As exportações cearenses sempre foram vinculadas às indústrias tradicionais, como confecção, têxtil e calçados, além de algumas áreas da agroindústria, como castanhas de caju, camarão e lagostas.
A participação desses segmentos na pauta de vendas internacionais segue forte até hoje, mas nos últimos 12 anos tem havido uma transformação que alavancou a balança comercial cearense.
A movimentação total de cargas chegou a bater recorde em 2021, com 22,4 milhões de toneladas, e mais recentemente fechou 2023 com mais de 17,3 milhões de toneladas movimentadas.
No primeiro semestre deste ano, a movimentação cresceu 11,3% em relação a igual período do ano passado, alcançando quase 9 milhões de toneladas.
Houve boa expansão na importação de painéis solares e movimentação de pás eólicas para o setor de energia, além dos minérios e de ferro.
Segundo o presidente da Academia Cearense de Economia (ACE), Lauro Chaves Neto, a mudança da pauta ocorre com o desenvolvimento do Complexo Industrial e Portuário do Pecém (Cipp) e a introdução da Zona de Processamento de Exportações (ZPE).
Assim, foi possível a chegada da Companhia Siderúrgica do Pecém (CSP), atual ArcelorMittal Pecém, permitindo com que as exportações industriais tomassem outro tamanho.
"Com a consolidação da ZPE e do hub de hidrogênio verde nos próximos anos e décadas, as exportações industriais cearenses tomarão um outro patamar".
"Precisamos prosseguir com esse processo de modernização dos setores tradicionais da indústria cearense que vem sendo liderado pelo presidente da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), Ricardo Cavalcante, para que a indústria consiga se inserir nas cadeias globais de valor com tecnologias de ponta em seus processos gerenciais e produtivos para que assim consigamos um ganho de produtividade e competitividade."
Em 2017, primeiro ano completo após a inauguração da CSP, o Porto do Pecém apresentou uma movimentação de 15,8 milhões de toneladas, o que já representava aumento de 41% em relação a 2016 e mais do que o dobro da movimentação de 2015 (7 milhões de toneladas).
Muito por influência da siderúrgica, em 2017 as importações aumentaram 29%, passando de 9,1 milhões de toneladas em 2016 para 11,7 milhões de toneladas.
Já as exportações subiram 95%, com 4 milhões de toneladas ao todo, sendo 2,5 milhões de toneladas exportadas de placas de aço.
Hugo Figueirêdo, presidente do Complexo do Pecém, destaca que a estrutura industrial e portuária conta com 31 empresas com presença física em São Gonçalo do Amarante, mas quase 100 empresas de alguma forma atuam na região, seja atendendo as indústrias ou movimentando cargas.
"O Pecém nasceu como um terminal portuário e, ao longo dessas mais de duas décadas, se tornou um grande complexo industrial e portuário. Sabemos que temos uma grande responsabilidade em mãos, de transformar novamente a economia do Ceará através da transição energética, e não tenho dúvidas de que veremos isso acontecer nos próximos anos", afirma.
Com a chegada dos novos investimentos industriais, existe a perspectiva de que o número de trabalhadores empregados no Complexo do Pecém dobre, atualmente são 80 mil. Outro projeto que promete contribuir para esse movimento prodigioso naquela região é a conclusão da ferrovia Transnordestina, prevista para 2027.
Com o início da operação da ferrovia, a administração do Porto do Pecém espera que a movimentação de cargas dobre e novas operações industrias de segmentos diversos possam se instalar na ZPE.
Eduardo Amaral, presidente da Associação das Empresas do Complexo Industrial e Portuário do Pecém (Aecipp), que representa 90 empresas instaladas na região, destaca que a diversidade de projetos anima quem trabalha por lá e deve promover um salto econômico ao Ceará.
Ele destaca que o Complexo do Pecém tem um papel crucial e deve movimentar uma diversidade de cadeias, desde as energias renováveis, passando pelo setor de TIC, com projeto de data center da Casa dos Ventos, com investimento projetado em torno de R$ 55 bilhões.
Há ainda os investimentos em infraestrutura, como em saneamento, além da instalação da refinaria Noxis Energy, que somam outros R$ 11,4 bilhões.
"O CIPP também se destaca por seu corredor logístico, que integra o porto e a ZPE, facilitando a importação e exportação de produtos do Ceará e de outras regiões, consolidando-o como um eixo estratégico para o comércio global."
Dentro desse contexto, investimentos em indústrias instaladas no Pecém continuam e o foco é na transição energética, seja na produção direta de energia ou na mudança das matrizes para produção industrial com menor emissão de carbono.
Somente o hub de hidrogênio verde do Ceará deve movimentar algo em torno de US$ 30 bilhões de investimentos nas plantas, conforme cálculos do Governo do Estado.
Outras movimentações ocorrem nas demais indústrias, como a ArcelorMittal Pecém, que tem plano de produzir nos próximos anos aço verde.
Outro exemplo importante é um memorando de pesquisa assinado pela Universidade Estadual do Ceará (Uece) e a termelétrica Energia Pecém, que possuem acordo de R$ 2,5 milhões para desenvolver biocarvão.
A iniciativa de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) visa à produção de carvão híbrido a partir da biomassa de coco, um novo tipo de combustível para substituir o carvão mineral da operação da usina.
O olhar para a casca do coco verde ocorre na medida em que dá uso para uma parte do fruto que não era utilizado e virava resíduo, representando até 70% do lixo gerado nas praias do Nordeste (cerca de 2 milhões de toneladas por ano).
A PD&I também vai analisar o uso do biocarvão produzido a partir de resíduos de esgoto pelo processamento termoquímico do lodo da estação de tratamento de esgoto.
O presidente da Energia Pecém, Carlos Baldi, destaca que a nova tecnologia gera investimento "em prol de uma transição energética justa e de menor impacto", que pode reduzir a emissão de CO² da operação da usina entre 20% e 45%, disse ao O POVO na assinatura do acordo, no último dia 28 de agosto.
O nível de relacionamento entre a academia e o mercado no Ceará deu um salto nos últimos anos e a quantidade de parcerias em desenvolvimento tem crescido. No setor industrial, iniciativas no âmbito da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec) tem permitido com que soluções inovadoras cheguem às empresas.
Exemplo de parceria neste sentido é o da Universidade Federal do Ceará (UFC) e o Instituto Euvaldo Lodi (IEL-CE), que finalizou no fim de agosto o primeiro ciclo do PDI on Demand.
O evento reuniu projetos inovadores para solucionar demandas internas de empresas industriais. Foram sete meses de atividades para gerar as soluções até a apresentação no "Demoday", no fim de agosto.
No Demoday, as empresas Platsan, Central das Correias e Correntes, Alimempro, CPN/Mobil, Polimatec e Sabão Juá apresentaram projetos inovadores. No momento final da primeira etapa desta iniciativa, o IEL disponibiliza pesquisadores da área de Gestão da Inovação para estimular a inovação dentro dessas empresas.
Desde 2010, com a UFC já depositou 463 patentes, mais de 150 projetos de pesquisa e desenvolvimento são realizados com empresas privadas, mistas, públicas ou instituições nos últimos quatro anos.
Conceição Oliveira, coordenadora de Empreendedorismo e Inovação da Universidade Federal do Ceará (UFC), destaca que o fomento às parcerias entre universidades e empresas cresceu muito no Brasil nos últimos anos e o Ceará se destaca neste processo.
Ela conta que em nível federal existem iniciativas de incentivo à Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) por meio de programas como a Lei do Bem, que concede incentivos fiscais a empresas que investem em PD&I e é um dos principais instrumentos para estímulo nesta área.
Em nível estadual, Conceição destaca os projetos da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológicos (Funcap), além de iniciativas que buscam promover o empreendedorismo no meio acadêmico.
Segundo ela, isso tem impulsionado as parcerias e aberto as portas das universidades para as empresas. E há espaço para muito mais.
"A chave é uma mudança de cultura em todos os segmentos. Dentro da Universidade lutamos diariamente para estar preparados porque a palavra do momento (para o desenvolvimento econômico) é inovação. Ela chegou e não tem como fugir".
Conceição ainda acrescenta que o Brasil passou muito tempo com baixos investimentos na área, por conta disso apresenta um déficit em relação às principais economias.
"Ainda estamos uns 30 anos atrasados e para diminuir essa diferença são necessários investimentos. (Esse movimento não deve ocorrer só nas grandes empresas) porque a grande questão é gerar tecnologias inovadoras com alto valor agregado", diz.
Quase 600 pleitos de benefício fiscal por meio do Fundo de Desenvolvimento Industrial (FDI) para aquisição de máquinas e equipamentos e matéria prima foram feitas em 2024. A soma chega a R$ 1,4 bilhão em produtos e faz parte de política pública para fomente da indústria local.
As autorizações são feitas em reuniões periódicas do Conselho de Desenvolvimento Econômico do Estado (Condec). Somente nestes dois tipos de pleitos foram 47 segmentos industriais beneficiados.
A maioria dos pedidos de fomento para aquisição de máquinas e equipamentos veio do segmento de geração de energia, com 129 pleitos.
No que se refere à importação de matéria-prima, o segmento de fabricação de máquinas e equipamentos para uso industrial tem o maior número de pleitos, 51.
Luis Eduardo Fontenele, diretor de fomento da Agência de Desenvolvimento do Ceará (Adece), destaca que o acesso a esse tipo de benefício pode ser ampliado no Estado.
Ele explica que o FDI não serve apenas para concessão de benefícios fiscais para novas operações industriais no Estado, mas que outras oportunidades estão disponíveis, basta buscar a Adece e consultar o Guia do Investidor no site www.adece.ce.gov.br para verificar as regras.
Eduardo explica que as regras para a isenção de imposto estadual para aquisição de máquinas e equipamentos e insumos envolve a importação somente em casos em que não haja o produto no mercado nacional ou em casos de que o produto nacional não atenda a critérios de qualidade técnica.
Ele pontua ainda que os pedidos também abrem a possibilidade para que o Estado atue na atração de novos investimentos industriais ao Ceará.
"Para nós é importante acompanhar a demanda dos pedidos porque ao perceber que uma empresa local está importando muita matéria prima, procuramos atrair o fabricante para o Ceará. Temos argumentos para mostrar as vantagens de instalar uma indústria aqui", afirma.
Eduardo ainda explica que, quando as companhias que recebem benefícios se relacionam na cadeia de produção, o consumidor final ganha e a economia cearense é movimentada.
Outro ponto importante é que as aquisições também significam ampliações de produção e produtividade dos negócios, com abertura de novas vagas de emprego e aumento da renda.
Por Karina Frota*
Quando utilizamos a nomenclatura “integração internacional” entendemos como a integração econômica global. As economias integradas em um contexto mundial tendem a ser mais competitivas.
Nesse contexto, no Ceará, buscamos captar para a indústria local soluções nas áreas de inteligência artificial, cloud computing e big data.
Não podemos mais pensar no Comércio Exterior apenas com a visão tradicional, de compra e venda de mercadorias. É necessário avançar nas agendas de sustentabilidade, transição energética e equidade de gênero.
Com esta pauta, a indústria cearense estará em condições favoráveis para “ganhar o mundo”.
O hidrogênio verde é um dos elementos mais promissores na busca mundial por uma nova matriz energética. O Ceará tem capacidade de se tornar referência na produção do combustível.
Temos uma infraestrutura portuária tecnológica e logística que nos integra às várias nações do mundo. Mensurar o impacto? Que desafio. Mas vamos transformar o desenvolvimento econômico do Ceará, ampliar o PIB, gerar emprego e renda. Vamos exportar H2V para um mercado do tamanho do mundo.
*Karina Frota, gerente do Centro Internacional de Negócios da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (CIN/Fiec) e colunista do O POVO+
O cenário atual da indústria brasileira é de dependência tecnológica e de insumos de outros mercados. Apesar de exceções importantes, como a produção de aeronaves da Embraer, de maneira geral, a indústria brasileira tem elevado sua demanda no mercado internacional.
Levantamento feito pela Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) com base em dados da balança comercial, os dados de importações do primeiro semestre de 2024 apontam que a indústria de transformação demandou mais 4,1% em valor de importação.
A maior parte dessa demanda diz respeito às importações de bens intermediários (64,9%) - que são matérias-primas ou produtos manufaturados que são usados na produção de outros bens ou produtos finais, seguida dos bens de capital (17,1%) - que são recursos e ferramentas utilizados na produção de bens de consumo ou de investimento.
Os dados ainda mostram que o movimento semestral aponta que a indústria de transformação tem variações positivas nas compras de máquinas e equipamentos, enquanto na agropecuária houve queda.
Apesar de representar apenas 5,7% do total de importações, o avanço de 65,6% desse recorte gerou o aumento médio das importações. Também é notável a concentração, já que 51% dos bens duráveis importados são oriundos da China.
Essa participação chinesa diz respeito especialmente à importação de veículos elétricos, que, de maneira geral, avançaram mais de 400% entre junho de 2023 e 2024.
A dependência de insumos de origem estrangeira é grande para a indústria nacional. Em 2023, a indústria brasileira importou 90,6% dos produtos importados pelo País, totalizando US$ 218,19 bilhões.
Os dados fazem parte de levantamento do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) com dados oficiais.
Desse montante, a indústria de transformação foi a que mais demandou do mercado internacional para realizar sua manufatura, depois vindo a extrativa e a agroindústria na sequência.
Outro ponto de destaque é que a dependência de insumos importados na indústria varia conforme o nível de tecnologia embarcada nos segmentos. Indústrias de baixa e média tecnologia importaram menos insumos, enquanto as indústrias de alta e média-alta tecnologia no processo produtivo importaram mais.
Dentro desse contexto, o papel do hidrogênio verde e das demais energias renováveis que contribuirão para o processo de transição energética da economia, tem o potencial para tornar a indústria do Ceará ainda mais integrada ao mundo.
Para Cláudio Considera, coordenador de Contas Nacionais da FGV Ibre, a partir do processo de transição energética, a indústria brasileira está passando por uma grande transformação que deve promover uma recuperação do PIB industrial.
Ele lembra dos projetos de energias renováveis desenvolvidos no Nordeste e destaca o Ceará neste processo.
"Acredito que sim (deve haver uma recuperação importante do PIB da indústria). Existem várias intenções de investimentos que devem se concretizar", destaca.
Para que isso ocorra, entende-se que o fortalecimento das instituições brasileiras é importante, já que grandes investidores internacionais evitam países "instáveis", que mudam suas regras "a toda hora" e passam insegurança jurídica.
Terminal
O Terminal Portuário do Pecém é constituído de três piers marítimos, sendo o primeiro para granéis sólidos, líquidos e carga geral não conteinerizada, o segundo para granéis líquidos e o terceiro para granel sólido, carga geral conteinerizada e não conteinerizada
Coco
O biocarvão vai olhar para a casca do coco verde, que é uma parte do fruto que não era utilizado e virava resíduo, representando até 70% do lixo gerado nas praias do Nordeste