O quão importante é a adoção de uma criança ou adolescente negro? Atualmente, no Brasil, existem cerca de 34 mil crianças e adolescentes abrigados em casas de acolhimento e instituições públicas. Desse total, 4,2 mil crianças estão aptas à adoção, sendo 3 mil entre pretas e pardas, que lideram a fila para um novo lar. Os dados são do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulgados nesta sexta-feira, 18, ao O POVO.
Celebrado neste domingo, 20, o Dia da Consciência Negra reforça o combate à desigualdade racial e como enfrentar o preconceito quando o assunto é adoção. O servidor público Nílbio Thé, 41, lembra dos primeiros sinais de preconceito quando ele e a esposa, Marise, odontóloga, ambos pessoas brancas, resolveram adotar seus filhos Guilherme, uma criança negra, atualmente com 12 anos, e Rafael, segundo Nílbio, com etnia parda, com 8.
“Num primeiro momento eu senti muito mais preconceito com relação ao fato dos meus filhos não serem biológicos que, propriamente, com relação à cor da pele. Mas via curiosidade das pessoas quererem saber quais as 'cores' dos meus filhos”, disse. O filho Guilherme chegou à família com poucos dias de nascido e Rafael tinha 10 meses de idade.
Para o servidor público, que destaca aversão ao termo “adotivo”, adotar é cuidar. “Se você é filho de alguém, alguém te adotou”, diz. Ainda segundo o servidor público, quando o assunto é adoção, algumas barreiras de outros preconceitos precisam ser quebrados. “Muitas pessoas param a fila de adoção porque querem adotar apenas meninas brancas. Além de racismo estrutural tem machismo estrutural envolvido”, aponta.
Conforme o professor, mestre em História Social pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e pesquisador da história e da cultura do povo negro no Estado, Hiário Ferreira, a adoção de crianças negras por pais e mães brancos pode contribuir para uma luta antiracista. “O combate ao racismo não é uma luta exclusiva das pessoas negras. É uma situação que leva essas pessoas a perceberem o quanto violento é o racismo e se junta a gente nessa luta”, comenta.
De acordo com Nílbio, falar sobre questões raciais com os filhos começou desde cedo. A primeira conversa com o Guilherme sobre o tema foi por meio da citação da história da cantora, compositora e pianista norte-americana Nina Simone. No dia, o filho questionou: “Pai, o que é um negro?”. “Eu expliquei para ele e na mesma hora ele se reconheceu 'pai, eu sou negro!', e com muita felicidade da descoberta”, conta.
O servidor público pontua que também tenta trazer diversas referências negras para o filho, como cantores, artistas e super-heróis, mas destaca que o filho também possui suas próprias referências no dia a dia, como os professores e colegas.
Além de conversar sobre o reconhecimento de uma pessoa negra com o filho, o servidor público destaca que outros temas já foram pautados, como machismo, homofobia e o próprio racismo. “Não tem nada que faça uma pessoa branca se preocupar com racismo todo dia como ter um filho ou filha preta", diz.
Em agosto deste ano, Nílbio denunciou o primeiro caso de racismo sofrido e percebido pelo seu filho Guilherme. O adolescente foi confundido com pedinte durante uma feira de artesanato em um shopping de Fortaleza. De acordo com Nílbio, o episódio aconteceu durante uma degustação de queijo no evento.
“Ele super gosta de queijo e sabia que tinha degustação. Pela primeira vez ele foi lá e foi negado. A moça olhou para ele e disse: “Você sabe que eu não posso lhe dar queijo, você já sabe. Então, não me peça porque eu não posso dar'”, conta Nílbio, conforme relato do filho.
Diante da situação, o servidor público conta que o filho ficou constrangido, chegando a pedir desculpas para a atendente do estande. Após a negativa, ele foi embora do local. Apenas três dias após o caso Guilherme relatou o que houve aos pais, que iniciaram as providências sobre o caso.
O professor Hilário Ferreira aponta que é fundamental falar sobre questões raciais desde cedo com as crianças negras. O assunto garante o reconhecimento do crime desde cedo pelas vítimas e fortalece o combate a discriminação racial em qualquer faixa etária. “É necessário prepará-los, falar sobre autoestima, conversar”, pontua.
Ainda segundo o pesquisador, consciência negra é a tomada de conhecimento da realidade do negro, da beleza e do estado revolucionário frente a uma realidade que tentam procurar nega-los. “A consciência negra é resistência”, afirma Hilário.
Em 2022, o Ceará registrou aumento de 259% em denúncias de casos de racismo de janeiro a junho, com 79 ocorrências registradas. No mesmo período no ano passado, os registros foram de 22. Quase quatro vezes mais dentro do mesmo período.
As informações foram disponibilizadas pela Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp), da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Estado (SSPDS). Mesmo com as denúncias, a defensora pública e representante no Ceará da Comissão de Igualdade Racial da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (ANADEP), Eduarda Paz e Souza, destaca que as subnotificações também podem ser preocupantes.
“É preciso ficar de olho porque não necessariamente eles refletem a totalidade das ocorrências. O constrangimento causado à vítima pode levar a uma falta de segurança com relação a punição do agressor. Também pode haver a relativização quanto à gravidade e ilicitude da conduta praticada por aquele que agride, considerando a estreita compreensão entre um episódio de racismo e o de uma mera injúria racial”, alerta Eduarda.
Antes de denunciar os crimes, é preciso identificá-los. No Brasil, o racismo é definido pela Lei 7.716/89. O texto tipifica o crime como “resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional” de todo o grupo de indivíduos com essas características.
O crime pode ser denunciado e punido independentemente de quanto tempo tenha se passado desde sua execução — ou seja, é imprescritível —, além de ser inafiançável. O crime de injúria racial, por sua vez, é quando a honra de uma pessoa específica é ofendida por conta de raça, cor, etnia, religião ou origem.
No entanto, em outubro de 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o crime de injúria racial pode ser equiparado ao de racismo e ser considerado imprescritível. Com a mudança, na prática, não há mais diferença entre os crimes.
É comum que práticas racistas se camuflem em situações cotidianas. Estando ou não evidentes, a vítima tem o direito de denunciar qualquer forma de constrangimento e humilhação. Uma cartilha do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MDH) citam ações mais comuns feitas por agressores (veja infográfico).
A busca de auxílio em casos de racismo pode ser realizada no Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas (NDHAC). “O cidadão hipossuficiente (sem condições de arcar com os custos judiciais) que, em qualquer circunstância, tenha sido vítima de racismo ou injúria racial, pode buscar atendimento jurídico na Defensoria Pública por meio do NDHAC”, afirma Eduarda Paz.
Para a presidenta da Associação das Defensoras e dos Defensores Públicos do Estado do Ceará (ADPEC), Andréa Coelho, a atuação da classe em prol do combate ao racismo tem sido imprescindível. “O trabalho dos nossos colegas tem sido fundamental para garantir o que determina a Constituição Federal para a promoção do bem de todos, sem preconceitos e outras formas de discriminação”, comenta Andréa.
A DPCE por meio do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas (Ndhac), recebe as denúncias e realiza encaminhamentos judiciais, prestando amparo às vítimas. O Ndhac pode ser contatado pelos telefones 129 ou (85) 3194 5049. O Observatório da Intolerância recebe denúncias pelo formulário online disponível neste link. A vítima pode chamar a Polícia Militar por meio do Disque 190.
1. Procurar a Vara de Infância e Juventude do seu município e saiba quais documentos necessários
A idade mínima para se habilitar à adoção é de 18 anos, independentemente do estado civil, desde que seja respeitada a diferença de 16 anos entre quem deseja adotar e a criança a ser acolhida.
Dentre os documentos solicitados no processo estão: documento de identidade, CPF, certidão de casamento ou nascimento, comprovante de residência, comprovante de rendimentos ou declaração equivalente, atestado ou declaração médica de sanidade física e mental, certidões cível e criminal;
2. Fazer uma petição de inscrição para adoção (no cartório da Vara de Infância)
Para dar início ao processo de adoção, será preciso fazer uma petição de inscrição para adoção (no cartório da Vara de Infância), que pode ser preparada por um defensor público ou advogado particular. Só depois de aprovado, seu nome será habilitado a constar dos cadastros local e nacional de pretendentes à adoção.
3. Realizar curso de preparação psicossocial e jurídica
Os pretendentes devem obrigatoriamente realizar um curso de preparação psicossocial e jurídica. Após comprovada a participação no curso, o candidato é submetido à avaliação psicossocial com entrevistas e visita domiciliar feitas pela equipe técnica interprofissional, formada por psicólogos e assistentes sociais. O resultado dessa avaliação será encaminhado ao Ministério Público e ao juiz da Vara de Infância;
4. Sentença do juiz sobre a adoção
A partir do laudo da equipe técnica da Vara e do parecer emitido pelo Ministério Público, o juiz dará sua sentença. Caso o pedido do pretendente for acolhido, o nome deles será inserido no Cadastro Nacional de Adoção (CNA), com validade por dois anos no Brasil. A partir disso, os pretendentes estão automaticamente na fila de adoção do seu estado.
Eles aguardarão até aparecer uma criança com o perfil compatível com o perfil fixado pelos pretendentes, observada a cronologia da habilitação (que deseja uma criança com o mesmo perfil e está a mais tempo na fila de espera terá preferência);
5. Buscando uma família para a criança ou adolescente
Quando se busca uma família para uma criança ou adolescente cujo perfil corresponde ao definido pelo postulante, este será contatado pelo Poder Judiciário, respeitando-se a ordem de classificação no cadastro.
Será apresentado o histórico de vida da criança ou adolescente ao postulante e, se houver interesse, será permitida aproximação com ela ou ele.
Durante o estágio de convivência, monitorado pela Justiça e pela equipe técnica, é permitido visitar o abrigo onde a criança ou adolescente mora; dar pequenos passeios para que vocês se aproximem e se conheçam melhor.
6. Se tudo ocorrer bem, a ação de adoção terá início e haverá a guarda provisória da criança ou adolescente
Se o relacionamento correr bem, a criança é liberada e o pretendente ajuizará a ação de adoção. Ao entrar com o processo, o pretendente receberá a guarda provisória, que terá validade até a conclusão do processo.
Nesse momento, a criança passa a morar com a família. A equipe técnica continua fazendo visitas periódicas e apresentará uma avaliação conclusiva;
7. Sentença de adoção e registro da criança ou do adolescente na família
O juiz profere a sentença de adoção e determina a lavratura do novo registro de nascimento, já com o sobrenome da nova família. Existe a possibilidade também de trocar o primeiro nome da criança. Nesse momento, a criança passa a ter todos os direitos de um filho biológico.
(Fonte: Corregedoria Nacional de Justiça e Defensoria Pública do Ceará)