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Estudo aponta cláusulas abusivas em contratos de energia eólica no Nordeste
Reportagem

Estudo aponta cláusulas abusivas em contratos de energia eólica no Nordeste

| Relação desigual | Para advogado e pesquisador, pequenos agricultores não teriam conhecimento suficiente para compreender acordos, que incluem multa milionária em caso de desistência, mas baixa remuneração
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Levantamento identificou injustiças nos contratos de parques com proprietários de terrenos (Foto: JL Rosa(18/06/2021))
Foto: JL Rosa(18/06/2021) Levantamento identificou injustiças nos contratos de parques com proprietários de terrenos

Um relatório técnico apontou cláusulas abusivas em 50 contratos para uso da terra entre empresas de energia eólica e pequenos agricultores no Nordeste.

Dentre os problemas mostrados pelo estudo, há previsão de multas de até R$ 5 milhões para proprietários que desistirem da locação do terreno e isenção para empresas.

O levantamento “Aspectos jurídicos da relação contratual entre empresas e comunidades do Nordeste brasileiro para a geração de energia renovável: o caso da energia eólica” foi elaborado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), em parceria com o Plano Nordeste Potência.

Além das multas expressivas, os contratos seguem um padrão marcado por cláusulas com longos prazos contratuais e baixas remunerações pagas pelos valores dos hectares (R$ 1 ou R$ 2 por hectare) aos moradores.

Também, na maioria dos acordos, existe uma cláusula de sigilo ou confidencialidade, que dificulta a análise por agências reguladoras, como a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

O estudo teve acesso a contratos vigentes no Ceará, na Paraíba, na Bahia, no Rio Grande do Norte e em Pernambuco.

O levantamento destaca que não existe, no direito brasileiro, uma definição clara que regule as relações contratuais para o uso da terra destinado à exploração de energias renováveis.

Dessa forma, empresas que atuam na geração de energia têm se adaptado à legislação vigente, de modo que o acesso à terra vem se dando, majoritariamente, a partir de contratos de arrendamento e por contratos de cessão de uso da terra, os quais são apresentados pelo estudo.

O advogado e pesquisador participante do estudo, Rárisson Sampaio, conta que a dificuldade inicial para o mapeamento dos acordos jurídicos foi a confidencialidade.

O pesquisador conta que houve uma busca ativa nas comunidades, organizações e movimentos sociais para conseguir os contratos. “Basicamente entramos em contato com os pequenos agricultores e solicitamos o acesso”, explica.

Acerca das modalidades contratuais analisadas pelo levantamento, Rárisson explica que os pontos apresentados nos acordos em relação à retribuição das rendas aos agricultores eram “gritantes”.

Ele também ressalta que as famílias que alugam os terrenos não têm aparatos suficientes para entender as normas dos contratos.

Em relação à cláusula de um dos contratos que propõe uma multa de R$ 5 milhões para o agricultor em caso de desistência, o advogado explica que a causa está sendo trabalhada para ser colocada como um problema coletivo.

“Geralmente ocorre quando uma pessoa não é bem esclarecida. É uma injustiça contratual muito grande. A gente tá tentando caracterizar como um problema social coletivo, é um interesse público, porque é uma atividade econômica que está lesionando pessoas”.

Sobre às relações entre os pequenos proprietários e as empresas existe uma "preocupação", de acordo com o advogado André Menescal. "Pequenos proprietários muitas vezes não possuem o mesmo poder de negociação que grandes empresas, o que pode resultar em condições menos favoráveis".

"É essencial que esses proprietários busquem assessoria jurídica para assegurar que seus direitos sejam protegidos e para que o arrendamento traga benefícios justos e sustentáveis", frisa André.

Um pequeno morador ouvido, que não quis se identificar, relata que recebeu uma proposta de uma empresa de energia eólica neste ano para alugar sua propriedade, localizada no Sul.

O contrato ofertado no Sul apresentava cláusulas em que o proprietário iria receber 1,5% dos lucros gerados pelos materiais de energia.

O acordo também apresentava que a empresa poderia ter acesso livre à terra com o objetivo de construir um parque eólico por mais de cinco anos sem pagar ao dono da terra.

Mas a realidade é que estas cláusulas se repetem em outros contratos pelo País. O POVO notou a repetição dos mesmos termos em 23 acordos firmados em diferentes cidades do Brasil, como Acaraú (CE) e Uruguaiana (RS).

Para Rárisson, o estudo do Inesc mostrou ações abusivas por parte das empresas de energia. "O estudo do Inesc revelou injustiças e abusos praticados por empresas nas relações contratuais para captação de terras, em toda a região Nordeste, destinadas à geração de energia", complementou.

A Aneel foi procurada pelo O POVO para obter um posicionamento sobre o tema. Em resposta, a autarquia explica que não tem gestão nos contratos entre empresas e proprietários de terras. "Não faz parte das atribuições da fiscalização. Esse tipo de contrato é avaliado pelos fóruns judiciais".

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Entenda os contratos apresentados pelo relatório técnico

Contrato de arrendamento: o contrato de arrendamento é semelhante à locação. A modalidade de contrato consiste em um proprietário, que irá receber pela locação do terreno, atribuir de maneira parcial ou total o uso da da propriedade à empresa contratante. O objetivo do aluguel é a exploração econômica de atividades específicas.

Contrato de cessão de uso: esta forma de contrato é destinada para fins de avaliar a viabilidade do uso da terra, sem qualquer direito sobre a propriedade. Geralmente, são acordos mais curtos. Em relação aos pequenos agricultores e as empresas de energia eólica, muitos contratos não apresentam remuneração pelo uso da terra na pré-fase de instalação.

Contrato de servidão: a servidão de passagem é um direito real que permite que o proprietário de um imóvel se utilize da área de um outro imóvel para ter acesso a outro local. No caso da empresa de energia eólica e os donos de terras, os contratos são destinados para autorizar a passagem de estruturas e outros insumos necessários à operacionalização do projeto.

Raio X dos contratos encontrados no Nordeste

Rio Grande do Norte

  • Arrendamento: 14 contratos
  • Cessão de uso: 7 contratos
  • Concessão/arrendamento: 1 contrato

Pernambuco

  • Arrendamento: 18 contratos
  • Cessão de uso: 2 contratos

Paraíba

  • Servidão: 2 contratos
  • Cessão de uso: 1 contrato
  • Arrendamento: 1 contrato
  • Concessão/arrendamento: 1 contrato

Ceará

  • Arrendamento: 3 contratos

Bahia

  • Arrendamento: 1 contrato
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