A comercialização de ativos intangíveis virou uma nova fronteira de arrecadação pública no Ceará.
À frente dessa estratégia está a Companhia de Participação e Gestão de Ativos do Ceará S/A (CearaPar), que aposta agora na tokenização de créditos de água – uma medida que transforma o reúso de um recurso vital em instrumento de geração de receita e mira o desenvolvimento sustentável.
Em parceria com a Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) e com a empresa suíça Hypercube, a CearaPar assina nesta quinta-feira, 12 de junho, acordo para desenvolver a iniciativa, durante o Triplo Fórum Internacional da Governança do Sul Global, evento realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que reúne até o dia 13 de junho representantes do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) para debater temas estratégicos dos países.
Esses créditos poderão ser adquiridos por interessados, com grande uso de água, em neutralizar seu impacto ambiental. “O objetivo é fazer com que ativos públicos, como a água, gerem dinheiro para o Estado, retornando em forma de políticas públicas e desenvolvimento social”, explica Luiza Martins, diretora-presidente da CearaPar.
Em fase de formatação, o modelo inclui o desenvolvimento de aplicativos e ferramentas digitais que permitirão rastrear, por meio da tokenização, mensurar e certificar o reúso. A parceria com a suíça Hypercube, especializada em sistemas de verificação digital, é para dar credibilidade e potencial internacional à iniciativa, pois a startup já trabalha com esse ativo.
A empresa, em sua plataforma, explica que cada token gerado será publicamente rastreável, verificado por terceiros e acessível não apenas a empresas, mas também a cidadãos.
Empresas com alta pegada hídrica podem compensar diretamente seus impactos comprando tokens, enquanto parte do valor gerado será reinvestido em novos projetos ambientais.
Inspirada por modelos de governança adotados por países como China, Emirados Árabes e Índia, a empresa cearense participou do Triplo Fórum Internacional, nesta quarta-feira, 11, sobre inovação no Sul Global, com foco na gestão soberana dos dados e no combate à assimetria entre cidadãos e grandes plataformas tecnológicas.
“A era digital é baseada em dados, e esses dados pertencem ao cidadão, mas quem lucra com eles são as big techs”, argumenta Luiza Martins. “Queremos entender como estruturar um balanço de dados públicos e transformar essa inteligência em política pública — e, por que não, também em receita para o Estado.”
Parte central do debate é a releitura da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Segundo a diretora, a lei é usada com ênfase no sigilo, quando deveria ser uma ferramenta de transparência e democratização do acesso aos dados.
“Hoje a LGPD é usada quase como um escudo. Mas o objetivo dela deveria ser garantir que o titular dos dados — ou seja, o cidadão — tenha clareza e controle sobre o uso dessas informações”, afirma Martins.
A CearaPar está estruturando um programa de Cientista Chefe voltado para a governança de dados, em articulação com universidades e órgãos do poder público. A ideia é desenhar um sistema que vá além da proteção e abrace a utilização estratégica dos dados para fins sociais e econômicos.
A monetização dos ativos públicos — sejam dados ou água — está no centro da estratégia da CearaPar para reformular a relação entre governo, sociedade e setor privado. Trata-se de um modelo que pretende romper a dependência de plataformas estrangeiras, fomentando um ecossistema nacional e autônomo de inovação.
Além da parceria com a Cagece e a Hypercube, a CearaPar também articula com o IBGE e acompanha o projeto de lei do deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), que propõe um sistema público de governança algorítmica. O Ceará quer se antecipar a esse debate, consolidando-se como um dos primeiros estados brasileiros a enfrentar os desafios da economia digital.
“A lógica é simples: se o Estado pode vender um terreno, por que não pode vender um crédito de água reutilizada ou um conjunto estruturado de dados públicos?”, questiona Martins. “Não se trata apenas de arrecadar, mas de redistribuir, desenvolver e planejar o futuro com inteligência e soberania.”