Logo O POVO+
100 mil óbitos no Brasil: Quantas mortes por Covid-19 poderiam ter sido evitadas?
CIDADES

100 mil óbitos no Brasil: Quantas mortes por Covid-19 poderiam ter sido evitadas?

Brasil se aproxima dos 100 mil óbitos. Conforme pesquisadores entre 40% e 50% das vidas teriam sido salvas se Governo Federal tivesse coordenado políticas mais efetivas
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Cemitério Bom Jardim, em Fortaleza: em maio, Capital chegou a registrar média diária de mais de 80 óbitos   (Foto: Fabio Lima)
Foto: Fabio Lima Cemitério Bom Jardim, em Fortaleza: em maio, Capital chegou a registrar média diária de mais de 80 óbitos

Pouco mais de cinco meses após o início do contágio da Covid-19 no Brasil, quase 100 mil vidas foram perdidas. Até a noite de ontem, era 99.572 óbitos, segundo o Ministério da Saúde. Especialistas que acompanham a evolução da infecção põem luz sobre uma questão determinante para as perspectivas do País: quantas mortes poderiam ter sido evitadas? Como impedir essa proporção trágica? Pesquisadores estimam que se Governo Federal tivesse agido de forma efetiva contra a transmissão do novo coronavírus, entre 40% e 50% das vidas teriam sido salvas.

Além da letalidade do vírus, para pesquisadores, o número de mortes foi ampliado pela falta de assistência de saúde e pelas desigualdades sociais. O Governo negou a gravidade da situação e não coordenou o enfrentamento à pandemia junto a estados e municípios. A experiência do Brasil em saúde pública foi subutilizada e a estrutura de atenção básica não foi fortalecida tampouco teve apoio logístico.

Acesse a cobertura completa do Coronavírus >

“Não havia necessidade da doença chegar nesse ponto. Com um bom planejamento, metade dessas mortes poderia ter sido evitadas. Além de não fazer o que precisava ser feito, com ausência de planejamento, o Governo Federal atrapalhou o trabalho dos estados e municípios que queriam fazer um trabalho sério”, defende Natália Pasternak, microbiologista e criadora do Instituto Questão de Ciência (IQC).

A pesquisadora frisa que o endosso a tratamentos mesmo contra a evidência científica vigente, como a cloroquina e a ivermectina, causa desperdício de recursos que poderiam ser empregados com insumos, respiradores, anestésicos, equipamentos de proteção individual além de gerar falsa sensação de segurança na população.

Com a estabilidade nas curvas de novos casos e mortes por dia, o contágio da infecção e o consequente registro diário de 1 mil mortes continua. Um relativo platô mascara o crescimento acentuado da doença, principalmente nas regiões Sul e Centro-Oeste. A aparente estabilização decorre do “balanço” entre áreas com aumento e áreas com queda de novos casos e óbitos.

“A progressão varia muito. Quando olhamos o Brasil todo deixamos de ver situações muito diferentes. Se a gente olha como um todo, há uma relativa estabilização. Esse equilíbrio esconde uma dinâmica muito grande. Um compensa o outro. A visão estável é uma mistura desses números”, aponta Guilherme Werneck, vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e professor do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/UERJ).

Para Domingos Alves, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP) e membro do Covid-19 Brasil, “a ideia de platô é atingida apenas quando olhamos para os dados acumulados”. “Quando se olha para a curva brasileira e da maioria dos estados, nenhum deles atingiu o platô. O platô na curva de casos acumulados é observado em países com redução contínua de novos casos e óbitos. O número de casos acumulados para de crescer porque não teve novos casos”, compara o físico, que pesquisa modelagem computacional e sistemas de informação.

Ele calcula que, se medidas de controle tivessem sido tomadas a partir do dia 1º de junho, quando o País iniciou processo de reabertura em diversos locais, no mínimo, 36 mil vidas teriam sido salvas. “Quase 40% dos mortos”.

Conforme Guilherme Werneck, o Sistema Único de Saúde (SUS) tem potencialidades que deveriam ter sido melhor empregadas no enfrentamento. “Tem um sistema de atenção básica, experiência em saúde pública e uma capacidade científica já comprovada. Temos os recursos para enfrentar de uma forma melhor do que foi feita. Estamos em uma posição que poderíamos não estar”, corrobora. Para o médico, que é docente no Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (IESC/UFRJ), “o papel da ciência é mostrar as mortes que poderiam ser evitadas até em homenagem a essas pessoas”.

Isso leva em conta pessoas que morreram em decorrência da falta de assistência médica e as que já estavam em perfil de alto risco mas que teriam sobrevivido se não tivessem sido expostas ao vírus. Fator determinante entre quem vive e quem morre é o “lugar social” que ocupa. “Depende da história de vida de cada um de nós, a partir das nossas necessidades, possibilidades. Tem gente que se não trabalhar vai morrer de fome. Essencialmente, morreram homens e mulheres negros, periféricos, vulneráveis. Somos 100 mil com uma característica muito específica”, ressalta a obstetra Liduína Rocha, coordenadora do Programa Nascer no Ceará e presidenta do Comitê Estadual de Prevenção à Morte Materna, Fetal e Infantil e da Associação Cearense de Ginecologia e Obstetrícia (Socego).

Ela avalia que se o SUS não existisse, o número de mortos já seria muito maior. “Em nenhuma instância a gente pode considerar normal mortes que a ciência já compreendeu como salvar e que são mortes evitáveis. A Covid-19 acontece por uma questão ambiental, muitas mortes acontecem por uma questão de desigualdade”, argumenta a médica, integrante do Coletivo – Em defesa da Ética, da Ciência e do SUS.

Resposta

O POVO entrou em contato por email com o Ministério da Saúde sobre o acúmulo de quase 100 mil mortes pela Covid-19 no Brasil e as críticas de especialistas com relação a com relação à atuação da pasta. Não houve retorno até o fechamento desta edição.

Dados

Foram registrados 1.079 novos óbitos, segundo o balanço diário do Ministério da Saúde divulgado ontem, 7. O número acumulado de casos atingiu 2.962.442. Foram 50.230 novos casos informados pelas secretarias de saúde.

 

O que você achou desse conteúdo?