Virou até meme: o filho quer que a mãe fique em casa e, ao ser interpelado com o questionamento de que está todo mundo saindo, responde que a genitora não é todo mundo - o mesmo que ouvia quando era criança. A brincadeira, no entanto, revela a situação séria de pais e de avós não cumprindo a regra de se resguardar em meio à pandemia do novo coronavírus. Uma ida ao Centro da Cidade ou mesmo ao supermercado por necessidade denotam que o público da faixa etária de risco da enfermidade segue, por precisão ou ainda por negação da gravidade, mantendo rotina de afazeres fora de casa.
Para Maria Silva de Oliveira, 74, a dona Teté, a dificuldade foi a de entender o potencial de risco do que até então era simples: sair da própria residência. Mas, para ela, pesou principalmente o abrir mão da autonomia. “Eu achei que era alarme do povo. Eu queria mesmo era ir para minha missa, andar no Centro, viajar para Viçosa (do Ceará, na microrregião da Ibiapaba) para casa do meu filho”, conta como era o rotina há uma semana.
À filha, Charlany de Oliveira, 37, coube o processo de convencimento. "Até eu convencer, foi complicado. Ela não entendia a história do vírus, ela dizia que não era nada: ‘dá tempo eu ir e vir’. Ela dizia que não tinha precisão de está presa dentro de casa. Chorou, se lamentou, mas agora está consciente”, detalha.
A negação, entendida muitas vezes como teimosia, é parte do processo de apropriação da informação. “Parte desses idosos, que está ainda participando dessa rotina fora de casa, é por um processo de negação da amplitude real do que está acontecendo, do conhecimento não ter chegado a uma parte emocional, ou seja, racionalmente eles sabem, mas emocionalmente eles não se apropriam. Mas parte, também, é por não ter uma rede de apoio ampla que possa sustentar, ou porque os filhos moram distantes, ou também não podem estar se deslocando por outras comorbidades”, explica a psicóloga clínica Júlia Evangelista Mota Shioga.
Quando o problema é falta dessa rede de apoio, as iniciativas em que vizinhos se proponham a ajudar com essas compras, ou mesmo os aplicativos podem auxiliar. Mas, quando a aceitação do que está acontecendo é o entrave, a solução é o diálogo. Na casa da Charlany, a conversa foi na base de informação e ajuda de vídeos explicativos, além das missas na televisão, em que o padre também alertava do perigo. As estratégias são parte do que os profissionais aponta como saída ao impasse.
“Por trás dessa oposição do idoso, tem um processo de negação que a gente precisa não confrontar. Se a gente confronta sem a habilidade de comunicação necessária, se chegar dando regras, o idoso, possivelmente, não vai acolher. Porque ele não está acostumado a receber regras dos filhos. O costume é justamente o oposto, o de dar ordens, o de ter o gerenciamento do lar”, aponta Shioga.
Usar fontes médicas, recursos visuais e mesmo apelar para o exemplo a ser dado pelo próprio idoso para o bem maior são outras sugestões da terapeuta ocupacional e gerontóloga Kamylle Guanabara. “É um processo de educação e saúde”, aponta.
Ser flexível e colocar o idoso no centro da tomada de decisão, trazendo situações práticas e dando opções, são aspectos a serem levados em conta. Se as compras do supermercado eram parte da rotina do idoso, é preciso envolvê-lo no novo cenário, colocá-lo a par da lista dos itens a serem comprados, pedir sugestões, fazer videochamadas direto do mercado, ou ir perguntando dicas de como escolher as frutas, por exemplo. Assim, é respeitada a função que ele exercia, indica Guanabara.
Para ajudar no convencimento: