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O ciclo Ferreira Gomes acabou?
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O ciclo Ferreira Gomes acabou?

Crise no PDT e rompimento entre irmãos são os sinais mais eloquentes de que o ciclo dos Ferreira Gomes chegou ao fim no Ceará
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FORTALEZA,CE,BRASIL,03.03.2016: Cid Gomes,ex-governador do Ceará, Ívo Gomes, Ciro Gomes, ex-ministro, Carlos Lupi, Presidente Nacional do PDT. Evento de filiação em massa, no clube Naútico, de grupo político para o Pártido Democrático Trabalhista (PDT) no Ceará. (fotos: Tatiana Fortes/ O POVO) (Foto: TATIANA FORTES)
Foto: TATIANA FORTES FORTALEZA,CE,BRASIL,03.03.2016: Cid Gomes,ex-governador do Ceará, Ívo Gomes, Ciro Gomes, ex-ministro, Carlos Lupi, Presidente Nacional do PDT. Evento de filiação em massa, no clube Naútico, de grupo político para o Pártido Democrático Trabalhista (PDT) no Ceará. (fotos: Tatiana Fortes/ O POVO)

Entre a eleição de Ciro Gomes para a Prefeitura de Fortaleza em 1988 e a quarta candidatura à Presidência da República, no ainda mal digerido ano de 2022, mais de três décadas se passaram.

Nesse intervalo, o irmão mais velho dos Ferreira Gomes foi, além de deputado estadual e gestor da Capital, também governador, ministro, deputado federal e secretário da Saúde do Estado.

No mesmo período, Cid, irmão de Ciro, cumpriu um roteiro parecido: foi deputado estadual, presidente da Assembleia Legislativa, prefeito de Sobral, governador por duas vezes, ministro e senador. Lia Gomes, a irmã, é deputada estadual. Ivo, outro irmão com mandato, ocupa o Executivo de Sobral depois de ter passado pela Assembleia Legislativa do Estado (Alece).

Em 33 anos de atuação, a família – ou clã – ajudou a desenhar a política cearense, moldando-a de acordo com os movimentos que orientavam o futuro do grupo. A partir de 2006, quando Cid foi eleito governador, começou o período de hegemonia dos Ferreira Gomes na política do Estado.

Desde o ano passado, porém, há sinais de que esse ciclo se esgotou, conforme analisam pesquisadores ouvidos pelo O POVO. Um desses indícios seria a perda de influência dos irmãos, notadamente de Ciro, cuja performance eleitoral mais recente já o levou a brincar dizendo que ficou “falando sozinho”.

Cid, que alavancou a candidatura de Roberto Cláudio à Prefeitura em 2012 e elegeu Camilo Santana como sucessor no Governo do Estado dois anos depois, agora divide o poder com outros atores, entre os quais o governador Elmano de Freitas, eleito em primeiro turno, e o próprio Camilo, alçado a senador e hoje ministro da Educação do governo Lula.

O cenário de 2023, então, parece consolidar o ocaso do domínio da família, que é simbolizado na disputa interna pelo comando do PDT. Hoje rompidos, Cid e Ciro apoiam alas diferentes do partido, que postulam a direção da legenda no estado. Antes coeso, o grupo se fragmentou.

Cid deflagrou um movimento para tomar o comando do PDT no Ceará de André Figueiredo. Ciro se opõe e respalda o atual presidente estadual e nacional da legenda. O senador convocou uma reunião do diretório estadual, que Figueiredo afirma ser ilegal.

“Todos os indicativos são de que o ciclo está se encerrando”, avalia Monalisa Torres, cientista política e professora da Universidade Estadual do Ceará (Uece).

Para ela, há elementos que caracterizam um ciclo político: a imagem-síntese, a unidade, a ausência de oposição consistente e, mais importante, a liderança em torno de quem uma base ampla vai se organizar.

Foi precisamente esse desenho, que existiu nos anos de Cid e Ciro sob a liderança de ambos, que se desfez.

“Considerando os ciclos políticos cearenses”, diz Torres, “quais são os elementos importantes para a observação: um líder que coordena o grupo, tem o poder de aglutinar e capacidade de acomodar aliados, resolver conflitos e preparar as chapas majoritárias”.

Segundo a pesquisadora, cabe a esse líder, entre outras tarefas, “controlar a coalizão do ponto de vista da organização interna para disputar as eleições”, uma função pela qual é reconhecido.

Um exemplo disso foi o chamado ciclo do “tassismo”, cujo protagonismo se deve ao ex-senador e ex-governador Tasso Jereissati (PSDB), mas também o ciclo do “juracismo” em Fortaleza, representado pela figura do então prefeito Juraci Magalhães.

“Esse chefe político transcende a questão partidária. No ‘tassismo’, para além da força do PSDB, tínhamos um vínculo grande muito mais à pessoa do Tasso do que ao partido. Assim como foi o Cid, até porque ele transitou por vários partidos. É a figura da pessoa política, o líder que aglutina, mobiliza e coordena”, reitera a professora, para quem a “ausência do chefe” é um sinal enfático de que o ciclo dos Ferreira Gomes se exauriu.

O que demarca um ciclo político?

De acordo com a professora Monalisa Torres (Uece), alguns pontos devem ser observados para se caracterizar um ciclo político. Entre eles estão:

A presença de um líder

“Considerando os ciclos políticos cearenses, quais são os elementos importantes: um líder que coordena o grupo, em torno do qual as lideranças menores orbitam, que tem o poder de aglutinar e capacidade de acomodar aliados, resolver conflitos e preparar as chapas majoritárias. É quem controla a coalizão do ponto de vista da organização interna disputar as eleições. E é quem é reconhecido e leva consigo essas lideranças”

Situacionismo vertical

“Um segundo aspecto é a capacidade de construção de uma rede política não só para baixo, mas para cima também, que a gente vai chamar de situacionismo verticalizado. Esse chefe é importante do ponto de vista regional e estadual, mas é ele que faz a ponte para a arena federal. Ele tem esse alinhamento ao governo federal, do qual ele também recebe suporte e auxílio. Faz parte da sua rede política. E para baixo, com os prefeitos”

Falta de oposição

“Há também o aspecto da ausência de oposição ou de uma oposição frágil. O líder é tão forte e consegue acomodar tantos aliados e fazer acordos, tem uma habilidade tão grande na arte da chefia, que é difícil ser oposição, dado esse domínio”

A marca

“E tem a imagem-marca, que imprime para aquele período histórico um programa político ou modo de fazer política que personifica o líder no ciclo. Tem o ‘tassismo’ e a era Ferreira Gomes. Por que é era Ferreira Gomes? Porque não é um líder único que ocupa esse lugar, mas o clã, sobretudo na figura dos irmãos Ciro e Cid”

Principais ciclos políticos do Ceará

Ciclo dos coronéis, durante a ditadura militar, que se encerra apenas na década de 1980 e do qual fazem parte Adauto Bezerra, Virgílio Távora e Cesar Cals

Ciclo mudancista ou era Tasso, que se segue ao dos coronéis, protagonizado por Tasso Jereissati, eleito governador em 1986, sendo novamente eleito em 1995 e reeleito em 1998, cargo do qual sairia para postular cadeira no Senado

Ciclo do “juracismo”, representado pelo prefeito de Fortaleza Juraci Magalhães (1931-2009), eleito vice de Ciro Gomes. O gestor assumiria com a saída de Ciro para disputar o Governo do Estado no início dos anos de 1990, como sucessor de Tasso. Em seguida, Juraci elege Antonio Cambraia, mas volta ao fim do mandato para concorrer. É eleito prefeito em 1996 e reeleito em 2000

Ciclo dos Ferreira Gomes, formado pelos irmãos Cid, Ciro e Ivo Gomes, todos com passagem pelo Executivo. Ciro foi prefeito, governador, ministro e secretário; Cid foi prefeito, governador e ministro. Ivo foi deputado e hoje comanda a Prefeitura de Sobral. Ao grupo se pode acrescentar Lia Gomes, deputada estadual

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