A tranquilidade retornou às manhãs dominicais da Paróquia da Paz, localizada no bairro Aldeota, em Fortaleza, nesta semana. O padre Lino Allegri, 82, celebrou uma missa ontem, 25, após dias de tensão provocada por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Lino e o padre Oliveira Braga Rodrigues tornaram-se alvos de ataques dos bolsonaristas há cerca de duas semanas; sofrendo ameaças e tendo, inclusive, os nomes adicionados ao Programa de Proteção a Defensoras e Defensores dos Direitos Humanos do governo do Estado.
A celebração de domingo, que contou com um público dentro dos 60% da capacidade prevista em decreto estadual, ocorreu de maneira tranquila e sem interferências externas; dando ares de normalidade à homilia. Do lado de fora, pelo menos duas viaturas da Polícia Militar faziam a segurança; uma vaga lembrança dos dias turbulentos vividos pela paróquia durante este mês.
Durante a missa, padre Lino evitou falar diretamente de questões políticas ligadas ao atual governo e, em um dos sermões, foi aplaudido de pé por parte dos fiéis presentes no local. Ao O POVO, Lino Allegari disse que sua presença não tratava-se de um retorno, mas de uma "continuação" e que a missa do último domingo já estava programada há um mês.
"O que aconteceu é um fato lamentável, porque não envolve só a gente, envolve a paróquia toda (...) eu espero que essa situação de sofrimento possa passar para que a gente não perca a esperança e a coragem e que na paróquia se crie novamente a paz e o respeito", afirmou. Sobre a divergência de opiniões, o religioso defendeu o diálogo como ferramenta de resolução. "Espero que mesmo nas diversidades de opiniões, que são naturais, mesmo nessas diferenças, saibamos encontrar o caminho do entendimento, do diálogo e da fraternidade. Se nós cristãos não sabemos dialogar, o que podemos exigir dos outros?", reforçou.
Vanilo de Carvalho, 52, presidente da comissão de Justiça e Paz da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) preferiu destacar o lado "positivo" do caso. Após a celebração ele destacou que a manifestação de Lino e sua repercussão resultaram em uma "reflexão" geral. "O sermão onde ele sofreu o primeiro ataque foi um sermão fundamentado no evangelho. Uma percepção através da ótica do evangelho. Isso é a comunhão que encontramos e buscamos, essa defesa que provoca reflexão e a partir daí mudança de atitudes", explica.
Sobre a possibilidade de novas hostilização ao padre, Carvalho aponta que a igreja está inserida dentro do atual contexto brasileiro e defende uma resposta na contramão da intolerância. "Estamos num contexto de discurso de ódio, do discurso do 'nós contra eles', então acho que é possível que tenham outros atos contra o padre. Espero que não ocorram, mas nós da igreja, defendemos uma resposta contrária à agressão e ao ódio", encerra.
Um dos fiéis presentes na celebração de ontem, o professor da rede Estadual de ensino, Jean Eduardo Paiva, 56, apontou para a lição dada pelo padre. "Padre Lino é sinônimo de coragem. Se olharmos a idade dele, notamos o cansaço. Mas a resiliência e o exercício de amor e fé que ele pratica o fazem superar tudo isso", defendeu.
O magistério criticou ainda aqueles que se dizem cristãos e promovem ataques a um religioso em idade avançada. "Fico pensando que cristandade é a nossa que tem coragem de atacar um senhor dessa idade numa sacristia? E sim, foi um ataque, porque o padre tem a liberdade de se expressar. O que está ocorrendo é um retrocesso civilizatório muito grande. É um momento de reflexão, mas ainda estou sem entender essas intervenções", relata.