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A nova economia da influência cresce no Brasil
Reportagem

A nova economia da influência cresce no Brasil

Com 14 milhões de criadores no Brasil, setor cresce e se descentraliza, mas ainda opera sem regulamentação, com instabilidade de renda e desafios para a profissionalização. Nordeste já representa 18% do mercado, mas busca maior valorização e estrutura.
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Pacote de likes - Legalização do Mercado Influencer (Foto: Adobe Stock)
Foto: Adobe Stock Pacote de likes - Legalização do Mercado Influencer

O Brasil já soma mais de 14 milhões de criadores de conteúdo digital, segundo dados da Wake Creators, em um cenário que acompanha o ritmo global de crescimento da chamada creator economy, traduzida como economia do criador.

De acordo com projeções do Goldman Sachs, o mercado mundial deve alcançar US$ 480 bilhões até 2027. No entanto, especialistas apontam que, apesar da expansão, o setor ainda opera em estágio de formação e enfrenta desafios como informalidade, falta de regulação e concentração regional de oportunidades.

Dados do Censo dos Criadores de Conteúdo 2025, realizado com mais de 4.500 participantes, indicam que apenas 9% dos influenciadores brasileiros têm na criação de conteúdo sua principal fonte de renda. A maior parte ainda depende de outras atividades profissionais ou realiza ações pontuais com remuneração limitada. O estudo também aponta que 86% dos criadores gerenciam sozinhos suas carreiras, o que evidencia a atuação autônoma em um ambiente pouco estruturado.

Para Julia Affonseca, diretora de negócios da Wake, ainda falta uma base sólida para que o segmento se consolide como setor econômico. “É necessário valorizar a qualidade do conteúdo, formalizar contratos, garantir remuneração justa e investir em capacitação — tanto de criadores quanto de marcas”, afirma. Segundo ela, essas medidas são fundamentais para mitigar a instabilidade e tornar o ambiente mais previsível para todas as partes envolvidas.

A pesquisa também mostra que a base da influência digital brasileira é formada majoritariamente por micro e nano influenciadores — 83% têm até 100 mil seguidores. São perfis com maior proximidade do público, mas que ainda enfrentam dificuldades em acessar oportunidades de monetização de forma consistente.

No recorte geográfico, o Sudeste concentra 56% dos criadores, seguido pelo Nordeste com 18%. Para Julia, esses números refletem uma tendência de expansão regional, embora o eixo Rio-São Paulo ainda concentre o maior volume de investimentos e campanhas. “Há uma movimentação consistente de criadores fora do eixo tradicional, mas o desafio é garantir que esse crescimento seja acompanhado por estruturas adequadas de apoio, valorização e visibilidade”, analisa.

A economista e colunista do O POVO+, Desirée Mota, que acompanha os movimentos da economia criativa no país, reforça que o avanço do setor está ligado à ampliação do acesso digital e ao uso de tecnologias como inteligência artificial. “O Brasil tem uma das maiores taxas de usuários ativos em redes sociais. Isso cria um terreno fértil para o surgimento de criadores com grandes audiências, tanto locais quanto globais”, afirma.

Segundo Desirée, a possibilidade de monetizar conteúdos, vender produtos próprios ou oferecer serviços educacionais atrai diferentes perfis de empreendedores. No entanto, ela aponta que a concentração de receita e visibilidade em um número restrito de criadores é um obstáculo. “Para atuar nesse mercado, é preciso investir em estrutura, tecnologia e equipe. Nem todo mundo consegue”, avalia.

No contexto nordestino, a economista destaca o papel da cultura empreendedora como fator de expansão. “O perfil do empreendedor do Ceará é muito criativo e proativo. O criador digital oferece exatamente o que muitos aqui procuram: renda autônoma e possibilidade de escala.”

Apesar do avanço, Desirée chama atenção para a falta de regulamentação e a dependência de plataformas estrangeiras, o que pode comprometer a sustentabilidade do setor. “É um mercado ainda pouco transparente, com regras determinadas por algoritmos e interesses comerciais. Falta uma base jurídica que assegure direitos, oriente contratos e regule as relações com marcas”, defende.

Ela sugere que tanto o poder público quanto a iniciativa privada poderiam contribuir com o desenvolvimento de plataformas nacionais e programas de capacitação técnica.

Tanto Julia quanto Desirée observam uma transição no perfil dos influenciadores, que vêm adotando uma postura mais estratégica. O modelo baseado apenas em espontaneidade cede espaço à produção estruturada de vídeos, podcasts, cursos e parcerias, com uso crescente de ferramentas de automação.

“Isso exige conhecimento de marketing, comportamento digital e visão de negócio”, resume Desirée.
Para os próximos anos, as tendências apontam para a valorização da autenticidade, o fortalecimento de nichos e a construção de comunidades engajadas. Ao mesmo tempo, aumenta a pressão por profissionalização, transparência nas relações comerciais e equilíbrio entre monetização e identidade. “É uma mudança que exige tempo, mas que já está em curso”, conclui.

Modelo de publicidade paga aos influenciadores pode fomentar o vício em larga escala? | O POVO News

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Fortaleza, CE, BR 09.06.25  SoftConnect, empresa cearense que atua na profissionalização do mercado de influência por meio de assessoria, educação e relações públicas - Na foto: Lara Gomes, Lara Medeiros e Elisa Sarquis  (Fco Fontenele/O POVO)
Fortaleza, CE, BR 09.06.25 SoftConnect, empresa cearense que atua na profissionalização do mercado de influência por meio de assessoria, educação e relações públicas - Na foto: Lara Gomes, Lara Medeiros e Elisa Sarquis (Fco Fontenele/O POVO)

Profissionalização é um desafio

Diante da percepção de uma lacuna no suporte a influenciadores e assessores fora do eixo Sudeste, as empresárias Lara Gomes e Elisa Sarquis decidiram montar, em 2020, em Fortaleza, uma empresa com foco na formação estratégica de profissionais da área.

A SoftConnect atua em três frentes: assessoria, educação (com cursos e mentorias) e relações públicas. A proposta é acompanhar criadores e equipes de apoio em temas como curadoria, posicionamento e construção de marca. "Nosso trabalho também envolve o fornecedor, o gestor, a estrutura que permite que esse mercado funcione", diz Lara Medeiros, que se juntou à equipe ainda em 2020.

As fundadoras reconhecem que operam em um mercado informal, com baixa padronização contratual e pouco preparo técnico entre influenciadores iniciantes. Nenhum dos seus clientes atua com carteira assinada e muitos não dominam processos básicos, como emissão de nota fiscal ou negociação de valores.

A empresa afirma ter formado mais de 500 alunos e estima um crescimento de 50% no faturamento no último ano. Um dos principais projetos é o Conecta Eusébio, programa de aceleração gratuito para criadores locais em parceria com o Shopping Eusébio, que oferece mentorias, oficinas e contrato remunerado aos selecionados.

Embora atue a partir do Ceará, a empresa mantém circulação entre regiões para ampliar visibilidade. A gravação recente de um podcast em São Paulo, por exemplo, foi pensada como estratégia para aproximar o mercado nacional dos criadores nordestinos.

Com isso, ela explica que a empresa passou a oferecer uma plataforma de formação e curadoria de oportunidades visando reunir criadores, assessores e marcas com foco em capacitação e profissionalização.

A relação entre identidade regional e linguagem digital é um dos eixos que orientam o trabalho da empresa, especialmente voltado às gerações Z e Alpha, que compõem a maior parte do seu público. As fundadoras também defendem políticas públicas específicas para o setor, como fundos de pagamento, programas de capacitação para marcas e parcerias com o Sebrae para apoio a microempreendedores da área.

Embora o Brasil ainda não tenha um marco regulatório para a economia de influência, as empreendedoras apontam a necessidade de normas mínimas sobre uso de imagem, contratos e transparência. "Muitas vezes, o influenciador não sabe o que é pós-venda ou como gerir uma campanha", diz Lara Gomes.

Segundo elas, também há um descompasso entre marcas e criadores, já que muitas empresas não sabem como se comunicar com públicos mais jovens. Por isso, propõem que políticas públicas contemplem não apenas os produtores de conteúdo, mas também os contratantes.

Com um investimento estimado de R$ 80 mil no último ano e retorno de 200%, a empresa já faz planos de expansão para o futuro. "Daqui a cinco anos, os criadores podem ter suas próprias moedas, plataformas e comunidades", projeta Lara Medeiros.

O trabalho invisível da criadora de conteúdo

Empresária e influenciadora, Carol Yamazaki concilia a gestão de uma empresa familiar com a produção de conteúdo para redes sociais. "Fui relações públicas de uma loja local e já tinha muitos contatos. A rede começou a se formar ali."

Hoje, a influência funciona como uma atividade complementar. "Escolho trabalhos que tenham a ver comigo e com meu público. Já recusei propostas por falta de alinhamento ou remuneração incompatível", afirma. Sem agência, ela conta com apoio pontual de uma pessoa na captação de campanhas e afirma que, muitas vezes, os contatos chegam diretamente pelas redes.

A informalidade no setor, segundo ela, ainda afeta a forma como o trabalho é percebido. "As pessoas não veem o quanto exige: roteiro, gravação, edição. Fazemos tudo." Para ela, a formalização — com CNPJ, emissão de nota e contratos — ajuda a encarar a profissão com seriedade, mas ainda há um caminho de conscientização.

Sobre os desafios regionais, Carol aponta que o sotaque já foi motivo de orientação em briefings. "Algumas marcas pedem para neutralizar, outras entendem como parte da identidade". "A tendência é ser real. Mostrar quem você é, sem tanto filtro." A rotina é organizada com horários fixos e poucos projetos simultâneos. "Preciso conciliar. Sou mãe de duas". Sem formação específica na área, ela investe em cursos técnicos de edição e segue criadores com os quais se identifica.

O papel das agências na virada do setor e na influência regional

Com 14 anos de atuação no setor, a agência cearense Impulsione Comunicação acompanha de perto o amadurecimento do mercado de influência fora do eixo Sudeste. Para a jornalista e sócia-diretora Isabella Purcaru, o olhar das marcas sobre os criadores mudou: de ações pontuais para estratégias baseadas em dados, propósito e vínculo com comunidades. "O Nordeste tem se mostrado um polo forte nessa conexão."

Hoje, o critério para parcerias vai além do número de seguidores. A relevância em nichos, clareza de posicionamento e capacidade de entrega se tornaram essenciais. "O criador precisa entender briefing, precificar bem e apresentar resultados. Sem isso, não há campanha que funcione", resume. Para apoiar essa estruturação, a agência oferece orientação prática sobre formalização, gestão e métricas.

Na questão da remuneração, Isabella reconhece que o mercado ainda opera de forma desigual. "Às vezes, quem tem 10 mil seguidores converte mais do que quem tem 100 mil — porque fala com um público muito engajado. O desafio é equilibrar entrega e valor." Segundo ela, a ausência de parâmetros claros ainda compromete a precificação e a previsibilidade.

Apesar do crescimento do setor, muitos criadores seguem sem CNPJ, sem nota fiscal e com dificuldades operacionais básicas. "Nem sempre o problema é talento. Falta estrutura, e é aqui que entramos como agência." A Impulsione também aposta em formatos mais sustentáveis, como a participação acionária em marcas ou embaixadas de longo prazo.

Isabella defende que as campanhas regionais são uma tendência em expansão. "Não faz sentido impactar o Brasil inteiro com um conteúdo que representa só o Sudeste. O público
quer identificação."

Para o setor se consolidar como profissão, ela aponta a necessidade de regulamentação mínima: contratos claros, sinalização de publicidade e proteção autoral. Entre as políticas públicas possíveis, sugere um programa nacional de capacitação com foco em empreendedorismo digital e acesso a crédito para criadores formalizados. "Não basta falar em influência como mercado — é preciso estrutura para que ela se sustente."

Apesar do avanço acelerado da economia de criadores no Brasil, sua consolidação como setor econômico ainda depende de estrutura.

Profissionalização, regulamentação mínima, valorização regional e inclusão de novos perfis seguem como desafios centrais para que mais criadores possam transformar visibilidade em renda estável e carreira sustentável.

Com potencial de escala e inovação, a economia de criadores já ocupa papel relevante na cultura digital, mas sua estabilidade futura exigirá mais do que audiência: será preciso garantir condições para que esse mercado cresça com equidade, segurança e propósito.

Entrega

Não é mais somente o número de seguidores que conta para contratar um influenciador. Clareza de posicionamento e capacidade de entrega se tornaram essenciais

Luta

As empreendedoras querem ativar marcas no Ceará, mas primeiro precisam fazer com que os outros estados enxerguem
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Embora não seja uma profissão regulamentada, o influenciador foi reconhecido pelo Ministério do Trabalho como ocupação na Classificação Brasileira de Ocupações

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