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Citações à Bíblia e voto forte de Mendes marcam sessão sobre abertura de templos
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Citações à Bíblia e voto forte de Mendes marcam sessão sobre abertura de templos

A Suprema Corte remota nesta quinta-feira julgamento sobre abertura ou não de templos religiosos em meio a pior fase da pandemia no Brasil
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Gilmar votou contra liberar cultos e missas durante pico da pandemia (Foto: Divulgação STF)
Foto: Divulgação STF Gilmar votou contra liberar cultos e missas durante pico da pandemia

Depois de um longo voto do ministro Gilmar Mendes, nessa quarta-feira, 7, foi suspensa a sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) que começou a julgar a abertura ou não de templos religiosos católicos e evangélicos durante o pior momento da pandemia de Covid-19 no Brasil, com escalada do número de infectados e mortos. A apreciação do caso recomeça nesta quinta-feira, 8.

A Suprema Corte julga a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 811, ajuizada pelo PSD, contra o decreto estadual aplicado em São Paulo que suspende a realização presencial destes cultos religiosos como forma de contenção do vírus. Na prática, se maioria for formada em prol da abertura das igrejas, a medida deve se estender a todo o País.

A análise sobre a realização de missas e cultos presenciais em plena pandemia ocorre após Gilmar e o ministro Kassio Nunes Marques tomarem decisões conflitantes sobre o assunto.

No último sábado, 3, Nunes Marques, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), decidiu, individualmente, pela liberação das atividades religiosas de forma presencial. A decisão atendeu a um pedido feito em junho do ano passado pela Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure).

Na contramão de Nunes Marques, dois dias depois, Mendes, relator de ação protocolada pelo PSD, em março, contra o decreto do Estado de São Paulo que proibiu as reuniões religiosas durante as fases mais restritivas do plano de combate à Covid-19, negou pedidos do partido e do Conselho Nacional de Pastores do Brasil para derrubar o decreto do governo paulista.

Citações à Bíblia e "carão" de Fux

A sessão começou com citações à Bíblia do advogado-geral da União, André Mendonça, para quem a vida cristã ocorre em comunidade. Na sustentação, ele recorreu mais ao texto bíblico do que ao constitucional. Mencionou o evangelho de São Mateus, precisamente no ponto em que Jesus Cristo diz que "por onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estarei em nome deles'."

As autoridades sanitárias têm insistido, por outro lado, que reuniões de duas, três ou mais pessoas devem ser evitadas, de modo a atenuar o poder de contágio da Covid-19.

"Ser cristão, na sua essência, é viver em comunhão não apenas com Deus, mas também com o próximo, ser cristão é estar junto ao próximo, é ter compaixão do próximo", destacou Mendonça.

O ministro André Mendonça se amparou na Bíblia para defender a abertura de cultos pelo País.
O ministro André Mendonça se amparou na Bíblia para defender a abertura de cultos pelo País. (Foto: Reprodução/TV Justiça)

Sob a forma de amicus curiae ("amigos da corte", não diretamente envolvidos na causa, mas interessados nela), outros advogados falaram após Mendonça, e de modo similar.

Um deles, Luiz Gustavo Pereira da Cunha, advogado do PTB de Roberto Jefferson, levou carão de Luiz Fux, presidente da Corte, por ter dito que os ministros contrários à abertura dos templos "não sabem o que fazem", numa referência a Cristo em Lucas 23:34. "Eu repugno essa invocação graciosa da lição de Jesus", reagiu o ministro.

Ministro Luiz Fux
Ministro Luiz Fux (Foto: Divulgação STF)

Único ministro a votar, o relator Mendes fez duro encaminhamento na direção contrária à dos advogados. No início da leitura, se dirigiu em tom irônico especificamente a Mendonça para dizer ter tido a impressão de que o ministro do governo Bolsonaro havia caído naquela sessão de Marte. 

Mendes fez longa explanação sobre o que a Constituição Federal preceitua sobre a liberdade religiosa e de culto no País. "Pois bem, delimitado esse âmbito de proteção da liberdade religiosa, indaga-se: o decreto do estado de São Paulo, de alguma maneira, impediu que os cidadãos respondam apenas à própria consciência em matéria religiosa?", indagou.

"O Brasil, que já foi exemplo em atividades de saúde pública, de política de vacinação, eu falei do trabalho contra a Aids, realizado pelo ministro da Saúde Serra (José Serra, ex-ministro do governo FHC), hoje estamos nessa situação altamente constrangedora. Como queria o ex-chanceler Ernesto Araújo que nós nos transformássemos num pária internacional. Ele produziu essa façanha. Nos tornamos esse pária internacional no âmbito da saúde", disse Gilmar.

Gilmar também chamou de "surreal" os argumentos de que o fechamento temporário de eventos coletivos em templos religiosos "teria algum motivo anticristão".

A tendência é que o plenário do STF reafirme o entendimento de que os Estados e municípios têm autonomia para estabelecer medidas restritivas baseada em decisões anteriores de outros ministros e do plenário da Corte, em abril de 2020, que definiu que além do governo federal, os governos estaduais e municipais têm poder para determinar regras na pandemia.

Conflito de direitos fundamentais

Cynara Mariano, professora de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC), analisa que "direito à saúde e liberdade religiosa são duas normas constitucionais que veiculam direitos fundamentais, os quais possuem a mesma hierarquia." 

"Havendo conflitos entre direitos fundamentais", ela lembra, "deve-se fazer uma ponderação entre eles pra ver qual deve prevalecer no caso concreto. Essa é uma técnica de decisão judicial chamada ponderação, para resolver conflitos entre normas constitucionais de mesma hierarquia".

Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Vladimir Feijó avalia que as sustentações devem ter no Direito sua fonte principal. Textos de outras áreas, conforme explica, podem ser adicionados para reforçar um argumento de natureza jurídica.

"Fugiu bastante ao que a gente entende de técnica jurídica. (...) O Mendes, de alguma forma, tentou ponderar que os direitos não são absolutos."

 

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