A disputa pela construção da usina de dessalinização da água do mar na Praia do Futuro foi parar na Justiça. No último dia 4, a empresa israelense Ide Technologies e a nigeriana GCA Energy & Water LTD ingressaram com ação na 10ª Vara Cível da Fazenda Pública da Capital questionando o edital lançado pela Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece).

O certame lançado em abril deste ano estima remuneração de mais de R$ 3,2 bilhões em 30 anos de concessão. O projeto, que faz parte da estratégia do Governo de diversificar a matriz hídrica do Estado, prevê que a usina terá capacidade de produção de 1 m³/s. O que poderia elevar em 12% a oferta de água na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) e beneficiar cerca de 720 mil pessoas.

No mandado de segurança, com pedido de liminar, as empresas alegam que se inscreveram na concorrência pública internacional, mas restrições previstas as impediram de continuar no processo. A alegação é que o item 68 'd' do edital vai de encontro à disposição do artigo 32, inciso 4º, da Lei de Licitações, que prevê que o licitante estrangeiro deve, apenas, apresentar os documentos "equivalentes", sem exigir que tal documentação seja apresentada de acordo com as normas brasileiras.

Ainda não houve análise de mérito. Em despacho do último dia 8, a juíza responsável pelo caso, Nádia Maria Frota Pereira, informou que somente deve se manifestar em relação ao pedido de tutela de urgência "após a prévia oitiva das autoridades impetradas".

A licitação é do tipo menor valor para contraprestação do serviço. No último dia 26 de outubro, foram abertas as propostas comerciais. O consórcio formado pelo grupo Marquise S/A, PB Construções Ltda e Abengoa Água S/A foi o que apresentou o menor valor comercial, de R$ 118,1 milhões por ano, para construção, operação e manutenção da planta de dessalinização.

Além dele, entraram a espanhola Cobra Brasil Serviços, Comunicações e Energia S/A, com R$ 119,9 milhões; o consórcio GS Inima, de capital sul-coreano, com R$ 120,4 milhões; e o consórcio composto pela Sacyr Concessões e Participações do Brasil, Sacyr Concesiones, S.L e Sacyr Agua, S.L que propôs R$ 172,9 milhões. Este último foi desclassificado por ter excedido o valor da parcela fixa, cujo teto era de R$ 5,5 milhões.

Mas as propostas também estão sendo contestadas na esfera administrativa. O prazo para apresentação de contrarrazões se encerra no próximo dia 13, de acordo com documento publicado no Diário Oficial do Estado de ontem.

A Cagece informa que, após o encerramento da fase recursal da proposta comercial, será aberto processo de habilitação do participante. A empresa ou consórcio selecionado somente será conhecido após todas as fases citadas.

Em relação à medida judicial proposta pela Ide Technologies, a Companhia de Água e Esgoto do Ceará informou que "a demanda não afeta a segurança jurídica do procedimento licitatório, uma vez que o mérito defendido é improcedente e foi devidamente contestado perante a autoridade judicial".

Em nota, a Cagece destaca ainda que é usual em licitações a possibilidade de interposição de recursos administrativos, que podem ocorrer em todas as etapas de julgamento. "A companhia acredita que a interposição de recursos enriquece a integridade da seleção, na medida em que submete as decisões administrativas ao contraditório e ampla defesa, conferindo maior transparência às decisões".

E que, da mesma forma, são comuns situações de eventual judicialização por parte de algum licitante contrário ao resultado administrativo desfavorável. "Para mitigar os riscos decorrentes da possível judicialização, a equipe técnica da Cagece observará a necessária motivação de todas as decisões, com nível de detalhamento suficiente para a plena compreensão pelos interessados. Cabe lembrar que sempre que necessário, a empresa promoverá a devida comunicação aos licitantes com indicação de todas as informações pertinentes".

Analistas que estão acompanhando a discussão acreditam que, a princípio, e considerando as razões iniciais interpostas na Justiça, a ação não deve prosperar. Já os questionamentos técnicos que foram protocolados por via administrativa são esperados em razão da própria complexidade da obra. Há uma grande expectativa, embora a Cagece não tenha dado oficialmente prazos para a resposta final, de que o resultado da licitação seja publicado até dezembro. "O que seria até razoável para um projeto desse porte", afirmou uma fonte ouvida pelo O POVO.

Já o grupo cearense Marquise, que participa do edital, afirma, em nota, que o processo está seguindo conforme o previsto e enxerga "com naturalidade a interposição de recursos".

Complementa, sobre a investida da empresa no segmento, que a dessalinização da água do mar é uma fonte alternativa para garantia e reforço hídrico, e, portanto, um bom negócio. "Essa alternativa já é adotada em muitos países pelo mundo, como Japão, Israel e Austrália, por exemplo". "Percebemos a crise hídrica há alguns anos e são poucas as possibilidades de regularização desse cenário, ainda mais com o constante crescimento da Região Metropolitana de Fortaleza", diz em nota.

Procuradas, a Ide Technologies e a GCA Energy & Water LTD não responderam até o fechamento desta edição.

Linha do tempo

2017
Uma comissão da Cagece visitou Israel para ver como são as experiências do país em dessalinização e reúso de água. À época, o Governo do Ceará já havia lançado edital público para empresas interessadas em elaborar uma planta de dessalinização no Estado. Esse edital, por sinal, foi lançado e relançado em edição bilíngue.

2018
Começaram as primeiras discussões factíveis sobre a possibilidade do Ceará ter uma usina de dessalinização na sua costa para contribuir com o abastecimento.

2019
Em evento no mês de novembro, a Cagece oficializou a intenção de lançar edital até fevereiro de 2020 para construir a usina de dessalinização. O projeto, orçado, à época, em R$ 500 milhões, seria realizado por meio de Parceria Público-Privada (PPP) e previa beneficiar 720 mil fortalezenses.

No ano passado, também foi definido que a GS Inima realizaria os estudos de viabilidade técnica. De acordo com documentos, a água do mar será captada a 2,5 mil metros da costa da Praia do Futuro. Empresas de países como França, Israel, Espanha e Coreia do Sul, inicialmente apareceram como interessadas.

2020
Em janeiro, a Cagece anunciou que já tinha em vista o lançamento do edital para este início de ano. Foi definido ainda o local para instalação: a Praia do Futuro.

No fim de abril, o edital foi finalmente lançado. O texto previa a concessão dos serviços que compreendem elaboração de projetos, construção, operação e manutenção de Planta de Dessalinização de Água Marinha na Região Metropolitana de Fortaleza com capacidade de 1m³/s. O edital ficaria aberto até 1º de setembro.

No dia 26 de outubro, foi divulgada a ata de abertura das propostas, o Consórcio Águas de Fortaleza tinha o menor valor anual de custo (R$ 118,1 milhões por 30 anos). Uma empresa, Ide Technologies LTD, comunicou que impetrou mandado de segurança para suspensão do certame, pedindo correções no edital.

Dia 4 de novembro, a empresa israelense Ide Technologies e a nigeriana GCA Energy & Water LTD ingressaram com ação na 10ª Vara Cível da Fazenda Pública da Capital questionando o edital lançado pela Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece).