O modelo de privatização – por venda de ações na Bolsa de Valores – preocupa o setor energético no que diz respeito à Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf). Responsável por décadas sobre a vazão do rio do qual recebe o nome até a criação da Agência Nacional das Águas (ANA), a transferência da expertise da Chesf na operação das usinas e no relacionamento com as comunidades ribeirinhas, trades turísticos e logísticos preocupam especialistas consultados pelo O POVO.
A razão está, inicialmente, nas incertezas sobre como será a modelagem da privatização da Eletrobras – companhia que controla a Chesf, Furnas, Eletrosul e Eletronorte –, aprovada na última segunda-feira, 21, pelo Congresso Nacional. O consultor em energia e professor João Mamede recorda que, “no passado, até se pensou em fazer leilões para privatizar a Chesf, mas se observou que isso traria grande prejuízo porque teria um compartilhamento do Rio por várias empresas”.
"Existe um aspecto que precisa ser considerado, porque a empresa pública de economia mista, como a Chesf, exerce papeis que são próprios de Estado. Eu participei da privatização da Coelce (Companhia Energética do Ceará, adquirida pela Enel), que tinha atuação semelhante. Mas, antes da privatização, essas funções foram transferidas para órgãos do Estado. É o que espero que seja feito com a Chesf", afirma Jurandir Picanço, presidente da Câmara Setorial de Energias Renováveis do Ceará.
Ele observa que, ao passar a ser uma empresa 100% privada, “a Companhia terá foco total na produtividade e o resultado com certeza vai melhorar”, mas alerta que há atividades desenvolvidas no entorno da geração de energia que precisam de um cuidado para não prejudicar a economia ao longo do Rio São Francisco. “Há navegação para turismo, pra cargas, para abastecimento das cidades e isso é um relacionamento do dia a dia”, aponta.
Os dois rechaçam, no entanto, que a privatização da Eletrobras – e consequentemente da Chesf – possa interferir na vazão das águas destinadas ao projeto da Transposição, que chega até o Ceará. Isso porque esta responsabilidade é da ANA, que também debate o custo a ser pago pelos estados do Nordeste Setentrional pelo recebimento das águas.
Sobre os detalhes da privatização, o secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados da Economia, Diogo Mac Cord, a expectativa é de conclusão da operação até fevereiro de 2022, devido a várias etapas a serem concluídas – nenhuma claramente definida. Após sanção presidencial, é que haverá a definição da modelagem do negócio pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e conclusão de estudos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Então, a operação tem que ser homologada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e também passar por aprovação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da assembleia de acionistas da própria Eletrobras. Mac Cord acrescentou que, com a privatização, haverá imediatamente injeção de recursos para a "modicidade tarifária" o que, de acordo com o governo, levará à redução de tarifas para o consumidor de energia elétrica.
Especialistas do setor, porém, argumentam o contrário, que o negócio pode gerar um aumento no custo para o consumidor.
Mamede e Picanço concordam sobre o aumento no preço de energia ao consumidor a partir da MP da Eletrobras, mas divergem sobre um dos jabutis cuja existência explica a alta: o aumento de 8 gigawatts em energia térmica. Para o consultor e professor a exigência de instalar mais usinas a gás na matriz brasileira é uma “espécie de seguro que o brasileiro está pagando para não correr o risco de desabastecimento, racionamento ou apagão”.
“As térmicas são uma questão de sobrevivência. Foi colocado térmica a gás, que tem poluente, mas não tanto como diesel. Hoje, se a gente não tivesse térmicas funcionando, estaríamos com déficit de energia e, com certeza absoluta, em 2021, teríamos uma crise energética profunda em plena pandemia”, defende.
Já Picanço classifica a decisão da câmara como “absurdo” e “passos dados para trás” no desenvolvimento do setor no País. "Vai ser energia de reserva e todo consumidor paga taxa de engargos para energia de reserva. Os deputados são tão conscientes do absurdo que criaram dificuldade para que seja vetado. O próprio presidente da câmara reconheceu se o presidente da República vetar um dos jabutis, ele veta toda a MP porque estão atrelados ao objetivo central da medida", lamentou.