O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) termina a semana com saldo inferior ao que pretendia obter com as manifestações do 7 de setembro, apontam especialistas ouvidos pelo O POVO.
Em menos de 48 horas, o chefe do Executivo recuou dos ataques que fez no feriado da Independência deste ano, acenando para o Supremo e a classe política (Câmara e Senado), mas se indispondo com sua base mais fiel, que ficou descontente com o tom da nota divulgada na última quinta-feira, 9.
Nela, Bolsonaro reconheceu que havia se expressado no "calor no momento" e se dirigiu em tom até elogioso ao ministro Alexandre de Moraes, objeto de gritos e cartazes nas ruas no 7/9.
Para Fabio Kerche, doutor em Ciência Política e professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, "os atos mostraram que Bolsonaro não tem apoio dos atores relevantes", exatamente aqueles que poderiam dar guarida a uma escalada autoritária. E que as instituições, mesmo pressionadas, conseguiram refrear seu ímpeto golpista.
"Bolsonaro não tem apoio nem do STF, nem do Congresso, nem das elites e nem da sociedade civil organizada", explica o docente, acrescentando que "nem os militares ou a polícia participaram ostensivamente" do protesto.
Isso é um indicativo, avalia Kerche, de que a agenda bolsonarista teve adesão limitada aos setores mais radicalizados de sua militância. "Foi uma demonstração de isolamento", atesta.
Professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o cientista político Lucas Rezende concorda: Bolsonaro fica mais vulnerável no pós-7 de setembro. Mas pondera: "Isso não quer dizer que ele seja menos perigoso".
"Bolsonaro sai mais fraco porque ele viu que a base de sustentação dele é bem menor do que aquela que ele gostaria e imaginava", considera o pesquisador. "Esses que estão aderindo às pautas antidemocráticas são uma parcela reduzida dentro ainda do grupo que apoia o presidente."
Mesmo não sendo tão expressivo quanto Bolsonaro desejaria que fosse, esse segmento, contudo, segue coeso e "em linha com o presidente", com discurso e mobilização permanentemente prontos para o enfrentamento, sem sinal de que irá recuar.
"Ele vai seguir com Bolsonaro até o fim", avisa Rezende. "É um grupo que não necessariamente vai abraçar a violência, mas é radical no contexto político porque acaba se manifestando e apoiando elementos que corroem a democracia."
Na terça-feira, 7, aliados do capitão da reserva ocuparam as ruas e avenidas principalmente de Brasília e São Paulo, locais nos quais o chefe da nação marcou presença e fez discurso inflamado, de ataque ao ministro Moraes, a quem chamou de "canalha" antes de desafiar a Justiça e dizer que não cumpriria mais decisões do magistrado.
Dois dias depois, em nota redigida sob a supervisão do ex-presidente Michel Temer (MDB), o mandatário recuou, aceitando que divergências em relação a entendimentos de Moraes sejam "resolvidas por medidas judiciais que serão tomadas de forma a assegurar a observância dos direitos e garantias fundamentais".
De acordo com analistas, o movimento é estudado, sinalizando que Bolsonaro caiu na própria armadilha - montou um esquema de mobilização e levou um contingente razoável de gente para as ruas sob a promessa de uma investida contra outros poderes, mas, ao cabo, frustrou-os.
"O 7 de setembro serviu para algumas coisas. Primeiro, para o presidente Bolsonaro saber que ele conta hoje estritamente com sua base de apoiadores", enfatiza Emanuel Freitas, professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e doutor em Ciência Política.
Em segundo lugar, continua Freitas, o 7/9 "serviu para mostrar para parcela da opinião pública que, embora o bolsonarismo seja barulhento, ele está isolado e cada vez mais diminuto, o que não significa dizer que não seja perigoso".
"À medida que ele se radicaliza", conclui o professor, "também se sectariza, e os membros de uma seita estão prontos para matar ou morrer".
A frase se combina com outra, dita pelo próprio presidente e segundo a qual ele teria apenas três opções diante de si: a prisão, a morte ou a vitória em 2022. Delas, descartou a prisão.
O recuo de agora, sugerem fontes, é momentâneo, e logo Bolsonaro retomará a retórica beligerante e o roteiro de ataques às instituições, dos quais tem se servido desde que assumiu a Presidência, quase três anos atrás.
"O país se deixou amedrontar por Bolsonaro", avalia Leonardo Sá
Professor do programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFC, Leonardo Sá não vê apenas reveses para Jair Bolsonaro (sem partido) no 7 de setembro.
Segundo ele, o presidente ganhou ao mobilizar aliados e sequestrar a agenda do país por quase três semanas, durante as quais o tema predominante foi a possibilidade de uma ruptura institucional levada a cabo pelo chefe do Executivo.
Nessa hipótese, Bolsonaro era visto como um político cuja força ainda lhe permitia arrebatar apoio para uma aventura autoritária.
“Bolsonaro amedrontou o país, e o país se deixou amedrontar. As altas autoridades que foram vilipendiadas parecem também intimidadas, sem responder à altura”, adverte o pesquisador, para quem “Bolsonaro parece que está usando o populismo de direita e extrema-direita com mais habilidade”.
“Estão deixando ele treinar, aprender. O bolsonarismo deu um show de organização” no 7 de setembro, aponta.
Embora o resultado tenha sido o recuo do presidente, Sá avalia que a mobilização e o contingente presente às ruas constituem, por si, um ganho para o presidente, ainda que em menor número do que o desejado por ele.
“Não há setor da sociedade civil organizada que consiga ter essa capacidade de mobilização que o bolsonarismo demonstrou ter”, defende o cientista político.
“Bolsonaro saiu mais forte”, calcula, “e a sociedade brasileira progressista mais fraca, sintomaticamente aos frangalhos”.