Se no início do ano os investimentos políticos do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, visavam a aprovação do que ele batizou de pacote anticrime, agora o ex-juiz busca fazer com que a matéria, constituída por três projetos de lei, não perca a essência ou seja desidratada.
O conjunto de medidas anticorrupção, de combate ao crime organizado e crimes eleitorais foi apresentado por ele no dia 4 de fevereiro, no formato de um único texto. Posteriormente, num movimento estratégico, fatiado em três. O propósito foi viabilizar a aprovação de parte, caso o todo fosse inviável, como as ações dos deputados vêm confirmando ser.
Uma das alegações apontadas pelo então juiz para largar a magistratura, após 22 anos, foi a de promover evoluções na legislação anticorrupção. Assim, na defesa da sua maior cartada enquanto ministro, foi à Câmara dos Deputados para audiências públicas, buscou a "bancada da bala".
Conseguiu tornar o deputado Capitão Augusto (PL-SP), de perfil morista, relator de um grupo de trabalho que analisa a proposta na Casa. Mais recentemente, divulgou junto ao Governo Federal publicidade para difundir boa imagem do projeto. O Tribunal de Contas da União (TCU) suspendeu a publicidade, orçada em R$ 10 milhões, sob argumentação de que a matéria ainda será discutida pelo Legislativo.
Augusto, que não falou com O POVO após ligações telefônicas e mensagens por WhatsApp, disse a veículos de imprensa que 25% "substanciais" das propostas foram retiradas.
Há a possibilidade de o texto ir direto a plenário, sem passar por comissões. É quando o ministro espera que emendas reconfigurem o texto, adequando-o ao desenho inicial. Outro caminho seria fatiar novamente o projeto, levando alterações do Código de Processo Penal, por exemplo, às comissões, e votando o que for mais simples de ser aprovado.
Estudiosos ouvidos destacaram falta de traquejo político do ministro, agravado pelo aparente abandono de membros do Planalto a ele e ao projeto, sobretudo o presidente Jair Bolsonaro (PSL). O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), por sua vez, subiu o tom contra o ministro. "Tenta, como sempre, a estratégia permanente dele, a estratégia de um pouco de pressão, de tentar acuar as instituições democráticas deste país", disse à Folha de S. Paulo e Uol.
"É interessante registrar que o governo não faz defesa ferrenha do pacote e ele (Moro) mostrou que não tem habilidade política no trato com os líderes partidários", aponta o cientista político e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Cleyton Monte.
"Para aprovar pacote desta dimensão, você tem de passar todas as esferas: ter o apoio do Executivo, dos ministros. Impressão é que parte do Executivo não se envolve diretamente", adicionou, recordando o envolvimento de Onyx Lorenzoni (Casa Civil) na aprovação da reforma da Previdência.
Docente da Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP), o cientista político Rodrigo Prando analisa que Moro foi transformado, paulatinamente, em "microministro", numa comparação com o momento no qual disse "sim" a Bolsonaro. Para ele, ao transferir o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para a pasta de Paulo Guedes, o presidente desautorizou o ministro.
Este processo de apequenamento, no entanto, se acontece no Poder Executivo, não ocorre na opinião pública. "Me parece, inclusive, que o Bolsonaro, sabendo disso, vê nele um concorrente em 2022."