Se você notou mais pessoas pedindo comida ou dinheiro na rua ou se você próprio já se viu forçado a deixar de consumir algum produto, contratar algum serviço ou comprar algum bem por conta da alta dos preços ou da perda de renda está observando empiricamente o que o Banco do Mundial já vem registrando em dados macroeconômicos ao longo dos últimos seis anos, pelo menos. O brasileiro ficou em média 5,6% mais pobre entre 2014 e 2020.
No ano em que o Brasil sediou a Copa do Mundo, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita anual, ou seja, por habitante, era de US$ 15.718. Em 2020, essa quantia passou para US$ 14.836 por ano. E não foi só a pandemia que contribuiu para essa queda. Uma sucessão de crises políticas e escolhas econômicas controversas também pesaram bastante para que o País caminhasse na contramão do restante do mundo. Para se ter uma ideia, em igual período, o PIB per capita mundial subiu 13,8% saltando de US$ 15.030 para U$ 17.109, mesmo descontando o impacto da crise sanitária causada pela Covid-19.
E o que era ruim vem apresentando face ainda mais cruel em 2021. Isso porque, até o ano passado, a perda de poder aquisitivo era amenizada por baixos índices inflacionários. Em 2017, por exemplo, o País atingiu a menor taxa de inflação da série história: 3,67%. O cenário, agora, é completamente diferente. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgado no último dia 25 de agosto, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), considerada uma prévia da inflação mensal, foi de 0,89%, o maior para o mês desde 2002. Já o acumulado dos últimos 12 meses chega a 9,3%.
Segundo o supervisor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Reginaldo Aguiar, além da pandemia, o galope inflacionário pode ser explicado pelo fato de que “alimentos cruciais para a população de menor renda foram dolarizados e seus valores passaram a crescer fortemente, porque a moeda brasileira perdeu muito valor em relação à moeda norte-americana. Com isso, por exemplo, o preço da carne dispara, o do óleo de soja dispara e até o do arroz que há anos não era um ‘vilão’ em termos de inflação estourou”.
Ele acrescenta que “a carne passou a ter uma demanda internacional maior principalmente por conta das exportações para a China. O milho também passou a ser uma commodity. Com o preço dolarizado, o exportador se sente muito tentado a vender mais para o Exterior porque o retorno é maior. Para além disso, o preço internacional desses produtos também subiu. Tudo isso fez com que a oferta interna caísse. Então, mesmo com aquela ajuda emergencial mais encorpada de 2020, do Auxílio Emergencial, houve um alívio insuficiente para reverter a perda de poder aquisitivo”.
A pesquisadora Alessandra Araújo, do Laboratório de Estudos da Pobreza (LEP) da Universidade Federal do Ceará (UFC), complementa o raciocínio explicando que o “choque de demanda externa se reflete em um pico nos preços internamente e quem ‘paga o pato’ são os mais pobres, especialmente em uma pandemia. Então você tem como resultado disso tudo um aumento da desnutrição na população mais vulnerável e uma fragilização ainda maior dos informais que ficaram sem ter como ir à rua e não tinham um colchão de proteção social”.
O pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Daniel Duque, disse acreditar que, mesmo com a melhoria nos índices sanitários relacionados à Covid-19, “a inflação atual vai exercer uma pressão muito negativa sobre o poder de compra das famílias mais pobres, que tem uma composição maior do seu orçamento destinada para alimentação”. Também no último dia 25 de agosto, ele publicou estudo revelando que a pobreza no Brasil passou de 25,2% em janeiro de 2019 para 29,5% em janeiro de 2021.
Nesse contexto, o economista-chefe do Itaú Unibanco, Mário Mesquita, projeta uma ligeira redução inflacionária até o fim do ano, mas ainda acima do teto da meta estipulada pelo Banco Central. “Além da alta grande de preços de matérias-primas, a gente teve também alguns gargalos de produção, nessa questão de energia, que é outra restrição à oferta. Isso tudo tem contribuído para essa inflação superior a 9%. A gente até acha que ela vai cair um pouco, mas para quase 7%, que ainda é um nível bastante elevado”, lamenta.