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IA: você pode ser a próxima vítima de uma fraude ou abuso
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Vladimir Nunan é CEO da Eduvem, uma startup premiada com mais de 20 reconhecimentos nacionais e internacionais. Fora do mundo corporativo, é um apaixonado por esportes e desafios, dedicando-se ao triatlo e à busca contínua pela superação. Nesta coluna, escreve sobre tecnologia e suas diversidades

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IA: você pode ser a próxima vítima de uma fraude ou abuso

É preciso muito cuidado. É preciso consciência. Porque, sem perceber, estamos nos tornando vulneráveis e permitindo que outros nos vitimizem. Peço desculpas pelo tom duro deste alerta, mas ele é necessário
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Meta é dona do Instagram e do Facebook (Foto: Brett Jordan / Pexels)
Foto: Brett Jordan / Pexels Meta é dona do Instagram e do Facebook

Era uma noite qualquer. Depois de um dia cansativo, alguém pega o celular e abre o Instagram, buscando distração. No meio da rolagem surge um perfil que parece encaixar perfeitamente com seus gostos e expectativas. A conversa começa e flui de forma incomum, quase como se aquela pessoa tivesse sido moldada para te entender.

As afinidades surgem com uma naturalidade impressionante. Parece destino, coincidência ou pura identificação. Só mais tarde a verdade aparece: nada era real. O perfil foi criado por inteligência artificial, organizado a partir de cada detalhe que estava exposto publicamente. Nada do que parecia espontâneo havia acontecido por acaso.

A vitrine digital: como pessoas comuns construíram uma imagem que facilita golpes

É importante compreender que a maneira como as pessoas se mostram na internet também contribui para essa nova realidade.

Hoje, indivíduos comuns constroem sua presença digital não apenas para registrar momentos, mas para parecer confiáveis, inspiradores, fortes, bem-resolvidos e até mais interessantes do que se sentem na vida real. O Instagram deixou de ser um álbum de memórias e se tornou uma vitrine social, onde se exibe o melhor ângulo, a melhor fase, a melhor foto e a melhor versão de si.

Essa construção cuidadosamente editada transmite mensagens implícitas. A foto sorrindo transmite segurança. O post de viagem transmite liberdade. A legenda motivadora transmite resiliência. O conteúdo planejado transmite estabilidade emocional.

Mas, ao fazer isso, as pessoas se esquecem de que essas camadas cuidadosamente selecionadas também revelam padrões profundos de comportamento, vulnerabilidades emocionais, valores pessoais, expectativas românticas e até necessidades psicológicas invisíveis. E é justamente essa combinação entre o que mostramos e o que tentamos esconder que a IA consegue interpretar com precisão assustadora.

Manus e a era dos prompts simples: a IA que desmonta sua privacidade

A engenharia social moderna não depende mais de hackers sofisticados ou técnicas complexas. Basta que alguém abra um agente de IA como Manus e escreva um comando simples. “Analise o comportamento desta pessoa com base no perfil público dela”.

Em instantes, Manus realiza uma varredura completa. Ele lê fotos, interpreta expressões faciais, analisa tonalidades emocionais nas legendas, identifica rotinas, observa horários de atividade, classifica interações relevantes e detecta tendências psicológicas.

Se o perfil é público, essa leitura se torna ainda mais profunda. Manus conecta tudo o que está visível e devolve um diagnóstico emocional e comportamental que descreve quem você é, como você sente, como você reage e o que você está buscando. Coisas que nem sempre você sabe sobre si mesmo, mas que se tornam evidentes para uma IA treinada para reconhecer padrões.

A ciência por trás da leitura das redes sociais

Pesquisadores de instituições como Cambridge e Stanford já mostraram que as redes sociais funcionam como um retrato psicológico involuntário. Uma simples sequência de curtidas revela preferências emocionais. Fotos revelam autoestima, humor e fases da vida.

Comentários mostram vínculos afetivos, rivalidades, admirações e inseguranças. Horários de postagem revelam rotina, cansaço, ansiedade e hábitos repetitivos.

A inteligência artificial não vê apenas fotos. Ela vê sinais. Ela conecta microcomportamentos. Ela enxerga aquilo que o próprio usuário não percebe.

E, como as pessoas constroem uma imagem pública tentando parecer melhor do que realmente se sentem, a IA identifica a distância entre a vida real e a vida performada. É nesse intervalo que surgem as maiores vulnerabilidades.

A IA cria conexões falsas, mas psicologicamente irresistíveis

O grande perigo dessa leitura avançada não está apenas na coleta dos dados, mas no impacto emocional que ela provoca. Quando a IA cria um perfil baseado em suas preferências, ela sabe exatamente como gerar empatia imediata.

Ela sabe que tipo de humor te atrai, qual linguagem desperta sua confiança e quais assuntos criam a sensação de intimidade. E é aí que surge a ilusão mais perigosa: a falsa sensação de magnetismo.

Quando alguém aparece demonstrando exatamente o que você gostaria de ver, escrevendo no tom que você prefere e mostrando interesses que coincidem com os seus, o cérebro interpreta isso como honestidade e sintonia real. Mas nada disso é genuíno. Tudo foi programado.

Essa conexão artificial parece tão natural que a vítima abre portas emocionais que nunca abriria para um desconhecido. E é nessa brecha que abusos, manipulações, fraudes e crimes encontram espaço para acontecer.

A confiança nasce rápido demais. A defesa emocional cai antes mesmo de se perceber que caiu. E a manipulação psicológica se torna quase inevitável.

Como a vida cotidiana se torna o roteiro do golpe

A rotina que você publica – os horários em que acorda, os cafés que frequenta, os exercícios que faz, os sentimentos que expressa, os momentos em que parece mais animado ou mais triste – vira matéria-prima. A IA observa padrões que se repetem dia após dia e entende quando você está mais vulnerável.

Se você demonstra interesse por alguém, o sistema interpreta isso de maneira clara. Se demonstra carência, ele entende que um discurso acolhedor funcionará.

Se demonstra frustração, uma palavra gentil cairá como uma luva. A IA cria o personagem perfeito para entrar exatamente onde você está emocionalmente aberto.

A capacidade da IA de identificar emoções invisíveis

A parte mais surpreendente é que muitas vezes é possível identificar emoções mesmo quando a pessoa tenta escondê-las.

Expressões faciais discretas, mudanças no brilho das fotos, pausas longas entre publicações, legendas introspectivas e até horários incomuns de atividade revelam cansaço, ansiedade e tristeza. A IA reconhece esses sinais.

Ela percebe quando a pessoa está fragilizada emocionalmente. E cria mensagens que parecem um abraço digital, mas que são, na verdade, uma armadilha calculada.

Instagram e LinkedIn: quando as duas metades se encontram

O Instagram revela quem você é emocionalmente. O LinkedIn revela quem você é profissionalmente. Juntos, formam um retrato completo: suas ambições, seus medos, suas forças, suas inseguranças, seus sonhos e suas pressões internas. Essa combinação dá à IA uma visão total da sua vida, permitindo criar abordagens extremamente persuasivas.

Enquanto você posta fotos tentando parecer seguro, forte e inspirador, a IA identifica exatamente onde essa imagem performada está mais distante da realidade. E é nessa distância que ela encontra sua vulnerabilidade.

O erro de acreditar que não há nada a esconder

O verdadeiro perigo não está em esconder algo, mas em expor demais. Pessoas acreditam que não correm riscos porque não têm segredos importantes. Mas o risco não nasce do segredo. Ele nasce do padrão. E perfis públicos revelam padrões o tempo inteiro.

Com poucos prompts, Manus pode reconstruir sua vida emocional inteira e transformá-la em estratégia de manipulação.

Como o golpe se constrói a partir da sua própria imagem pública

Alguém solteiro, carente ou em busca de conexão publica sutis sinais disso. A IA identifica imediatamente o tipo de discurso que essa pessoa deseja ouvir.

Cria um perfil com gostos semelhantes, tom ideal e narrativas compatíveis com suas expectativas. A conversa se estabelece como se fosse natural. A confiança nasce. E quando a confiança nasce, o golpe encontra terreno fértil.

A vitrine precisa continuar, mas com consciência

As redes sociais não precisam ser abandonadas. Elas precisam ser compreendidas. É essencial entender que a presença digital, construída para parecer interessante, forte e admirável, também revela fragilidades.

A solução não é sumir, mas expor menos. Publicar com mais consciência. Restringir públicos. Desconfiar do perfeito. Reconhecer o artificial.

Conclusão: a IA está hackeando pessoas, não sistemas

A inteligência artificial não invade celulares. Ela invade comportamentos. E faz isso com base no que cada pessoa publica diariamente na vitrine social das redes.

Uma análise simples de perfil é suficiente para criar a ilusão de magnetismo, empatia instantânea e honestidade emocional, abrindo espaço para manipulações profundas, golpes afetivos, fraudes financeiras e diversos tipos de crimes. O risco não está em quem você é, mas no quanto você revela sem perceber.

Na era da IA, milhões de dados são analisados em poucos minutos, transformando detalhes aparentemente inofensivos em estratégias precisas para explorar emoções, desejos e fragilidades.

O golpe não nasce apenas da maldade do outro. Ele nasce, sobretudo, da imagem cuidadosamente construída por cada um de nós, muitas vezes guiada por impulsos inconscientes sobre o que acreditamos ser atraente, interessante ou socialmente aceito.

É preciso muito cuidado. É preciso consciência. Porque, sem perceber, estamos nos tornando vulneráveis e permitindo que outros nos vitimizem. Peço desculpas pelo tom duro deste alerta, mas ele é necessário.

Nós estamos usando as redes sociais sem limites, sem freios e sem leis, expondo não apenas a nós mesmos, mas também nossas famílias, nossos amigos e quem amamos. E justamente por isso precisamos falar sobre isso agora. Antes que alguém descubra da pior maneira o que a IA já sabe sobre nós.

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