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A Dessal na infraestrutura hídrica do Ceará: entre avanços estruturais e desafios na gestão da água
Reportagem

A Dessal na infraestrutura hídrica do Ceará: entre avanços estruturais e desafios na gestão da água

O caminho até a decisão de construir uma usina de dessalinização para abastecimento humano na Grande Fortaleza dialoga com o crescimento da população e da demanda por água. Somente a transposição do São Francisco não seria suficiente para abastecer a Capital, mas custo cinco vezes maior da água dessalinizada é desafio
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capa _ dessal_ ep.3 (Foto: design op)
Foto: design op capa _ dessal_ ep.3
 

 

A convivência com as intempéries do clima sempre foi um desafio para o Ceará, que possui mais de 90% de seu território inserido na área de influência do semiárido. Para contornar esse quadro, a ampliação da infraestrutura de segurança hídrica tem sido feita, da transposição do Rio São Francisco ao projeto da Usina de Dessalinização (Dessal).

Essa construção de infraestrutura, no entanto, envolve o encarecimento dos custos. De acordo com estudo do do Centro Estratégico de Excelência em Política de Águas e Secas (Cepas) da Universidade Federal do Ceará (UFC), o custo da água dessalinizada tende a ser cinco vezes mais caro ao consumidor do que a da transposição.

O processo de dessalinização

 

No Ceará, existem esforços históricos no sentido de criar uma estrutura de resguardo para períodos de seca desde o período imperial no Brasil, com o início da construção do Açude do Cedro, em 1882, a pedido do imperador Dom Pedro II.

No século XX, tivemos a introdução do Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (Dnocs) e a construção do Castanhão, maior reservatório de água doce para múltiplos usos da América Latina, com mais de 6,7 bilhões de metros cúbicos (m³) de capacidade.

ASSISTA | Especial O POVO+ | Os Quinze: A convivência com a seca no Ceará

Ainda assim, os períodos de seca eram duros para o Ceará, inclusive com mortes e milhares de retirantes do Interior rumando à Capital, como registros de 1877, 1915 e 1932.

Na Seca do 15, cerca de 120 mil pessoas foram obrigadas a se deslocar, migrando do Ceará para a Amazônia e outras 68 mil para outras partes do Brasil. Foram nessas épocas de crise que foram criados campos de concentração, também chamados de "currais humanos", para evitar que os retirantes chegassem a Fortaleza.

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Mais recentemente, os investimentos em projetos de garantia da segurança hídrica do Estado passaram por uma revisão e incremento, sendo o principal deles a transposição do São Francisco, com eixos de transferência das águas para o Cariri e Castanhão.

Com recursos do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), também estão previstos R$ 12,9 bilhões para obras de infraestrutura hídrica.

Ao O POVO, o titular da Secretaria de Recursos Hídricos (SRH), Ramon Rodrigues, destaca que os investimentos fortalecem as comunidades frente aos desafios hídricos e climáticos, seja na Capital ou no sertão.

"Esse conjunto de ações resultou em uma expressiva estrutura institucional que permitiu que o Ceará enfrentasse grandes períodos de seca de forma resiliente. A chamada “gestão hídrica cearense” ganhou o País e hoje se tornou uma das mais exitosas experiências em execução", afirma.

Um exemplo material da evolução da infraestrutura de convivência com a seca é o período vivido entre 2018 e 2019. Em alguns lugares, como o Sertão Central, apesar dos baixos níveis de água disponíveis - temos atualmente casos de 15% de reserva de água em alguns reservatórios, a infraestrutura mitigou, em grande parte, o impacto das secas nesse período. Diferentemente de secas passadas, não houve perda de produção ou mortes.

Águas da Transposição do Rio São Francisco a caminho do Cinturão das Águas, no Ceará(Foto: Nívia Uchoa/Governo do Ceará)
Foto: Nívia Uchoa/Governo do Ceará Águas da Transposição do Rio São Francisco a caminho do Cinturão das Águas, no Ceará

Ainda dentro desse escopo, entra uma solução importada de outras regiões que convivem com períodos de seca, a dessalinização da água do mar.

A infraestrutura, já consolidada em países como Espanha e Israel, finalmente passa a ser adotada no Ceará com a construção da Dessal. Mas seria essa a melhor iniciativa em termos de custos e impactos?

Francisco de Assis Souza Filho, coordenador do Cepas/UFC e Cientista Chefe Recursos Hídricos do Governo do Ceará, destaca que o nível de custos vai mudar a partir da usina de dessalinização em Fortaleza.

A Dessal funcionaria como uma reserva de emergência para o abastecimento. A preço de 2018, antes da última seca, a demanda de abastecimento humano na Grande Fortaleza já atingia 12 m³/segundo, volume superior ao fornecimento projetado para a transposição do São Francisco, de 10 m³/segundo.

Assis lembra que foi nesse mesmo período que o Castanhão chegou a um estoque de apenas 2,5%. Isso acelerou a implementação do projeto de usina de dessalinização.

"A dessalinização, no caso de uma seca extrema, entraria como um recurso complementar, mas é uma água mais cara, custando entre R$ 3,50 e R$ 4 por metro cúbico, enquanto a água da transposição chega a R$ 0,70 por metro cúbico", explica.

Assis, no entanto, faz um alerta grave: A gestão de recursos hídricos para convivência com a seca vai além da oferta de água, mas também a forma como recursos tão preciosos são tratados.

As perdas na distribuição de água no Ceará foram de 44,38% em 2022, de acordo com o levantamento mais recente do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), do Ministério das Cidades. Em Fortaleza, por sua vez, 36,62% da água distribuída foram perdidas nesse mesmo período.

O coordenador ainda acrescenta que o nível de eficiência média das áreas irrigadas varia entre 40% e 60%, sendo necessário evoluir com soluções neste sentido que se somem a projetos em andamento, como o Malha D'Água, que visa reduzir as perdas por evaporação, por exemplo, de água em trânsito ao longo dos rios.

"Essas obras são fundamentais, mas elas não eliminam a seca; as secas continuarão, mas com impacto reduzido".

Etapas do licenciamento

 

 

 

Cagece investe R$ 2,4 bilhões para reduzir as perdas e os estudos para potencializar a Dessal

Os questionamentos em torno do nível de perdas e roubos de água no sistema de distribuição gerido pela Cagece no Ceará são motivo de preocupação.

Mais de 1/3 da água distribuída em Fortaleza foi perdida. Em nível estadual, quase metade da água tratada se perde na distribuição, segundo dados do SNIS, do Ministério das Cidades.

Conhecendo esses problemas, surge o questionamento: O que a companhia tem feito para solucionar essa questão, já que os esforços investidos para a oferta de água têm atingido a casa dos bilhões? - somente a Dessal tem valor de R$ 3 bilhões, entre construção e operação pelos próximos 30 anos.

Em resposta ao O POVO, a Cagece informa que tem executado o Programa de Combate às Perdas de Água na Distribuição, considerando as metas estabelecidas pelo Marco Legal do Saneamento Básico.

A área de atuação para prestação de serviços abrange os 152 municípios atendidos pela Cagece. Ao todo, são beneficiados 5,6 milhões de cearenses, com investimentos de R$ 2,4 bilhões.

Cagece firma cooperação com Centro Estratégico de Excelência em Políticas de Águas e Secas (CEPAS) da UFC(Foto: Rayane Mainara/Governo do Ceará)
Foto: Rayane Mainara/Governo do Ceará Cagece firma cooperação com Centro Estratégico de Excelência em Políticas de Águas e Secas (CEPAS) da UFC

Uma das estratégias da companhia é a setorização do abastecimento de água em Fortaleza, Maracanaú, Caucaia e Juazeiro do Norte, por meio da instalação de Distritos de Medição e Controle (DMCs).

Ações como substituição de tubulações velhas, implantação e modernização de controle operacional e contenção contra vazamentos estão sendo implementadas. "Com tecnologia de ponta, a companhia executa obras e serviços para combate às perdas, que incluem a instalação de dispositivos que monitoram as redes 24h por dia", afirma a Cagece.

A Cagece assinou um termo de cooperação técnico-científica junto da UFC e órgãos do setor hídrico do Estado que instituiu em maio deste ano o Cepas/UFC.

Na ocasião da assinatura, o presidente da companhia, Neuri Freitas, afirmou que o setor hídrico do Ceará já pode ser considerado uma referência nacional, mas é importante continuar na busca pela inovação.

Ele ainda disse que o grande ponto de discussão é a qualidade do tratamento, destacando que, para além dos esforços internos, o termo deve produzir bons frutos. "Infelizmente, hoje, a nossa água está com muita matéria orgânica, o que nos exige cada vez mais esforços para tratá-la. É preciso buscarmos conhecimento para desenvolver novas tecnologias de tratamento."

No âmbito do Cepas, a Cagece já possui dados que visam diminuir os custos com a injeção de água dessalinizada no sistema.

A operação da Dessal prevê a distribuição da água dessalinizada na rede a partir do reservatório no Morro Santa Terezinha, distante dois quilômetros do local da usina.

O coordenador do Cepas, Francisco de Assis de Sousa Filho, explica o modelo de otimização: "Para minimizar os custos, desenvolvemos um modelo de otimização junto à UFC, sob o programa Cientista Chefe, para definir o quanto de água dessalinizada deve ser injetado na rede, dependendo dos níveis dos reservatórios e da necessidade de Fortaleza".

A intenção desse modelo é tornar a vazão desse bem mais assertiva, de forma a potencializar o efeito e diminuir os custos extras ao consumidor final. Não há, no entanto, nenhum modelo mais detalhado sobre em quantos reais a conta de água e esgoto deve ser afetada com a entrada da Dessal em operação.

 

 

Dessal será a maior usina do tipo no Brasil com o dobro da capacidade do principal usina do tipo em operação

A previsão de que a Usina de Dessalinização (Dessal) gere 1 m³/segundo de água tratada a coloca como o principal projeto nacional do tipo. Atualmente, existem outros dois já implementados, um em Fernando de Noronha-PE (para abastecimento do arquipélago) e outro em Vitória-ES (de caráter industrial).

A maior dentre as usinas de dessalinização já implementadas possui o equivalente à metade da capacidade da Dessal.

Comparado às experiências internacionais consolidadas em países como Israel e Espanha, que contam com projetos com capacidade de dessalinizar 5 m³/segundo, 8 m³/segundo, a Dessal ainda é tímida em proporção.

O POVO conversou com o coordenador dos estudos e relatórios de impacto ambiental (EIA/Rima) da Dessal, o engenheiro Fábio Perdigão.

Especialista em Oceanografia Ambiental Costeira, ele destaca que o Ceará deve observar um crescimento na implementação de estruturas de dessalinização da água do mar, principalmente para atender a demanda da indústria.

Questionado sobre as preocupações em torno do projeto do ponto de vista ambiental, Fábio revela que a Semace ainda não se pronunciou pedindo novos estudos complementares.

Sobre a movimentação de desova de tartarugas na Praia do Futuro, diz que o maior impacto deve ocorrer no período em que haverá escavações para introdução de tubulações a 20 metros de profundidade. Depois disso, o acesso deve ser liberado para uso público da praia.

Sobre os rejeitos de sal, Fábio explica que os estudos apresentados à Semace comprovam que a força da corrente contribui para que a dispersão resulte em impacto praticamente zero na fauna e flora marinha a 35 metros de distância do ponto de lançamento.

"Depois que enterrarem as tubulações, o público ainda terá acesso normal à praia. A área de banho, surfe e lazer continuará a mesma, pois a tubulação só emerge a 300 metros no mar, numa profundidade de cinco metros. Ou seja, você pode tomar banho e surfar normalmente, sem qualquer interferência."

E continua: "Outro ponto importante é que não há bombeamento no mar; a água captada vai para o continente por gravidade, sem nenhum barulho ou equipamento no mar que possa prejudicar o meio ambiente".

O impacto e o funcionamento da Usina de Dessalinização

 

 

 

Ineditismo da Dessal gera questionamentos sobre nível de impacto ambiental

Por ser a primeira planta de dessalinização do Brasil, a Dessal do Ceará possui características específicas que impõem desafios aos órgãos ambientais.

Será a primeira vez que uma planta de dessalinização desse porte será licenciada no Brasil, o que inspira a necessidade de estudos ambientais pioneiros para essa finalidade.

Além de ser um terreno de marinha, a região de oito hectares (ha) está situada em uma Área de Preservação Permanente (APP) e Zona de Proteção Ambiental (ZPA), a ZPA 2, já que é uma faixa de praia.

O local de instalação, na Praia do Futuro, ao mesmo tempo em que é um importante ponto de lazer e turismo, é também uma área de olhos d’água doces, restinga (Mata Atlântica) e berçário de reprodução de tartarugas marinhas.

Moradores do território também estão preocupados com a perda do acesso à praia e com os ruídos e rejeitos gerados pela usina.

O resíduo costuma ser o que sobra da filtragem de sal da água do mar — fragmentos que, se não forem devidamente diluídos e tratados, podem formar uma salmoura tóxica que polui os ecossistemas costeiros.

A Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) é o órgão responsável pelo licenciamento ambiental da obra, processo que divide-se em quatro etapas: licença prévia (LP), licença de instalação (LI), licença de operação (LO) e compensação ambiental.

A autarquia, que é vinculada à Secretaria do Meio Ambiente e Mudança do Clima (Sema/CE), informou ao O POVO que a licença de instalação foi emitida em junho de 2024 e, agora, o que tramita é o pedido de alteração com a mudança do local de implantação.

A superintendência tem ciência da existência do local de desova de tartarugas e afirma que “solicitará os dados atualizados complementares deste ponto”.

De acordo com o consórcio Águas de Fortaleza, o sistema de captação é desenhado para que não haja captura de animais marinhos.

Em relação aos possíveis impactos sonoros que uma obra dessa magnitude pode ter durante a fase de produção de água, os representantes afirmam que “todas as medidas de isolamento acústico e de uso de equipamentos de menor ruído serão tomadas de modo a não incomodar a população local e visitantes”. (Karyne Lane)

 

 

>>Bate-pronto

"Lobby de Brasília transferiu usina para área proibida", diz Gabriel Aguiar

O biólogo e mestre em ecologia Gabriel Aguiar, vereador de Fortaleza conhecido como Gabriel Biologia (Psol), tem participado das reuniões do Grupo de Trabalho (GT) que discute a situação das famílias impactadas pela construção da Dessal e problematiza as questões ambientais.

Ao O POVO, ele critica a decisão de transferência do local de construção da Usina de Dessalinização. Acompanhe entrevista.

O POVO - De que forma o senhor avalia a transferência de local da Usina de Dessalinização (Dessal) na Praia do Futuro?

Gabriel Aguiar - Na verdade, o local anterior da usina não afetava os cabos submarinos, não mexeria com nenhuma casa e nem ecossistemas preservados. O lobby que se reunia em Brasília e fez alterar o local está preocupado é com o futuro, com novas instalações de novos cabos e outros empreendimentos futuros. Então, do ponto de vista social, o projeto anterior era muito melhor do que o atual.

Em relação aos impactos ambientais, o novo terreno é o pior possível. O novo terreno está integralmente em APP, em área de restinga que é protegida pela lei da mata atlântica do Código Florestal, área de reprodução de uma espécie ameaçada de extinção que são as tartarugas-marinhas, além de ser ZPA pelo Plano Diretor, o que significa que não deve existir construção nessa área.

Gabriel Aguiar (Psol), vereador de Fortaleza, em participação no podcast Jogo Político do O POVO(Foto: Reprodução/Youtube O POVO)
Foto: Reprodução/Youtube O POVO Gabriel Aguiar (Psol), vereador de Fortaleza, em participação no podcast Jogo Político do O POVO

OP - A Semace atualmente está avaliando e pode conceder licença ambiental para operação...

Gabriel - Hoje o projeto está sendo licenciado pela Semace, que licencia empreendimentos a nível de Estado, o que eu considero um grave erro. Quem deveria estar licenciando esse empreendimento deveria ser o Ibama*, já que a gente está falando de terreno de marinha e de uma planta industrial que parte dela é dentro do Oceano Atlântico, então foge da competência da Semace.

Sem falar que nós estamos falando de uma área de reprodução de uma espécie ameaçada de extinção, o que automaticamente deveria jogar a competência para o Ibama.

Se a gente fizer um paralelo com os cabos submarinos, quando eles vão ser instalados são licenciados pelo Ibama, então qual a lógica de a planta da Dessal não seguir o mesmo protocolo?

OP - O senhor acredita que a licença será negada?

Gabriel - Nós defendemos que a planta encontre uma alternativa locacional. A própria usina fica em risco por conta das dinâmicas das marés, da salinização, da dinâmica dos sedimentos, fluxo de areia que já soterra diversas construções como a própria areninha que havia ali. (Karyne Lane)

*O POVO entrou em contato e questionou o Ibama sobre a alegação do vereador de Fortaleza, Gabriel Aguiar. Como resposta, o órgão respondeu que não participará do trâmite de concessão das licenças e que a responsabilidade recai sobre os órgãos ambientais do Estado.

 

Veja ainda | Os Quinze: Cem anos após a seca de 1915

"Oie :) Aqui é Samuel Pimentel, repórter de Economia do O POVO e apresentador do programa de educação financeira Dei Valor. Qualquer comentário ou sugestão é só falar comigo. Quer curtir mais conteúdos? Vem navegar no OP+"

"Lobby de Brasília transferiu usina para área proibida", diz Gabriel Aguiar

O biólogo e mestre em ecologia Gabriel Aguiar, vereador de Fortaleza conhecido como Gabriel Biologia (Psol), tem participado das reuniões do Grupo de Trabalho (GT) que discute a situação das famílias impactadas pela construção da Dessal e problematiza as questões ambientais.

Ao O POVO, ele critica a decisão de transferência do local de construção da Usina de Dessalinização. Acompanhe entrevista.

O POVO - De que forma o senhor avalia a transferência de local da Usina de Dessalinização (Dessal) na Praia do Futuro?

Gabriel Aguiar - Na verdade, o local anterior da usina não afetava os cabos submarinos, não mexeria com nenhuma casa e nem ecossistemas preservados. O lobby que se reunia em Brasília e fez alterar o local está preocupado é com o futuro, com novas instalações de novos cabos e outros empreendimentos futuros. Então, do ponto de vista social, o projeto anterior era muito melhor do que o atual.

Em relação aos impactos ambientais, o novo terreno é o pior possível. O novo terreno está integralmente em APP, em área de restinga que é protegida pela lei da mata atlântica do Código Florestal, área de reprodução de uma espécie ameaçada de extinção que são as tartarugas-marinhas, além de ser ZPA pelo Plano Diretor, o que significa que não deve existir construção nessa área.
OP - A Semace atualmente está avaliando e pode conceder licença ambiental para operação...

Gabriel - Hoje o projeto está sendo licenciado pela Semace, que licencia empreendimentos a nível de Estado, o que eu considero um grave erro. Quem deveria estar licenciando esse empreendimento deveria ser o Ibama*, já que a gente está falando de terreno de marinha e de uma planta industrial que parte dela é dentro do Oceano Atlântico, então foge da competência da Semace.

Sem falar que nós estamos falando de uma área de reprodução de uma espécie ameaçada de extinção, o que automaticamente deveria jogar a competência para o Ibama.

Se a gente fizer um paralelo com os cabos submarinos, quando eles vão ser instalados são licenciados pelo Ibama, então qual a lógica de a planta da Dessal não seguir o mesmo protocolo?

OP - O senhor acredita que a licença será negada?

Gabriel - Nós defendemos que a planta encontre uma alternativa locacional. A própria usina fica em risco por conta das dinâmicas das marés, da salinização, da dinâmica dos sedimentos, fluxo de areia que já soterra diversas construções como a própria areninha que havia ali. (Karyne Lane)

*O POVO entrou em contato e questionou o Ibama sobre a alegação do vereador de Fortaleza, Gabriel Aguiar. Como resposta, o órgão respondeu que não participará do trâmite de concessão das licenças e que a responsabilidade recai sobre os órgãos ambientais do Estado.

 

Projeto gera questionamentos sobre impacto ambiental

Por ser a primeira planta de dessalinização do Brasil, a Dessal do Ceará possui características específicas que impõem desafios aos órgãos ambientais. Será a primeira vez que uma planta de dessalinização desse porte será licenciada no Brasil, o que inspira a necessidade de estudos ambientais pioneiros para essa finalidade.

Além de ser um terreno de marinha, a região de oito hectares (ha) está situada em uma Área de Preservação Permanente (APP) e Zona de Proteção Ambiental (ZPA), a ZPA 2, já que é uma faixa de praia.

O local de instalação, na Praia do Futuro, ao mesmo tempo em que é um importante ponto de lazer e turismo, é também uma área de olhos d'água doces, restinga (Mata Atlântica) e berçário de reprodução de tartarugas marinhas.

Moradores do território também estão preocupados com a perda do acesso à praia e com os ruídos e rejeitos gerados pela usina.

O resíduo costuma ser o que sobra da filtragem de sal da água do mar — fragmentos que, se não forem devidamente diluídos e tratados, podem formar uma salmoura tóxica que polui os ecossistemas costeiros.

A Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) é o órgão responsável pelo licenciamento ambiental da obra, processo que divide-se em quatro etapas: licença prévia (LP), licença de instalação (LI), licença de operação (LO) e compensação ambiental.

A autarquia, que é vinculada à Secretaria do Meio Ambiente e Mudança do Clima (Sema/CE), informou ao O POVO que a licença de instalação foi emitida em junho de 2024 e, agora, o que tramita é o pedido de alteração com a mudança do local de implantação.

De acordo com o consórcio Águas de Fortaleza, o sistema de captação é desenhado para que não haja captura de animais marinhos.

Em relação aos possíveis impactos sonoros que uma obra dessa magnitude pode ter durante a fase de produção de água, os representantes afirmam que "todas as medidas de isolamento acústico e de uso de equipamentos de menor ruído serão tomadas de modo a não incomodar a população local e visitantes". (Karyne Lane)

Dessal será a maior usina neste padrão no Brasil

A previsão de que a Usina de Dessalinização (Dessal) gere 1 m³/segundo de água tratada a coloca como o principal projeto nacional do tipo. Atualmente, existem outros dois já implementados, um em Fernando de Noronha (PE), para abastecimento do arquipélago, e outro em Vitória (ES), de caráter industrial.

A maior dentre as usinas de dessalinização já implementadas possui o equivalente à metade da capacidade da Dessal. Comparado às experiências internacionais, consolidadas em países como Israel e Espanha onde a capacidade de dessalinização é de 5 m³/segundo e 8 m³/segundo, a Dessal ainda é tímida em proporção.

O POVO conversou com o coordenador dos estudos e relatórios de impacto ambiental (EIA/Rima) da Dessal, o engenheiro Fábio Perdigão.

Especialista em Oceanografia Ambiental Costeira, ele destaca que o Ceará deve observar um crescimento na implementação de estruturas de dessalinização da água do mar, principalmente para atender a demanda da indústria.

Do ponto de vista ambiental, ele revela que a Semace ainda não se pronunciou pedindo novos estudos complementares. Sobre a movimentação de desova de tartarugas, diz que o maior impacto deve ocorrer no período em que haverá escavações para introdução de tubulações a 20 metros de profundidade. Depois disso, o acesso deve ser liberado para uso público da praia.

Já em relação aos rejeitos de sal, Fábio explica que os estudos comprovam que a força da corrente contribui para que a dispersão resulte em impacto praticamente zero na fauna e flora marinha a 35 metros de distância do ponto de lançamento. "Depois que enterrarem as tubulações, o público ainda terá acesso normal à praia. A área de banho, surfe e lazer continuará a mesma, pois a tubulação só emerge a 300 metros no mar, numa profundidade de cinco metros. Ou seja, você pode tomar banho e surfar normalmente, sem qualquer interferência."

Cagece investe R$ 2,4 bi para reduzir perdas e estudos para Dessal

Os questionamentos em torno do nível de perdas e roubos de água no sistema de distribuição gerido pela Companhia de Abastecimento de Água do Ceará (Cagece) são motivos de preocupação.

Mais de um terço da água distribuída em Fortaleza é perdida. Em nível estadual, quase metade da água tratada se perde na distribuição, segundo dados do SNIS, do Ministério das Cidades.

Conhecendo esses problemas, surge o questionamento: O que a companhia tem feito para solucionar essa questão, já que os esforços investidos para a oferta de água têm atingido a casa dos bilhões? Somente a Dessal tem valor de R$ 3 bilhões, entre construção e operação pelos próximos 30 anos.

Em resposta ao O POVO, a Cagece informa que tem executado o Programa de Combate às Perdas de Água na Distribuição, considerando as metas estabelecidas pelo Marco Legal do Saneamento Básico.

A área de atuação para prestação de serviços abrange os 152 municípios atendidos pela Cagece. Ao todo, são beneficiados 5,6 milhões de cearenses, com investimentos de R$ 2,4 bilhões.

Uma das estratégias da companhia é a setorização do abastecimento de água em Fortaleza, Maracanaú, Caucaia e Juazeiro do Norte, por meio da instalação de Distritos de Medição e Controle (DMCs).

Ações como substituição de tubulações velhas, implantação e modernização de controle operacional e contenção contra vazamentos estão sendo implementadas. "Com tecnologia de ponta, a companhia executa obras e serviços para combate às perdas, que incluem a instalação de dispositivos que monitoram as redes 24h por dia", afirma a Cagece.

A companhia assinou um termo de cooperação técnico-científica junto da Universidade Federal do Ceará (UFC) e órgãos do setor hídrico do Estado que instituiu em maio deste ano o Cepas/UFC.

Na ocasião da assinatura, o presidente da companhia, Neuri Freitas, afirmou que o setor hídrico do Ceará já pode ser considerado uma referência nacional, mas é importante continuar na busca pela inovação.

Ele ainda disse que o grande ponto de discussão é a qualidade do tratamento, destacando que, para além dos esforços internos, o termo deve produzir bons frutos. "Infelizmente, hoje, a nossa água está com muita matéria orgânica, o que nos exige cada vez mais esforços para tratá-la. É preciso buscarmos conhecimento para desenvolver novas tecnologias de tratamento."

No âmbito do Cepas, a Cagece já possui dados que visam diminuir os custos com a injeção de água dessalinizada no sistema. A operação da Dessal prevê a distribuição da água dessalinizada na rede a partir do reservatório no Morro Santa Terezinha, distante dois quilômetros do local da usina.

O coordenador do Cepas, Francisco de Assis de Sousa Filho, explica o modelo de otimização: "Para minimizar os custos, desenvolvemos um modelo de otimização junto à UFC, sob o programa Cientista Chefe, para definir o quanto de água dessalinizada deve ser injetado na rede, dependendo dos níveis dos reservatórios e da necessidade de Fortaleza".

A intenção desse modelo é tornar a vazão desse bem mais assertiva, de forma a potencializar o efeito e diminuir os custos extras ao consumidor final. Não há, no entanto, nenhum modelo mais detalhado sobre em quantos reais a conta de água e esgoto deve ser afetada com a entrada da Dessal em operação.

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Este episódio integra o especial "Impactos do projeto Dessal". No OP , você confere esta reportagem na íntegra, com mais conteúdos, além de outros episódios sobre o tema.

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