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O bem-estar social que os impostos podem gerar
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O bem-estar social que os impostos podem gerar

| Comparativo | No Brasil, as regiões Sul e Sudeste são as que lideram em aplicação dos tributos de volta para a sociedade, segundo pesquisa do IBPT
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O Irbes é calculado a partir da observação dos impostos pagos pela população no âmbito estadual, o Produto Interno Bruto (PIB) e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dos estados (Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA O Irbes é calculado a partir da observação dos impostos pagos pela população no âmbito estadual, o Produto Interno Bruto (PIB) e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dos estados

Sentir-se valorizado é uma das sensações mais satisfatórias para o ser humano, é inegável. Quando essa valorização acontece a partir do bem-estar social, coletivo, a ação do poder público é crucial. No Nordeste, o Ceará tem o segundo maior Índice de Retorno de Bem-Estar à Sociedade (Irbes), de acordo com levantamento do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), e experiências e especialistas asseguram que isso vai além da relação feita na pesquisa.

O Irbes é calculado a partir da observação dos impostos pagos pela população no âmbito estadual, o Produto Interno Bruto (PIB) e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dos estados. Na prática, tenta relacionar a arrecadação, a riqueza gerada e o desenvolvimento social nas unidades da federação.

"Estamos constatando o que acontece na realidade do nosso País. Temos um paíse continental, estados maiores, inclusive, que muitos países da Europa", destaca João Eloi Olenike, presidente do IBPT, ao observar sobre a desigualdade vista entre as regiões.

Na análise que faz para esta terceira edição do Irbes - publicada neste ano, mas com dados de 2022 -, Olenike destaca o maior volume de recursos em estados como São Paulo e o próprio Distrito Federal - segundo e primeiro colocados do ranking, respectivamente - que podem "melhorar a qualidade de vida da população".

Perguntado como saber se a relação entre os indicadores se traduz no sentimento dos cidadãos, o presidente do IBPT reconhece que esta identificação "seria uma segunda etapa que os próprios habitantes teriam que verificar o que está acontecendo com o estado que, mesmo com grandes recursos e se desenvolvendo, não há dinheiro suficientemente aplicado para trazer uma melhoria na qualidade de vida da sua população".

Cobrança de impostos é fundamental

Apesar de ser alvo constante de protesto por pessoas físicas e jurídicas, a cobrança de impostos está na gênese da nossa formação como sociedade. A partir dessa arrecadação é possível ao estado prover bens e serviços para a população em geral, atendendo mais aqueles que mais precisam pela falta de reservas econômicas próprias e assim desigualdades históricas poderão ser combatidas.

A avaliação é de Maria Aparecida Lacerda Meloni, vice-presidente da Associação Nacional de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite).

"Isso faz parte da dinâmica da vida em sociedade", aponta. Para ela, a instituição da reforma tributária contribuirá para a melhoria da percepção da população brasileira sobre os impostos, com o compromisso de combate à regressividade do sistema.

"O recurso dos impostos retorna em forma de políticas públicas. Em um país tão desigual, há carências específicas por região, há desigualdades acumuladas principalmente por conta da nossa extensão territorial que influencia o nosso padrão de bem-estar".

Sobre o ideal de bem-estar social, a vice-presidente da Febrafite aponta que o Brasil nunca chegou a um estágio satisfatório em relação a outros países da Europa e em comparação até mesmo com outros países da América Latina existem regiões do Brasil que apresentam déficits.

Desigualdade regional

Entretanto, o quadro de desigualdade regional também expõe que a região Centro-Sul se sobressai com padrões comparáveis a países desenvolvidos.

Para a especialista em tributação, os diferentes cenários fazem a diferença na prática: economias maiores podem arrecadar mais e aplicar em maior proporção. "Considerando que os tributos são uma fatia que o estado extrai da economia, do cidadão e dos negócios, se a fonte é muito diversificada, o resultado também".

 

Maria Aparecida ainda pontua que o estabelecimento da arrecadação do imposto no destino beneficiará estados periféricos. Previsto na reforma tributária, o montante colhido de imposto será destinado ao fisco do estado onde o produto ou serviço foi consumido.

"Nós, da Febrafite, temos a expectativa de que a reforma tributária responda algumas questões que são problemas imensos. De que tenhamos um sistema mais simples, mais ágil e mais justo", aponta.

Percepção de bem-estar

José Angelo Machado, professor da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais, afirma que "não é verdadeira essa percepção de que não há retorno na proporção da carga tributária" e justifica a declaração ao apontar que "os números e também a evolução da participação do Estado brasileiro na provisão de políticas públicas, a gente vai ver que o movimento é o contrário".

"A partir da Constituição de 1988, que a gente nota nos anos de 1990, o Estado brasileiro assume um conjunto de responsabilidades muito amplas perante a população. O Estado brasileiro passou a se propor a fazer mais coisas, a entregar mais políticas públicas, isso gerou um processo de reacomodação na nossa carga tributária e ela vem se mantendo estável a partir daí", diz, citando educação e saúde como os principais. Neste intervalo, conta, o percentual da arrecadação de impostos vai de "20 e poucos porcento" do PIB até 33% "no máximo".

Perguntado como os governantes podem agir para aumentar a percepção da população, Machado arremata: "Eu acho que em primeiro lugar é importante que o gestor aprenda a ouvir a população, que ele amplie os canais de participação política da sociedade organizada ou mesmo da população em geral para que ele possa ouvir as necessidades da população ou essa própria população possa formular e participar da formulação das políticas públicas. Eu creio que seja muito importante."

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Apenas o IDH não é suficiente

Mas o uso do IDH como único componente para medir o bem-estar social relacionado aos impostos comete uma injustiça com os estados brasileiros, segundo especialistas ouvidos pelo O POVO. O Ceará, inclusive, é um dos injustiçados, pois conta com áreas desenvolvidas que demonstram o retorno dos impostos à população com reconhecimento nacional.

Amarílio Santana, auditor fiscal da Receita Estadual, entende que a análise sobre o bem-estar causado pelo conjunto de políticas públicas financiadas pelos impostos pagos vai além da medição do IDH.

Para ele, o caso do Ceará é um exemplo, já que, mesmo sem o montante de arrecadação de impostos comparável a estados mais industrializados, obtém dados qualitativos e reconhecimentos nacionais em políticas de educação, por exemplo, ficando à frente de estados mais ricos.

Assim, bases estruturais estão sendo construídas para reverter déficits regionais históricos. Neste processo, Amarílio ainda defende como política pública a introdução da educação fiscal ao dia a dia da população, de forma que reconheçam o peso positivo dos impostos para a sociedade.

Ele cita o exemplo de Pires Ferreira (a 322 km de Fortaleza), único município a alcançar nota 10 no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) para os anos iniciais do Ensino Fundamental, recebendo o Prêmio MEC da Educação Brasileira.

"Como entender que uma cidade pobre do interior do Ceará, como Pires Ferreira, a educação seja melhor do que municípios ricos do Sul e Sudeste? Mesmo com menos recursos, as boas gestões aparecem, gerando a sensação ao cidadão de que o recurso público mesmo que pouco está sendo bem aplicado", aponta.

Nicolino Trompieri Neto, analista de Políticas Públicas do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece), expõe a mesma análise ao afirmar que "em relação à variável carga tributária, é necessário um maior embasamento científico, a partir da construção de um referencial teórico, dado que a arrecadação de tributos não é uma variável que capta resultado diretamente, como é o caso do IDH".

"Um aumento da carga tributária não necessariamente aumenta o nível de bem-estar, já que pode haver um grau de ineficiência presente na transformação de gastos públicos aplicados em variáveis de resultados que refletem o nível de bem-estar como variáveis de saúde, educação, infraestrutura, segurança, entre outras", explica.

Trompieri ainda observa que é necessário atenção à defasagem do período pesquisado, de 2022.

FORTALEZA-CE, BRASIL,22.08.2025: Crianças atendidas no Instituto Maria da Hora, que faz trabalhos com idosos, jovens e crianças. Retorno dos impostos como bem-estar para a população.  (Fotos: Fabio Lima)
FORTALEZA-CE, BRASIL,22.08.2025: Crianças atendidas no Instituto Maria da Hora, que faz trabalhos com idosos, jovens e crianças. Retorno dos impostos como bem-estar para a população. (Fotos: Fabio Lima)

Promoção indireta da melhoria de vida

Assim como os cálculos que instituem os impostos e a incidência deles em produtos e serviços, a conversão deste dinheiro pago pelos contribuintes em bem-estar social nem sempre é fácil de entender. No Instituto Maria da Hora (IMH), o retorno chega direta e indiretamente, trazendo atividades necessárias para inúmeros grupos e comunidades que compõem a sociedade.

Nas instalações do IMH, 643 profissionais empregados formalmente são responsáveis pelos cuidados de crianças na creche, de pousadas para pessoas em situação de rua e nas aulas de cursos de canto, percussão e empreendedorismo para jovens e idosos em cinco municípios cearenses (Fortaleza, Itaitinga, Jaguaruana, Ararendá e Caririaçu).

Os recursos para o funcionamento vêm justamente de incentivos fiscais, editais e programas municipais, estaduais e federais de apoio a instituições não-governamentais.

Nathalie Liberato, diretora geral do IMH, conta que, "hoje, cerca de 95% da nossa execução, são financiadas ou cofinanciadas pelo governo federal ou estadual".

"Os editais são financiados por conta dos impostos pagos", afirma, mostrando um entendimento que é compartilhado pela fundadora da organização não-governamental Amigos e Benfeitores Reabilitando Animais no Ceará (Abrace), Cristiane Figueiredo.

A atenção dada aos animais na Abrace, diz, não seria possível sem a ajuda dos impostos pagos pelos cearenses. A única ajuda financeira com a qual a conta é o projeto Sua Nota Tem Valor.

"Em 12 anos, a gente cuidou de 8 mil animais", conta. Os recursos representam apenas 1/3 de todo o montante necessário para manter os dois locais de abrigo para os 200 animais em Fortaleza e Eusébio, com alimentação e os cuidados devidos. As demais necessidades dos bichos, conta, são sanadas pelos voluntários e também por outra ajuda institucional que ela também cita como retorno dos impostos pagos por ela.

Trata-se da castração dos cães feitos pela Secretaria Municipal de Proteção Animal de Fortaleza. Cristiane lamenta, no entanto, da Abrace não poder ser enquadrada no programa de destinação do imposto de renda.

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