o erro vem.

Aprender a usar com consciência

As tragédias na Itália ensinam algo simples. A tecnologia não substitui preparo. Antes de qualquer trilha, é preciso planejar, estudar, entender o terreno, levar o equipamento certo e respeitar as condições climáticas.

  • Nenhum aplicativo substitui o bom senso. Nenhum robô entende o seu corpo. Nenhum mapa prevê a imprudência.
  • A natureza é imprevisível e o ser humano continua vulnerável.
  • Aprender a usar a tecnologia com consciência é o primeiro passo para que ela cumpra seu papel de ajudar, não de colocar vidas em risco.

Para quem vive conectado

Esse alerta vale para todos nós. Para quem dirige seguindo apenas o GPS. Para quem confia cegamente em conselhos automáticos. Para quem lê uma resposta de IA e não verifica outras fontes.

A facilidade da tecnologia é maravilhosa, mas também perigosa. Quanto mais automatizamos nossas decisões, menos pensamos sobre elas. E quando paramos de pensar, deixamos de escolher.

A vida exige mais do que seguir instruções. Exige consciência.

Um convite à reflexão

A história das montanhas italianas é um aviso. Não basta saber. É preciso compreender. Se você gosta de viajar, caminhar e explorar, continue fazendo isso. Mas faça com respeito, preparo e cuidado.

Não confie apenas no celular. Leve mapa impresso, estude o trajeto, verifique o clima e tenha um plano B. E, principalmente, não transforme o perigo em conteúdo. Uma foto bonita não vale uma vida.

No fim das contas

A montanha não é inimiga. Ela apenas exige respeito. A inteligência artificial não é culpada. Ela apenas responde o que perguntamos. Quem precisa evoluir somos nós, humanos que criam tecnologia sem aprender a usá-la com sabedoria.

Gente morrendo porque confiou no ChatGPT pode parecer exagero, mas é o sintoma de algo maior: a confiança cega em qualquer coisa que simplifique a realidade.

O que está matando não é a tecnologia, e sim o esquecimento de que o conhecimento verdadeiro exige contexto, preparo e humildade.

Antes de subir uma montanha ou de tomar qualquer decisão guiada por uma tela, vale repetir a lição mais antiga do mundo: pensar continua sendo o nosso melhor equipamento de segurança.

Foto do Vladimir Nunan

Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?