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Economia criativa no Brasil movimenta R$ 100 bi e mira exportação
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Economia criativa no Brasil movimenta R$ 100 bi e mira exportação

Setor artesanal soma R$ 100 bi ao ano, sustenta milhões e busca expandir fronteiras com identidade cultural e inovação
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SETOR desponta como expressão cultural, mas também como estratégia de inserção global (Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE SETOR desponta como expressão cultural, mas também como estratégia de inserção global

O artesanato brasileiro movimenta cerca de R$ 100 bilhões por ano, sendo 3% do PIB nacional, e é fonte de renda para 8,5 milhões de pessoas, majoritariamente mulheres (77%), segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Sebrae. No Ceará, onde a tradição artesanal carrega séculos de técnicas e saberes, esse setor desponta não apenas como expressão cultural, mas também como estratégia de inserção no mercado global.

A internacionalização, porém, ainda enfrenta entraves. Exigências técnicas, certificação de matérias-primas e padronização são barreiras para artesãos que produzem em comunidades do interior. “A exportação ainda é um desafio. Temos uma parceria com a Apex-Brasil que deve se fortalecer, mas muitos países pedem detalhes como peso, medidas e origem certificada, o que dificulta para quem não dispõe desses recursos”, explica Stella Pavan, presidente do Sindieventos-CE.

A identidade como diferencial competitivo

Apesar das dificuldades, a produção artesanal cearense já cruza fronteiras. O escultor, Mestre Din Alves, natural do Cariri, expôs no Carrossel du Louvre, na França, e exporta para países como Bélgica e Estados Unidos. Suas esculturas retratam a cultura nordestina, como o Pau de Arara, e traduzem o vínculo entre memória, território e identidade.

“Não é só vender — é ocupar espaços de reconhecimento. Para nós, artesãos do sertão, a chance de mostrar o trabalho fora do país é também valorizar nossas raízes”, afirma. Din já projeta um museu na Chapada do Araripe para preservar e difundir a arte popular da região.

A ceramista Ana Clara Cabral, também cearense, iniciou a carreira há menos de um ano e já tem peças em lojas colaborativas em São Paulo e no Museu do Masp.

Seus acessórios de cerâmica de alta temperatura, criados a partir de intuição e experimentação, têm atraído compradores de outros estados. “O que mais importa é o contato com lojistas e galerias. Isso abre portas no mercado e ajuda a mostrar que a cerâmica feita no Ceará pode estar em qualquer vitrine do mundo”, diz.

Cultura e economia interligadas

A valorização do design e do acabamento diferencia o artesanato cearense no cenário nacional. Instituições como Ceart, Senac e Sebrae têm promovido parcerias entre artesãos e designers, o que transforma técnicas tradicionais em produtos de alto valor agregado, sem perda da identidade cultural. Essa combinação impulsiona tanto o consumo interno, quanto o interesse de compradores internacionais.

O artesanato de barro de Cascavel, as rendas de bilro do litoral e a escultura popular do Cariri são exemplos de como a tradição local se torna ativo econômico. Mas, como lembra Stella Pavan, é preciso avançar na formalização para consolidar a presença global. “O Ceará tem condições de disputar mercado internacional. O diferencial é que o trabalho carrega identidade e história, o que nenhum outro produto consegue replicar.”

O brilho do capim dourado que encanta diferentes lugares.

Do sertão do Tocantins para vitrines da Europa, o capim dourado se tornou matéria-prima de identidade e renda. A planta, sempre-viva, só pode ser colhida entre 20 de setembro e 20 de novembro, um período curto que define o ritmo da produção e exige planejamento rigoroso dos artesãos.

É nesse intervalo que os fios luminosos ganham forma, transformados em bolsas, biojoias, jarros e mandalas que carregam não apenas beleza, bem como a marca da identidade cultural tocantinense.

Uma das responsáveis por difundir essa tradição é Eliene Bispo, de Dianópolis. Depois de trabalhar com buffet de casamentos e como manicure, ela descobriu no artesanato um caminho definitivo. “Logo percebi que as peças poderiam ser uma fonte de renda. Hoje o artesanato é meu principal sustento”, conta.

Integrante de uma associação com 13 artesãos, Eliene já exportou para países como França, Itália, Bélgica e Irlanda. Em 2024, levou suas peças a uma feira na Colômbia; no ano seguinte, chegou a Portugal e Argentina. O desafio, todavia, é lidar com o aumento do custo da matéria-prima: o quilo do capim, antes vendido a R$ 80, pode hoje alcançar R$ 200.

Ainda assim, a qualidade mantém espaço no mercado. “Já aconteceu de um comprador francês pagar mais caro pelas minhas peças e perceber que elas vendiam melhor do que produtos mais baratos”, relata.

A força do trabalho coletivo também é um diferencial. No modelo da associação, cada artesão é independente, mas centraliza as vendas com Eliene, que retém 15% para despesas e repassa o restante. “Esse sistema permite que todos cresçam juntos, sem relação de emprego, mas com colaboração coletiva.”

Artesanato como linguagem de recomeço

Socorro Vieira já viu de perto o que é sofrer uma traição e levantar mais forte. Do episódio difícil no casamento nasceu a coragem para recomeçar. Foi no barro que encontrou terreno firme: o artesanato virou sustento, autoestima e palco para expor não só seu trabalho, mas também o do namorado, que atua com madeira. “Levei um grande golpe na vida pessoal, mas consegui me reerguer à maneira nordestina, através do artesanato”, diz, com o orgulho de quem transformou dor em peça única.

Na Fenacce, Socorro não caminha só. Junto dela vieram três amigas que também fizeram do ofício um recomeço. Jeane, por exemplo, retomou o crochê em plena pandemia — “para não enlouquecer com o ócio”, como conta. O passatempo virou terapia, depois negócio: hoje, produz bolsas, artigos de decoração e peças para quarto de bebê.

Graça Souza seguiu outro fio: o do cacau. Nos dez anos em que morou no Pará, conheceu famílias ribeirinhas que produziam chocolate artesanal sem energia elétrica. O encanto virou profissão.

Depois de quebrar liquidificadores e batedeiras, investiu no maquinário certo e hoje, de volta à Paraíba, fabrica barras em diferentes porcentagens de cacau. Já começou até a plantar a própria lavoura para, em breve, ter um chocolate totalmente paraibano, “do pé à barra”.

Reidalva Menezes, por sua vez, transformou um acidente em virada de página. Psicóloga de formação, ficou sem andar após quebrar a coluna. O tempo de recuperação abriu espaço para estudar fitoterapia. Daí surgiram pomadas, sabonetes e perfumes autorais, criados com insumos sustentáveis e embalagens biodegradáveis. “Minha produção é pequena, mas totalmente consciente. Cada perfume é único, desenvolvido por mim com muito cuidado”, explica.

Entre barro, linhas, cacau e ervas, o que une essas quatro mulheres é mais do que o talento: é a amizade. Conheceram-se em feiras, foram se encontrando nas mesmas exposições e acabaram formando uma rede de apoio.

Hoje, dividem estandes, histórias e risadas. “Além de colegas de feira, somos grandes amigas”, resume Reidalva. Juntas, provam que o artesanato pode ser ferramenta de sustento, mas também de cura, coragem e afeto coletivo.

Produtores brasileiros estão parando de produzir carne para exportar aos EUA | O POVO News

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