Um coordenador da operação portuária e um outro empregado, que seria operador das câmeras de segurança do Porto do Mucuripe, estão entre as cinco pessoas presas em uma operação realizada pela Polícia Federal, com apoio da Força Integrada de Combate ao Crime Organizado (Ficco/CE). Todos são investigados por suposta facilitação para o tráfico internacional de cocaína que parte de Fortaleza para os demais continentes pelo mar.
A operação, denominada Palma, foi divulgada na manhã dessa terça-feira, 15, mas já teria sido deflagrada há pouco mais de uma semana, quando aconteceu a prisão temporária do coordenador. A medida judicial estava mantida em sigilo, para não comprometer as demais capturas. O empregado seria ocupante de cargo comissionado, atuando há mais de dez anos na Companhia Docas do Ceará (CDC), gestora do porto da Capital cearense. Sua remuneração mensal passa de R$ 22 mil.
O outro empregado, contratado de empresa terceirizada, também já trabalha no local há mais de cinco anos. Sua prisão foi realizada na manhã dessa terça-feira. O POVO apurou as informações junto a fontes da Justiça Federal, da Companhia Docas e da própria Polícia Federal. Os mandados foram expedidos pela 11ª Vara Federal de Fortaleza. Os demais alvos não foram identificados. Também foram cumpridos oito mandados de busca e apreensão e o bloqueio judicial de bens e valores dos investigados, no total aproximado de R$ 1,4 milhão.
O POVO opta por não divulgar o nome do coordenador portuário porque a certeza de sua participação no crime ainda estaria sendo checada pela PF. Uma das indicações é a de que os dois empregados da CDC são apontados de suposto envolvimento em pelo menos uma tentativa de envio de drogas. No último dia 6 de fevereiro, os agentes da Receita Federal apreenderam 435 quilos da droga.
Os 390 tabletes de cocaína, dispostos em 13 sacos com 30 pacotes cada, foram inseridos num contêiner que transportava cera de carnaúba. O navio que levaria a carga seguiria até o Japão, com uma parada prevista, segundo os agentes da Receita, no porto de Le Havre, na França. O produto, no mercado europeu, estaria avaliado em mais de 20,8 milhões de euros. Naquela data, a pesagem divulgada inicialmente foi menor, de 416 quilos.
Menos de uma semana depois, no dia 11 de fevereiro, outra apreensão vultosa em porto cearense: uma carga com 133 quilos da droga foi descoberta no Complexo Industrial e Portuário do Pecém, na Região Metropolitana de Fortaleza. Estava escondida num contêiner com caixas de manga. O navio seguiria para Hamburgo na Alemanha, mas com previsão do entorpecente ser desembarcado antes, no porto de Sines, em Portugal. A Receita Federal divulgou que foram as autoridades da Bélgica que alertaram sobre a existência da carga ilícita.
Não haveria confirmação ainda, pelos investigadores, se o embarque criminoso no Pecém seria do mesmo grupo investigado no porto do Mucuripe. Mais de meia tonelada apreendida nos dois portos cearenses é cinco vezes maior que os 102,71 quilos descobertos pelos agentes da Receita em 2024. Os cinco presos seguem em prisão temporária ainda vigente e poderão responder pelos crimes de tráfico internacional de drogas, associação para o tráfico, organização criminosa e lavagem de dinheiro. As penas somadas podem ultrapassar 20 anos de reclusão.
A Polícia Federal não divulgou imagens da operação Palma nem disponibilizou entrevistados para falarem sobre a investigação. Procurada pelo O POVO, a Companhia Docas se manifestou apenas através de nota. “A Companhia Docas do Ceará esclarece que as investigações estão sendo conduzidas pela Polícia Federal. A empresa tem colaborado, fornecendo as informações que tem sido solicitadas”. A CDC não quis comentar sobre o perfil e a atuação dos presos na operação. (Colaborou Alice Barbosa, especial para O POVO)
Não fosse a atenção e a interferência de um operador portuário, os 435 quilos de cocaína interceptados no porto do Mucuripe, em fevereiro deste ano, teriam zarpado do Ceará para a Europa sem serem percebidos. A droga esteve a poucos metros e alguns minutos de ser endossada como “nada consta” e passar como carga liberada para embarque no navio. O guindaste chegou a puxar o contêiner contaminado para a embarcação. Foi uma quebra de protocolo que teria derrubado o esquema e permitido a identificação dos 390 pacotes com o entorpecente na carga de cera de carnaúba.
Os fatos se deram na madrugada de 6 de fevereiro, por volta das 2h30min, no pátio da Companhia Docas do Ceará (CDC), no Mucuripe. O POVO apurou que todo caminhão que entra na fila para carregar os navios precisa passar pelo scanner da empresa. Checagem de algum possível material inserido indevidamente no contêiner - que chamam de "contaminação". O que estava com o carregamento de cera, exportada por uma empresa cearense, foi considerado normal pelos operadores. Mas na sequência começou a suspeição.
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Uma fonte descreveu ao O POVO que, do scanner até o navio, o caminhão leva de um a dois minutos para fazer o percurso. São cerca de 150 a 200 metros de distância. O veículo se posiciona junto ao guindaste para a caixa metálica ser içada. O trecho é monitorado por câmeras e há uma fila de caminhões. "Só que esse caminhão saiu do scanner e algumas câmeras foram desligadas nesse momento. E o caminhão só chegou no navio cerca de 12 minutos depois. É um tempo fora do normal", detalhou.
O operador portuário citado no início do texto estava dentro do navio e, do alto, viu o caminhão atrasado chegando e furando a fila dos demais veículos. "O que também não é considerado normal", acrescentou a fonte. O empregado teria seguido o protocolo e ligado para a direção portuária. "Doutor, tem um caminhão aqui furando a fila" e o guindaste já tinha botado o contêiner em cima do navio, foi o alerta disparado.
O diretor deu a ordem que a manobra fosse desfeita e o guindaste retirasse o equipamento de dentro do navio. Foi quando o coordenador portuário preso teria sido avisado da retirada e reorientado para que o contêiner voltasse. Ele teria dito que quem mandava ali na operação portuária seria ele. O operador preferiu seguir a determinação do superior diretor. Àquela altura, o episódio já havia causado mal-estar, bate-boca e chamado a atenção dos agentes da Receita Federal, para ser submetido a nova inspeção. Desta vez mais minuciosa.
Em nova checagem, iniciada cerca de três horas de intervalo de uma para a outra, a cocaína foi encontrada. O inquérito aberto na Polícia Federal desencadeou a operação Palma, iniciada pouco mais de uma semana atrás com a prisão temporária do coordenador portuário, ordenada judicialmente.
Naquela madrugada, quando a situação do embarque do contêiner para o navio já estava sendo desfeita, o motorista do caminhão se aproveitou da demora e das câmeras desligadas, para fugir. A Receita e a Polícia Federal não confirmaram a identidade e se ele já foi identificado formalmente. As investigações da Operação Palma seguem em desdobramentos.
Detalhe
Na contaminação do contêiner, os traficantes teriam utilizado o método rip-on/rip-off, um dos mais acionados pelos criminosos em ambientes portuários. O contêiner é aberto sem o conhecimento do exportador e a droga é inserida ilegalmente.