Já imaginou ter uma conta aberta em um banco no seu nome sem você nunca ter feito nenhum tipo de operação nele? Ou pior: descobrir que há seis meses este banco estava cobrando um empréstimo com desconto em folha que você nunca pediu ou autorizou?
Essa situação tem sido bem mais comum do que parece. Isso porque, no primeiro semestre deste ano, 318 casos de fraudes de empréstimo foram registrados pelo Programa de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon) de Fortaleza. É o quinto tipo de reclamação mais recorrente no órgão e que vem ganhando escala ao longo dos últimos anos.
Para se ter uma ideia, em 2020, foram registradas apenas 32 reclamações. Ou seja, em menos de três anos, houve um salto de quase 900% no número de casos.
"Não temos dados especificamente dos nichos mais afetados, mas sabemos que problemas com crédito consignado alcançam, em sua maioria, consumidores aposentados, bem como servidores e trabalhadores que possuem margem para a contratação desta modalidade de crédito", afirma a presidente do Procon Fortaleza, Eneylândia Rabelo.
Foi o que aconteceu, por exemplo, com o aposentado José Sombra, de 76 anos, pelo banco Pan. Ele conta que, ainda durante a pandemia, pediu para a sua filha tirar um extrato da aposentadoria. Com isso, ela descobriu que havia um empréstimo, no nome do pai, na instituição financeira.
“Na pandemia, eu fiquei isolado. Então não podia ir para o banco nem nada. Então não tinha como eu ter feito esse empréstimo. E eu nunca quis fazer nada desse tipo. Como isso tinha aparecido no meu nome?”
A partir daí, ele entrou em contato com o banco Pan e comunicou que nunca havia feito nenhum empréstimo na instituição e a atendente respondeu que tinha um contrato com o seu nome.
Assim que recebeu, viu que a assinatura era incompatível e comunicou ao banco, o qual fez o estorno das operações, devolvendo o valor do empréstimo e as parcelas que já tinham sido cobradas. “O dinheiro foi devolvido, mas ficou um prejuízo moral para mim, com certeza”, desabafou.
Procurado, o banco Pan não enviou resposta sobre o caso até o fechamento desta reportagem.
Contudo, estas estatísticas apresentadas não representam o tamanho real do problema, segundo a coordenadora do programa de serviços financeiros do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Ione Amorim.
“Eu penso na vulnerabilidade dessas pessoas, já que a maioria possui uma faixa etária muito mais avançada. Quantos têm a articulação de ir até um Procon ou fazer um cadastro dentro do site do governo para registrar a operação? Então esses dados aí não são realmente o que acontece no dia a dia.”
Além disso, a coordenadora pontua que as mensagens são construídas para induzir as pessoas a caírem naquela fraude. “A construção do texto é feita de forma muito perigosa e, às vezes, a pessoa pode estar dando um sim para alguém quando está querendo dizer não. Então é preciso ter muita cautela.”
Já o secretário-geral da Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas (COBAP), Luiz Legñani, avalia que esse cenário ocorre especialmente por causa do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e dos bancos.
“Se eu me aposentar hoje, só o INSS sabe dessa informação e, de repente, recebo uma enxurrada de ofertas dos bancos. Como é que ficou sabendo? É porque eles têm dados que recebem de algum lugar. Então o INSS tem que atualizar o seu sistema e ser bem mais rigoroso para evitar essas fraudes. É importante responsabilizar os bancos e as instituições financeiras também. Se isso acontecer, resolve boa parte do problema.”
Em resposta, o gerente executivo do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) no Ceará, Francismar Lucena, disse que a instituição toma todas as providências necessárias para garantir a segurança dos usuários.
“Nosso sistema é nacional, mas sempre pensamos em melhorar a segurança porque os fraudadores atuam na nossa frente. Porém, nós temos uma parceria com a Polícia Federal para combater esses casos.”
O POVO também entrou em contato com as instituições financeiras Caixa, Itaú, Banco do Brasil, Bradesco e Santander, os quais afirmaram que tomam as medidas cabíveis para ter a confiança dos seus clientes, além de estarem sempre aperfeiçoando seu sistema. O Banco do Nordeste e o Banco Pan não retornaram até o fechamento da matéria.
Para que ocorram essas fraudes contra os idosos, os criminosos encontram diversas saídas para aplicá-las. Segundo Cláudio Carvalho, delegado da Polícia Federal, pode haver ou não o envolvimento de servidores públicos do INSS nesses crimes.
"Nesse caso, eles nem precisam entrar em contato com as vítimas, mandar mensagem, porque conseguem tudo através da participação dos servidores. E aí eles conseguem documentos, assinatura eletrônica, tudo a partir do sistema do próprio INSS", explica.
Ele reforça que esta é a área de competência da Polícia Federal, só que não é o caso mais comum de acontecer.
"As práticas que ocorrem diariamente, com milhares de tentativas, são quando se tem, de alguma forma, a colaboração da própria vítima. Assim, o fraudador entra em contato com a vítima para oferecer empréstimos que descontam direto no benefício previdenciário", lamenta o delegado.
Com isso, ele explica que os criminosos ludibriam os idosos de uma forma que as vítimas cedem ainda mais informações do que as já de posse dos golpistas, como a senha para entrar no sistema "Meu INSS".
Porém, o delegado Cláudio Carvalho comenta que existe a possibilidade dos fraudadores ligarem e informar que precisam de um pagamento antecipado para disponibilizar o empréstimo. "Normalmente, eles oferecem de forma muito atrativa, com taxas de juros irreais", ressalta.
Outro jeito muito comum é a falsificação de documentos dos indivíduos. "Então eles levam essas documentações pessoais até as instituições financeiras e fraudam o benefício do empréstimo com documentos fraudados no nome do aposentado", descreve.
Por fim, sites falsos também podem ser utilizados para raptar os dados pessoais das vítimas. O delegado explica que são enviados links, por meio de mensagens, direcionando o indivíduo para uma página.
Esses sites, geralmente, são muito parecidos com os oficiais e, a partir do cadastro, os criminosos capturam todos os dados para conseguirem realizar o empréstimo.
Como atestam os dados do Procon Fortaleza e o agente de segurança pública, os golpes envolvendo empréstimo consignado estão cada vez mais comuns, com vários meios para serem aplicados. Porém, o que fazer caso você ou algum parente caia em um golpe?
O secretário executivo da Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Decon), Hugo Xerez, informa que é preciso procurar imediatamente algum órgão de defesa do consumidor para ajudar a tomar as devidas providências.
"O que eles (consumidores) podem fazer é ir imediatamente a uma das agências, procurar ouvidoria de cada uma dessas instituições, e registrar sua reclamação, pois é possível que administrativamente essa questão seja resolvida dentro do banco", indica sobre com as vítimas precisam agir após identificar o crime cometido contra si.
Além disso, ele explica a atuação do órgão nestas situações. "Ao ter ciência de fraudes na realização de empréstimos para idosos, o Decon entra em contato imediatamente com a instituição financeira e também, eventualmente, em contato com o INSS para suspensão daquele corte até que seja comprovada a regularidade do empréstimo que foi realizado."
Ciente disso, ele alerta que é importante saber também como prevenir-se destes golpes. Isso porque não é recomendado que negociações sejam feitas por meio virtual.
"Sempre que sentir necessidade de realizar algum empréstimo, dirigir-se até a agência bancária mais próxima da sua residência e, lá, conversar com o gerente, com o funcionário do banco, ele poderá entender todas as condições e questões que envolvam esse empréstimo", aconselha o secretário executivo do Decon.
O objetivo é evitar que o consumidor caia nos golpes por pressa em garantir a oferta, porque as pessoas podem ficar entusiasmadas com as grandes vantagens oferecidas e sempre tem a possibilidade de alguém estar se passando pelo banco, usando recursos para enganar o aposentado.
A recorrência desse tipo de fraude tem acendido também o alerta das instituições financeiras. Dentre as medidas adotadas estão aperfeiçoamento de sistemas, investimentos em proteção de dados, além de uma comunicação mais clara e efetiva com os clientes.
Recentemente, a própria Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) emitiu um comunicado chamando atenção para uma nova modalidade de golpe no qual as organizações criminosas se passam por falsas instituições financeiras e oferecem crédito com condições muito vantajosas para o consumidor, na maioria dos casos, prometendo liberação fácil de dinheiro para consumidores negativados.
De acordo com a entidade, quando o interessado preenche o cadastro nestes sites fraudulentos, os bandidos entram em contato e pedem que ele assine um suposto contrato, mas, sem que o usuário perceba, colocam cláusulas impondo multas, caso haja desistência.
Também fazem ameaças e dizem que irão enviar o nome do cliente para bureaus de crédito, com nome negativado. Para que o falso empréstimo seja liberado, pedem o pagamento de taxas e impostos e dizem que a prática é normal.
"Não existe empréstimo em que a pessoa tenha que fazer qualquer tipo de pagamento antecipado, seja de impostos, de preenchimento de cadastro ou de supostos adiantamentos de parcelas. Este tipo de abordagem é golpe. Em todas as operações de crédito regulares, o cliente recebe o dinheiro e não tem que pagar nada para isso", alerta Adriano Volpini, diretor do Comitê de Prevenção a Fraudes da Febraban.
Volpini também ressalta que o cliente sempre deve desconfiar de sites na Internet que ofereçam crédito com condições vantajosas.