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A crise dos serviços de transporte por aplicativo no Brasil
Reportagem

A crise dos serviços de transporte por aplicativo no Brasil

O serviço que começou como uma "febre" no Brasil, hoje, dá sinais claros de desgaste, em meio à alta dos combustíveis e queda na qualidade do atendimento
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Fortaleza, 01 de outubro de 2021. Romario Fernandes, de 27 anos, trabalha como motorista de aplicativo desde 2016. (Yago Albuquerque / Especial para O Povo) (Foto: Yago Albuquerque / Especial para O Povo)
Foto: Yago Albuquerque / Especial para O Povo Fortaleza, 01 de outubro de 2021. Romario Fernandes, de 27 anos, trabalha como motorista de aplicativo desde 2016. (Yago Albuquerque / Especial para O Povo)

Quando os aplicativos de transporte chegaram ao Brasil, em 2014, provocaram uma verdadeira disrupção no mercado. A proposta era tentadora: balinhas e água ao cliente, viagens mais rápidas, mais baratas e que podiam ser solicitadas pelo celular, além de uma alternativa de renda extra aos brasileiros. Mas, passados sete anos, a fórmula dá sinais de cansaço e, em meio à alta nos preços dos combustíveis, as empresas de tecnologia enfrentam, talvez, seu maior desafio para permanecer no mercado.

Nem todas resistiram. Em junho deste ano, por exemplo, a startup espanhola Cabify, que chegou a adquirir a Easy Taxi, em 2017, encerrou suas atividades no Brasil. A empresa, que operava em oito cidades ( Belo Horizonte, Brasília, Campinas, Curitiba, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Santos e São Paulo), mas já chegou a atuar em 39, atribuiu a saída ao impacto negativo da pandemia.

A pressão vem de todos os lados: dos usuários, insatisfeitos com a demora e cancelamentos de corridas; dos motoristas, que reclamam da queda na remuneração frente ao aumento de gastos, sobretudo, com combustível.

No Ceará, o preço médio da gasolina está em R$ 5,98, alta acumulada no ano de 25,89% no ano. E o gás veicular (GNV), alternativa muito usada por motoristas de aplicativos por ser mais em conta, em média, R$ 4,49, deu um salto ainda maior, de 32,4%, no período, segundo a Agência Nacional de Petróleo (ANP).

Isso sem falar das questões trabalhistas, que sempre foram um ponto controverso e frágil nessa relação, e da escalada da violência nos grandes centros urbanos. No Ceará, de 2017 para cá, 35 condutores já foram assassinados no exercício da função, conforme dados da Associação dos Motoristas de Aplicativos do Ceará (Amap-CE).

Em meio a esse cenário, as empresas estão tendo que "cortar na carne", ou seja, reduzindo as margens de lucro para se manterem competitivas no mercado. Tanto a Uber, como a 99, anunciaram recentemente revisão na sua política de remuneração aos motoristas, sem mudar o preço pago pelos passageiros.

No caso da 99, os ganhos dos motoristas parceiros, com a campanha Mais Ganhos 99, podem subir entre 10% a 25% em todo o País, além de mudanças na taxa de cancelamento, de congestionamento e no pagamento por deslocamento.

Já a Uber informou que vem implementando iniciativas adicionais que buscam promover o reequilíbrio do mercado no curto e no longo prazo. Dentre essas, campanhas de indicação, nas quais motoristas que já dirigem com a plataforma ganham uma recompensa quando novos parceiros indicados realizam certo número de viagens. Em Fortaleza, uma indicação concluída pode resultar em recompensa de até R$ 750, segundo a empresa.

Atrair mais condutores às plataformas, embora seja importante para garantir maior oferta de carros aos usuários, não resolve tudo. Fatores como horário, distância e opção de pagamento ainda são decisivos na aceitação das corridas pelos motoristas. Assim, como o tratamento dispensado durante a viagem.

Impacto na economia

Na avaliação do economista, Alex Araújo, é notório o desgaste para todos os lados. “É um momento de muitos desafios para todos. É evidente o aumento da insatisfação e a queda na qualidade do serviço em relação ao que se ofertava no início. Mas, por outro lado, é um serviço que criou dependência para o usuário, para os motoristas e na economia.”

Ele explica que a proposta original do serviço e, em outros países ainda é assim, era que as pessoas usassem o tempo ocioso para fazer uma renda adicional. Mas, no Brasil, pela dificuldade do mercado de trabalho, ser motorista de aplicativo se tornou profissão e, em muitos casos, a renda principal de muitos lares brasileiros.

“O problema é que com toda essa pressão de custos, a perspectiva de rentabilidade se esvai. E os motoristas estão tendo que trabalhar muito mais horas para obter a mesma renda, e às vezes, até menos.”

Para o professor Marcus Quintella, diretor da FGV Transportes, o nó da questão é que as empresas de aplicativo estão assumindo um papel maior do que deveriam, porque o transporte público de massa é muito deficiente em todas as cidades brasileiras.

Para ele, o transporte por aplicativo era para ser um serviço complementar, para fazer pequenos percursos, mas não é isso que ocorre. Principalmente, após a pandemia. “Como o transporte público é muito ruim, muitas pessoas preferem usar o transporte individual, principalmente, após a pandemia, como uma forma de blindagem, autoproteção. Mas isso também traz consequências sérias para a toda a mobilidade urbana, como mais carros nas ruas, congestionamento, mais gasto de combustível.”

Ainda é vantagem usar o aplicativo de transporte?

Quem usa os serviços de aplicativo de transporte sabe que a experiência do usuário - e o valor da corrida a ser pago - pode variar muito a depender da plataforma usada, da área da cidade em que você esteja e o local de destino, o dia e o horário da corrida.

Pontos com congestionamento, por exemplo, implicam em tarifas mais altas, assim como em áreas mais afastadas da cidade, os usuários tendem a esperar mais por motoristas disponíveis.

Para exemplificar, na prática, essa vivência, O POVO fez na última quinta-feira, 30, simulações de viagens, partindo de três diferentes pontos de Fortaleza até a sede do jornal, na avenida Aguanambi 282, no bairro José Bonifácio, no horário de pico, entre 17h51 e 18h20.

O objetivo foi avaliar o tempo de espera do usuário para conseguir um motorista; uma vez confirmada a corrida, o tempo previsto para o motorista chegar ao local de partida; o tempo de deslocamento até o destino e o valor da corrida.

Para essa simulação, foi considerada a modalidade de pagamento em dinheiro. Também optamos por fazer o teste no mesmo dia, em horários aproximados, e seguindo a mesma ordem de uso dos aplicativos - Uber, 99 e Sinditaxi - para reduzir ao máximo o risco de distorções.

Confira o resultado:

Simulação 1 - Praia de Iracema até o jornal O POVO (aproximadamente 2,5 km de distância)

Uber
Hora do pedido: 17h55
1. Tempo de espera para achar um motorista - 1 minuto
2. Tempo previsto até o motorista chegar ao usuário - 2 minutos
3. Tempo de deslocamento até o destino - 4 min
4. Valor da corrida - R$ 11,91

99
Hora do pedido: 18 horas
1. Tempo de espera para achar um motorista - 1 minuto
2. Tempo previsto até o motorista chegar ao usuário - 2 minutos
3. Tempo de deslocamento até o destino - 4 minutos
4. Valor da corrida - R$ 16,50

Sinditáxi
Hora do pedido: 18h20
1. Tempo de espera para achar um motorista - 1 minuto
2. Tempo previsto até o motorista chegar ao usuário - 3 minutos
3. Tempo de deslocamento até o destino - 8 minutos
4. Valor da corrida - R$ 8,10, pagamento em dinheiro, sujeito a alteração, na opção 30% de desconto


Simulação 2 - Cidade dos Funcionários até o jornal O POVO (aproximadamente 9,6 km de distância)


Uber
Hora do pedido: 17h51
1. Tempo de espera para achar um motorista - 1 minuto
2. Tempo previsto até o motorista chegar ao usuário - 6 minutos
3. Tempo de deslocamento até o destino - 26 minutos
4. Valor da corrida - R$ 22,96

99
Hora do pedido: 18h03
1. Tempo de espera para achar um motorista - 2 minutos
2. Tempo previsto até o motorista chegar ao usuário - 7 minutos
3. Tempo de deslocamento até o destino - 26 minutos
4. Valor da corrida - R$ 26,10

Sinditáxi
Hora do pedido: 18h19
1. Tempo de espera para achar um motorista - 11 minutos
2. Tempo previsto até o motorista chegar ao usuário - 6 minutos
3. Tempo de deslocamento até o destino - 18 minutos
4. Valor da corrida - R$ 20,70, pagamento em dinheiro, sujeito a alteração, na opção 30% de desconto

Simulação 3 - Paupina até o jornal O POVO (aproximadamente 14,2 km de distância)

Uber
Hora do pedido: 17h51

1. Tempo de espera para achar um motorista - 2 minuto
2. Tempo previsto até o motorista chegar ao usuário - 5 minutos
3. Tempo de deslocamento até o destino - 30 minutos
4. Valor da corrida - R$ 23,96

99
Hora do pedido: 18h00
1. Tempo de espera para achar um motorista - 1 minutos
2. Tempo previsto até o motorista chegar ao usuário - 5 minutos
3. Tempo de deslocamento até o destino - 28 minutos
4. Valor da corrida - R$ 25,60

Sinditáxi
Hora do pedido: 18h10
1. Tempo de espera para achar um motorista - 5 minutos
2. Tempo previsto até o motorista chegar ao usuário - 9 minutos
3. Tempo de deslocamento até o destino - 22 minutos
4. Valor da corrida - R$ 27,70, pagamento em dinheiro, sujeito a alteração, na opção 30% de desconto

 

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