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Combater o assédio em escolas requer mudanças culturais
Reportagem

Combater o assédio em escolas requer mudanças culturais

O POVO lança hoje, no jornal impresso, série sobre assédio nas escolas por três sextas-feiras seguidas. A abordagem do conteúdo a seguir traz questões culturais que mascaram e até ignoram essa violência e a visão de professores e de outros profissionais da educação frente ao tema
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Ilustração de Domitila Andrade para a série Assédio em escolas. A reportagem completa no OP  traz várias peças da repórter e ilustradora (Foto: Domitila Andrade)
Foto: Domitila Andrade Ilustração de Domitila Andrade para a série Assédio em escolas. A reportagem completa no OP traz várias peças da repórter e ilustradora

Toques não solicitados, cantadas, elogios inadequados sobre o corpo e tentativa de roubar um beijo são algumas situações enfrentadas por estudantes no ambiente escolar. Algumas vezes, essas atitudes partem de quem deveria educá-los e inclusive orientar sobre questões envolvendo sexualidade: os próprios professores. Relatos de situações como essas, vividas por meninas e mulheres de Fortaleza e de outras cidades, foram denunciadas em junho de 2020 nas redes sociais pela hashtag #exposedfortal, rompendo o silêncio sobre assunto pouco discutido.

Apesar da falta de discussão quanto à temática, esta sempre surge em pesquisas que estudam a violência nas escolas. A recorrência com que se deparou com denúncias de estudantes até causou espanto quando a socióloga Miriam Abramovay realizou um estudo com 25 escolas públicas em Fortaleza entre 2016 e 2017. Coordenadora da área de Juventude e Políticas Públicas da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso Brasil), a professora aponta que o assédio sexual é "completamente diferente" de outros tipos de violência nas escolas.

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Tabu: assédio em escolas

Os dilemas das escolas

"É um tipo de violência muito agressivo, porque é de adultos contra adolescentes e jovens. Existe uma diferença de idade, uma diferença de sexo, com a visão de masculinidade e de gênero, de força e de poder (em) que muitas vezes essas meninas estão absolutamente à deriva dessas questões." Vivenciar esse tipo de situação pode ocasionar diversos impactos para os estudantes, uma vez que a adolescência é um período de vulnerabilidade.

O processo de aprendizagem, por exemplo, pode ser comprometido pela situação. "Se a criança está sendo assediada, em qualquer idade, muitas vezes ela muda o comportamento, não quer mais ir para a escola, tem medo daquele professor, de ficar na sala de aula, de falar para os colegas. E qual criança aprende com tensão, estresse, medo? Isso é muito ruim", argumenta Rebeca Otero, coordenadora de Educação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) no Brasil.

Quando um docente tem esse tipo de conduta, seja ela presencial ou por meio das redes sociais, ele está "muito desestruturado" em relação à própria formação, defende a coordenadora da Unesco. Uma educação de qualidade, que vá além dos conhecimentos cognitivos e das aprovações em provas, é a chave para o enfrentamento de problemas como esse. Devem ser debatidas as diversas habilidades socioemocionais — como respeito, autoestima e autocontrole. É com esse tipo de educação que se muda a sociedade para melhor, defende Rebeca Otero.

"Temos um fator cultural no Brasil bastante forte que é o machismo, que vem se reproduzindo há anos e anos e anos. Então, é necessário trabalharmos, nas escolas, a igualdade de gênero e formar os jovens para que eles não perpetuem esse machismo que ocorre dentro da sociedade."

Miriam Abramovay também aponta a importância de se discutir sexualidade e questões de gênero na escola, uma vez que, sem escancarar esses assuntos, os casos continuam acontecendo. "Esses e outros que nem imaginamos".

Além disso, é necessário que as instituições ofereçam respostas "duradouras e sustentáveis", segundo Rui Aguiar, chefe do escritório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) em Fortaleza. Abusos e assédios devem ser prevenidos e inibidos, assim como os funcionários que os cometerem devem ser responsabilizados.

Mas essas medidas não são suficientes se não forem criados canais de denúncia com processos objetivos, capazes de coibir falsas alegações e com possibilidade de defesa para os acusados e de proteção para as vítimas. Ele também aponta a necessidade de revisão dos regimentos escolares, que "precisam atualizar-se em termos do contexto social do século XXI". "As escolas atuais precisam de mais códigos de ética do que regimentos burocráticos, desatualizados e verticalizados em direitos."

 

Definições sobre violências ligadas a instituições de ensino

Violência à escola

São aquelas cometidas contra o espaço físico ou contra integrantes da comunidade escolar. Abrangem pichações e depredações do patrimônio, agressões a professores e funcionários por membros externos à comunidade escolar, formação pouco qualificada dos professores, suas péssimas condições de trabalho e de remuneração e violência associada à cultura de gangues e de grupos armados.

Violência na escola

Constitui extensões de dinâmicas familiares e comunitárias. Refere-se aos maus-tratos; negligência materna e paterna; violência doméstica contra a mãe, contra os parentes idosos ou contra as próprias crianças e adolescentes; abuso; exploração sexual comercial; alcoolismo e dependência química dos pais e mães, quando não dos próprios estudantes; uso abusivo de drogas lícitas e ilícitas e tráfico de drogas.

Violência da escola

Algumas vezes, a escola é espaço privilegiado para produção da violência. É ela, no seu modo de funcionamento e na atuação de seus representantes que cria e alimenta as dinâmicas de uma violência institucional. São exemplos desse tipo de violência o bullying, violência sexual e de gênero, violência física e psicológica.

Fonte: publicação "A Educação que protege contra a violência", Unicef

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