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Sessão histórica do impeachment de Dilma completa cinco anos
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Sessão histórica do impeachment de Dilma completa cinco anos

Cinco anos atrás, a Câmara dos Deputados autorizava o impeachment de Dilma Rousseff em sessão que duraria quase dez horas
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 VOTAÇÃO  na Câmara ocorreu em um domingo, 17 de abril de 2016 (Foto: NILSON BASTIAN/Câmara dos Deputados)
Foto: NILSON BASTIAN/Câmara dos Deputados VOTAÇÃO na Câmara ocorreu em um domingo, 17 de abril de 2016

Passava das 23 horas de domingo, 17 de abril de 2016, quando o deputado federal Bruno Araújo (PSDB-PE) se posicionou para votar num plenário da Câmara repleto. Cercado de aliados, o tucano proferiu o 342º voto necessário para autorizar o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), acusada de cometer crime de responsabilidade ao praticar as chamadas “pedaladas fiscais”.

Sob gritos de “tchau, querida” e apupos das poucas vozes contrárias, Araújo discursou: “Senhor presidente, quanta honra o destino me reservou de poder da minha voz sair o grito de esperança de milhões de brasileiros”. Então deputado, Eduardo Cunha (MDB-RJ) presidia a sessão.

O parlamentar pernambucano faz uma pausa dramática. Em seguida, retoma a fala: “Senhoras e senhores, Pernambuco nunca faltou ao Brasil. Carrego comigo nossas histórias de luta pela liberdade e pela democracia. Por isso, eu digo ao Brasil ‘sim’ pelo futuro”.

 

Dali em diante, era o próprio futuro de Dilma que estava selado. Ao cabo das mais de nove horas de votação, o placar favorável ao afastamento da petista seria ainda mais elástico: 367 deputados se manifestaram pela deposição da chefe do Executivo, ante 137 que rejeitaram a autorização para que o processo tivesse continuidade no Senado (a presidente precisava de 172 para barrar o impeachment).

Das mais de três centenas de votos contra Dilma, nove saíram de deputados federais do Ceará – quase metade da bancada de 22 parlamentares (desse total, apenas uma se absteve, Gorete Pereira, e um se ausentou, Aníbal Gomes). Outros 11 congressistas do estado votariam contra.

Embora dentro do rito estabelecido para o julgamento de um presidente a votação na Câmara tivesse apenas permitido o andamento do caso, já que cabia ao Senado efetivamente julgar a mandatária, aquela sessão de 17 de abril demarcou a história recente do Brasil.

Não apenas pelo teor dos discursos dos deputados presentes, que se revezaram na tribuna dedicando os votos à família e aos eleitores de seus estados, mas também porque, exatamente cinco anos atrás, ninguém suspeitava de que um daqueles representantes do baixíssimo clero legislativo viria a se tornar presidente da República.

Sessão do impeachment da presidente Dilma Rousseff na Câmara, no dia 17 de abril de 2016
Foto: Antônio Augusto/Câmara do Deputados
Sessão do impeachment da presidente Dilma Rousseff na Câmara, no dia 17 de abril de 2016

Naquele dia, Jair Bolsonaro, à época no PSC, começava sua marcha rumo ao Planalto. Ao votar, provocou a ira de petistas e outros parlamentares defendendo explicitamente um torturador do regime militar.

“Perderam em 1964. Perderam agora em 2016”, começava Bolsonaro, acrescentando depois: “Pela família e pela inocência das crianças em sala de aula, que o PT nunca teve. Contra o comunismo, pela nossa liberdade, contra o Foro de São Paulo, pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff. Pelo Exército de Caxias, pelas nossas Forças Armadas, por um Brasil acima de tudo e por Deus acima de todos, o meu voto é ‘sim’”.

Brasilia em 17 de abril de 2016, O entao deputado Jair Bolsonaro, declara seu voto no processo de impeachment de Dilma Rousseff. (Foto Reproduçao / Tv Camara)
Foto: Reproduçao
Brasilia em 17 de abril de 2016, O entao deputado Jair Bolsonaro, declara seu voto no processo de impeachment de Dilma Rousseff. (Foto Reproduçao / Tv Camara)

Professor e cientista político da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Emanuel Freitas avalia que se pode olhar para aquela sessão como um divisor de águas. “A votação foi o encerramento de um fato e o início de outro”, pontua.

“Aquele dia encerra a eleição de 2014, de alta competitividade e quase vitória do Aécio. E isso (impeachment) se deu por um rearranjo de forças sociais e econômicas que haviam se acomodado no governo do PT e do Lula e que, naquela eleição, já vinham ensaiando uma mudança de rumo”, considera.

Essa mudança se efetivaria em 2018. Para ele, foi “muito simbólico que o voto definitivo tenha vindo de um deputado do PSDB”, porque “finaliza a eleição anterior, dando vitória aos grupos que perderam, e inicia a eleição de Bolsonaro e a virada do Brasil à direita”.

 

Ainda de acordo com Freitas, foi “Bolsonaro quem primeiro performatizou aquela agenda” pós-impeachment, “principalmente dos setores mais conservadores”.

O estudioso conclui: “Como essas forças que desembarcaram do governo do PT e deram sustentação ao governo Temer não se encontraram no PSDB, se acharam no candidato Jair Bolsonaro”.

Plenário do Senado Federal durante sessão deliberativa extraordinária para votar a Denúncia 1/2016, que trata do julgamento do processo de impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff por suposto crime de responsabilidade.         Caption
Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado
Plenário do Senado Federal durante sessão deliberativa extraordinária para votar a Denúncia 1/2016, que trata do julgamento do processo de impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff por suposto crime de responsabilidade. Caption

Líder do governo Dilma na Câmara, o deputado cearense José Guimarães (PT) fala sobre aquele 17 de abril. “As consequências desse episódio estão vindo agora. Cinco anos se passaram, temos um país dilacerado, sem rumo, que produziu esse monstro que hoje governa”, defende.

Um dos que votaram a favor da saída de Dilma, o ex-deputado federal Cabo Sabino, então filiado ao PR, não se arrepende de sua decisão. “Ali foi momento de passar a limpo. Existia crime de responsabilidade, impopularidade alta. Tudo isso foram fatores para a Câmara determinar. Se fosse hoje, votaria do mesmo jeito”, admite.

Adail Carneiro e demais parlamentares cearenses almoçaram com a então presidente e com o governador Camilo Santana para demonstrar apoio à petista dois dias antes da sessão histórica. Adail votou pelo impeachment
Adail Carneiro e demais parlamentares cearenses almoçaram com a então presidente e com o governador Camilo Santana para demonstrar apoio à petista dois dias antes da sessão histórica. Adail votou pelo impeachment

Por onde andam os cearenses que votaram a favor do impeachment na Câmara

Dos nove deputados do Ceará que votaram a favor do impeachment de Dilma Rousseff (PT) cinco anos atrás, em 17 de abril de 2016, apenas dois seguem com mandato hoje – três se se considerar um suplente que se tornou titular recentemente.

Primeiro a votar da bancada do estado naquele domingo, Adail Carneiro, então no PP, começou seu voto se desculpando: “Gostaria de pedir licença a todos os parlamentares para reconhecer o trabalho belíssimo que o ex-presidente Lula fez. Quero pedir desculpas a ele, ao ex-governador Cid Gomes, à presidenta Dilma, ao governador Camilo Santana, mas eu não posso deixar de atender aos pedidos que chegam a mim pelas redes sociais”.

Em seguida, Adail votou sim para “que nós demos uma nova oportunidade ao povo brasileiro”. Não reeleito em 2018, ele foi preso em flagrante por lavagem de dinheiro em novembro do ano passado. Com ele, a Polícia Federal encontrou quase dois milhões de reais em espécie. Uma precaução contra possível greve de bancos, segundo disse em depoimento.

Adail é um caso extravagante, já que, no dia anterior ao da sessão que autorizaria o afastamento, havia estado pessoalmente com Dilma e, conforme relatos, lhe prometera votar contra a deposição da petista. Na hora H, contudo, pulou fora.

Adail Carneiro e demais parlamentares cearenses almoçaram com a então presidente e com o governador Camilo Santana para demonstrar apoio à petista dois dias antes da sessão histórica. Adail votou pelo impeachment de Dilma Rousseff
Foto: Roberto Stuckert Filho/Presidência da República
Adail Carneiro e demais parlamentares cearenses almoçaram com a então presidente e com o governador Camilo Santana para demonstrar apoio à petista dois dias antes da sessão histórica. Adail votou pelo impeachment de Dilma Rousseff

Outros oito deputados também foram favoráveis ao afastamento: Cabo Sabino (PR), Danilo Forte (PSB), Genecias Noronha (SD), Moroni Torgan (DEM), Moses Rodrigues (PMDB), Raimundo Gomes de Matos (PSDB), Ronaldo Martins (PRB) e Vitor Valim (PMDB).

Moroni, por exemplo, votou assim: “Contra o golpe, pelo estado democrático de direito, pela Constituição, pela pátria, pelos maravilhosos cearenses que confiam em mim, eu voto ‘sim’”. Sinalizou que defenderia Dilma, mas foi a favor do impeachment.

Cabo Sabino brincou: “Presidenta Dilma, vossa excelência está sentindo o que 10 milhões de brasileiros sentiram quando receberam o aviso prévio de perda dos seus empregos. Vossa excelência também está perdendo o seu emprego. Tchau, querida, não precisa voltar!”. E pespegou o “sim”.

Todos os deputados e ex-deputados que votaram a favor do afastamento de Dilma Rousseff foram procurados pelo O POVO (à exceção de Adail Carneiro, que está preso, e Moses Rodrigues, hospitalizado), mas somente Cabo Sabino respondeu a perguntas da reportagem.

Então filiado ao PR, Sabino não se arrepende de sua decisão. “Ali foi momento de passar a limpo. Existia crime de responsabilidade, impopularidade alta. Tudo isso foram fatores para a Câmara determinar. Se fosse hoje, votaria do mesmo jeito”, admite.

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